quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Vida inteligente



Na semana em que recomeçam as aulas, reflectimos sobre a natureza, tipologia, poder e efeitos do pensamento.

Texto e fotografia Dina Cristo


Há duas formas de pensar. Uma é com lógica. É própria do intelecto, é estratégica, astuta, interessada, pessoal e apaixonada; é confusa, `animalesca`, intoxicante, venenosa ou, como diria Kant, impura. É a razão calculista, egoísta, agressiva, separatista e analítica, dos impulsos e inclinações. Está ligada às sensações e corresponde à esperteza. A outra é com amor. É própria da inteligência, é natural, desinteressada, impessoal, desapegada - pura; é clara e esclarecida, verdadeira e curativa. É natural, “nutritiva”, amorosa, humana, comunicativa e sintética.



É a razão distorcida, do pensamento concreto, que, tendo em conta o desenvolvimento humano, deve ser controlada, dominada, domesticada, orientada e direccionda. Pelo contrário, a razão pura, do pensamento abstracto, deve ser libertada. Óscar Quiroga escreveu «Você deve perguntar-se constantemente a respeito do pensador interno para que a mente seja instrumento útil em vez de chicote que invade seu tempo com idéias para lá de absurdas e inconsistentes. Dominar a mente é a próxima etapa evolutiva de nossa humanidade» .

O Ser Humano, que possui consciência individual e vontade própria, tem capacidade para melhorar e aperfeiçoar o seu modo de pensar. Este pode tornar-se melhor, mais qualitativo, subtil, “afiado”, despoluído, belo, universal e tranquilo - como acontece na passagem para a lentidão, da consciência alfa, em que um neurónio se descarrega entre sete a 14 ciclos por segundo de informação e o pensamento predomina sobre a acção – e mais elevado, através do foco em ideias nobres – como a solidariedade - e ideais, como a sonhada fraternidade universal.

Também é possível substituir os pensamentos negativos, analíticos, repetitivos, críticos, problemáticos, obscuros, pesados, de carência (como o pressuposto da economia capitalista), inúteis e destrutivos, que provocam enfraquecimento, aprisionamento, fatiga e doença por outros mais positivos, criativos, de síntese, aceitação, leveza e abundância (como a economia da dádiva), orientados para as soluções - úteis e construtivos, que promovem o fortalecimento, a libertação e a saúde.

Contudo, transitar de pensamentos viciosos, como o medo, a inquietação, a preocupação ou o desânimo, para pensamentos virtuosos, de confiança, tranquilidade e ânimo implica um esforço, dada a frequência habitual dos primeiros e o grau de dificuldade da mudança. Evitar a dispersão, treinando a concentração é essencial. Como uma espécie de combustão, ao inflamar, o pensamento focado – no Bem - além de proteger, potencia a purificação dos detritos ou resíduos tóxicos, provocados pelos pensamentos negativos, demasiada informação e não processada.



Há cerca de um século, Erich Scheurmann, o chefe da tribo dos tiavéa, retratava o pensamento dos europeus, os Papalagui, como vão, contínuo, rápido, excessivo, ruidoso como «a grave doença de estar sempre a pensar», provocando velhice, feiura, divisão, paixão, conflito, tormento, orgulho, embriaguez, sobrecarga, cansaço e tristeza. Quanto aos livros, as «esteiras com pensamentos», afirmava: “quem absorver esses pensamentos ficará imediatamente contaminado, e eles ingerem essas esteiras como se fossem bananas doces. Em cada cabana há baús cheios delas a transbordar. Velhos e jovens Papalaguis roem naquilo como ratos em cana de açucar» .



Entre o excesso de pensamentos e a falta de consciência há que procurar o equilíbrio. Mais difícil ainda talvez seja a gestão da sua ligação aos sentimentos, que influencia. A razão pura inclui e não exclui o amor, ela corresponde ao nível ético em que se cumpre a lei desinteressadamente, por amor a ela, sendo a lei máxima, amar o próximo como a si próprio, como se conclui do livro "Crítica da razão prática", de Immanuel Kant. Daí o provérbio chinês: «Recorda-te sempre da boa acção e nunca da injúria».



Falando metaforicamente para discípulos, Omraam Aivanhov aconselha a dar prioridade ao pensamento. Se os sentimentos são importantes porque constituem uma espécie de “maquinaria” que faz mover e avançar o “navio”, deve ser a cabeça, que está no topo do corpo humano, a funcionar como um capitão que decide a direcção, observa, orienta e dá ordens, fazendo-o chegar a bom porto. Como Carlos Cardoso Aveline referiu «A habilidade de pensar é muito nova, e ainda perturba a coordenação das sensações e dos gestos concretos» .



Os pensamentos filtram e influenciam o que se sente, por sua vez os sentimentos influenciam o olhar e filtram as acções. Pensar é criar: «Tudo é criação da mente», como escreveu Fernando Nené. Tal potência está expressa ao nível religioso (com o poder criador do Verbo) como ao nível científico, com o construtivismo - sendo dada cada vez mais importância à imagem porque não apenas representa o mundo mas também o recria e forma. Assim se constroem realidades mais ou menos vastas ou limitadas consoante o pensamento original. Para Omraam Aivanhov, o pensamento é uma entidade viva, que deixa marcas visíveis ao ponto de esculpir o próprio corpo. «(…) conhecer a natureza da mente é saber a origem de todas as coisas» lê-se no Livro Tibetano da Vida e da Morte.

Como publicou a revista Rosacruz , os pensamentos são uma espécie de gema que influencia a clara, o ambiente. Flávia de Monsaraz afirmou que “a energia segue o pensamento”. Dieter Duhm declara a propósito do seu poder: «Através de pensamentos e visões são construídos campos de energia e de informação invisíveis que não possuem nenhumas fronteiras espaciais (…) a partir dos quais o mundo visível surge». Cada pensamento é uma semente da qual depende o futuro. É preciso, pois, peneirar o trigo do joio, queimar a má colheita como se faz às ervas daninhas, e guardar a boa no celeiro para mais tarde a semear.



O documentário “Que raio sabemos nós?” trata esse bit de informação concentrada, que é o pensamento, do ponto de vista de onda, quando ao olhar se “vê” infinitas possibilidades de escolha, e de partícula, em que apenas se observa de forma objectiva. O mesmo vídeo considera o impacto dos pensamentos para além água, conforme estudado por Massaru Emoto. A pergunta é: se os pensamentos provocam a (de)formação de cristais de água, com as mais diferentes cores e formas conforme a natureza dos que são expressos - quanto mais elevada for a ideia mais harmoniosa e bela a forma geométrica - que farão às pessoas, que são constituídas essencialmente por água?



Os pensamentos emitem frequências (incluindo sobre objectos) que, segundo a lei do feed-back, realimentarão a sua própria fonte; depois de formados lançam-se em todas as direcções à volta de quem os emitiu. Daqui, como também do seu poder de realização, decorre a responsabilidade por cada pensamento emitido e transmitido, o cuidado a ter com a focagem no mal, na crítica investindo, em vez disso, no agradecimento e reconhecimento – caso em que, para Omraam Aivanhov, permite renovar a matéria, tornando-a ao mesmo tempo mais resistente e sensível. Enquanto mente dual, como uma escada rolante, ela tanto pode projectar a Humanidade para andares superiores, o “paraíso”, ou inferiores, o “inferno”,”lugar” subterrâneo sem luz, calor, ar ou espaço, como lembra o autor búlgaro.



A substância mental corresponde à intenção e permite a comunicação, a ligação do Ser Humano com a sua essência mais profunda, com as outras pessoas (a ligação mental, pelo amor ou pelo ódio, é habitualmente mais forte do que a física), com a Natureza (e a sua linguagem universal e silenciosa) e com o mundo divino. Contudo, este capital mental sofre várias vezes de apego - provocando uma obstipação “cerebral”, resistindo a prescindir das ideias ultrapassadas, ou diarreia mental, quando não é aceite a chegada de novas ideias – ou ainda de orgulho, falta de integridade mental, preguiça ou indolência, quantas delas provocadas pela indústria cultural, como explicou Theodor Adorno, que as adormece, infantiliza, reprime, domestica e “hipnotiza”.



O facto dos dois hemisférios do cérebro estarem frequentemente desequilibrados e por vezes fortemente desligados dificulta o processo de desenvolvimento mental. Enquanto o lado direito, da mente mais abstracta, concentra-se no todo, é mais subjectiva, imaginativa, compreensiva, não sequencial e produz pensamentos mais complexos e também mais flexíveis e divergentes, o lado esquerdo, da mente concreta, critica, analisa, pormenoriza, calcula, classifica, compara, separa e dispersa, actuando de forma estratégica, linear, objectiva, parcial e produzindo pensamentos directos e dominantes. É esta racionalização fria, intelectual mas não inteligente, que se manifesta em diversos sistemas, nomeadamente o administrativo, através da burocracia.

Foi a mente que permitiu ao Ser Humano criar cultura, fazer ciência e, ao ter valores, a ética, discernir o bem do mal, ser lúcido e esclarecido. Contudo, os Humanos têm-se pensado a si próprios como pecadores (pela religião) ou manipuláveis (pela ciência). Hoje, porém, têm condições para assumir o poder de se governar, de se tornar criadores benéficos, ao conduzir os seus próprios pensamentos para a verdade, para o bem comum, procurando abrir espaço para o silêncio e, ao ultrapassar as nuvens mentais no céu da intuição, o sexto sentido, provocar a cura. «Porque o pensamento que nos permite compreender também nos permite agir: ele é algo mais do que uma simples faculdade que tem por objectivo o conhecimento; ele é a chave de tudo, é a varinha mágica, o instrumento da omnipotência» .



Através do pensamento, é possível purificar a matéria, dar sentido aos gestos, fazer acupunctura mental ou proporcionar a mudança social. Para Dieter Duhm, «A humanidade tornar-se-á também capaz de mudar rapidamente e facilmente as estruturas materiais através do poder do pensamento». Os pensamentos circulam e, positiva ou negativamente, irão influenciar algures uma acção; como diapasões despertam ecos noutras mentes receptivas e sintonizadas. Daí a importância de o melhorar, focá-lo na pureza da impessoalidade, recuperar a naturalidade e aprender a despreocupar - sobretudo em lua vazia, como defende Óscar Quiroga, uma forma mais eficaz de descansar do que nada fazer.

Roberto Carlos recomenda, em “Não quero ver você triste assim”, «Esqueça o mal, pense só no bem que, assim, a felicidade um dia vem». Pensar no bem ou no mal constitui um poder pessoal e, embora seja uma decisão difícil, como uma pedra que se deixa cair o movimento vai acelerando, com as suas benfeitorias ou malfeitorias. Costa Alves e Joaquim Soares já relacionaram os padrões de pensamento com as anomalias climáticas, por exemplo. A própria ideia de mente, de um sujeito, está a ser reintroduzida na própria ciência, quer ao nível do observador quer do observado.



O desafio é, assim, transmutar os pensamentos com lógica, frios, interessados e separatistas, em pensamentos com amor, calorosos, desapegados e comunicativos. Tal processo implica uma aprendizagem e mais facilmente pode ocorrer depois dos 21 anos, altura em que finaliza a consciência ainda animalizada. Depois disso, há que ultrapassar os obstáculos internos - a que Carlos Cardoso Aveline chama a luta sem tréguas, no campo de batalha mental, entre a verdade e a ilusão – e os externos, que, como a indústria mediática ao serviço do ruído, reprimem o florescimento da inteligência espiritual.

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