quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Voz do céu


Este Domingo fará cem anos que nasceu Omraam Aivanhov. Por isso, hoje recuperamos uma das suas obras, dedicada ao poder, natureza e formas de ouvir o silêncio.

Texto Dina Cristo

O silêncio é um lugar - imenso, profundo e intenso, habitado por seres celestiais que falam, cantam e revelam (soluções) - de onde o Universo saiu e para onde um dia regressará. É uma região de luz (cósmica) e vida (abundante), para além das sensações físicas, dos sentimentos e pensamentos vulgares.
Vivo e vibrante, o silêncio é, na verdade, a voz da alma que fala baixo e, docemente, avisa, aconselha, protege e dirige, de forma terna e melodiosa, breve, contínua, mas sem insistir. Expressão da essência divina, manifesta-se pela sensação de liberdade, expansão e vontade desinteressada. É sinal de bom funcionamento (a própria dor é um ruído) e aperfeiçoamento: «quanto mais evoluído se é, mais necessidade se tem do silêncio»[1] .
Princípio feminino, estado receptivo por excelência, um esvaziar (do supérfluo, complexo e periférico) – característico da via da renúncia também descrita por Carlos Cardoso Aveline – é capaz de colocar em funcionamento os centros subtis, através dos quais se entra em contacto com o mundo espiritual.
Apesar das suas potencialidades, o silêncio é muitas vezes rejeitado por uma grande parte dos seres humanos: «(...) o silêncio físico obriga-as a tomar consciência das suas dissonâncias e das suas desordens interiores, e é por isso que elas têm tanto medo»[2]. O mais comum é encobrir os demónios interiores com barulho. E então fala-se como forma de afirmação da personalidade ou atracção da atenção.
Outras vezes o silêncio é sentido como vazio ou solidão - um equívoco que Omraam Aivanhov desfaz: «Se não quiserdes ser pobres nem estar sós, procurai o silêncio»[3]. Na verdade, a voz interior não só «(...) é, por vezes, mais eloquente do que a palavra»[4], como é a própria «(...) expressão da paz, da harmonia, da perfeição»[5].


Escutar o silêncio
O verdadeiro silêncio, o interior, não se atinge sem esforço. «O essencial», dizia Omraam aos seus discípulos, «é a vossa decisão de entrar nesta via e de nela perseverardes»[6]. Para conseguir ouvir a voz do silêncio é necessário, antes de tudo, eliminar o ruído; primeiro o externo, depois o interno, que advém dos conflitos entre as vontades da mente e os desejos físicos, passando pelos anseios do coração. «Enquanto continuardes a alimentar as necessidades comuns, não conseguirás libertar-vos»[7].
Estas agitações, desordens e dissonâncias, próprias da paixão, interesse, intolerância e carência humana, provocam desafinações (desalinhamentos), que só agoniam, destroem, intoxicam e conduzem ao erro. Com tal algazarra dentro de si, o ser humano não passa da experiência meramente formal, superficial, opressiva, independente e exclusiva, que se limita à palavra, ao intelecto, ao conhecimento, à interpretação e ao medo. Uma vivência da personalidade desatenta, densa, contraída, estranha, pessoal e particular – uma via lunar, de ambição desmedida.
Para conseguir a pacificação, a ordem, a consonância - própria do Amor, desinteresse, tolerância e abundância humana, que produz afinação, alivia, nutre e conduz, construtivamente, à correcção - é necessária preparação. Com uma tal tranquilidade dentro de si, o ser humano ultrapassará os distúrbios corporais e poderá então chegar a experiênciar uma vida anímica, substantiva, profunda, centrada, livre, interdependente e inclusiva, ao nível Verbal (inaudível), do pensamento, sabedoria, compreensão e coragem. Uma vivência do seu Ser mais íntimo, subtil, atento, impessoal, forte, íntegro, expansivo e Comum.

Qualidade de vida interior
Para além da indispensável harmonia dos diferentes deuses e deusas nos homens e mulheres, da pacificação entre os diferentes padrões psicológicos, é necessário ouvir aquela que é, no fundo, a voz de Deus, e trilhar o caminho solar, da renúncia, do Vazio, desenvolver o auto-domínio, ser capaz de controlar as palavras, as reacções e os gestos. Omraam Mikhael Aivanhov aconselha a aplicar os exercícios à mesa, quando se deve comer no máximo silêncio, incluindo o dos próprios talheres.
Na ajuda ao desapego, à distanciação em relação aos desgostos (do passado) e às preocupações (com o futuro) é útil fazer um retiro de alguns dias, para repousar e descansar. A libertação das inquietações prosaicas, o afastamento em relação às solicitações e agressões do mundo exterior, sempre foi, aliás, praticado por eremitas e sábios, que se isolaram em grutas, desertos ou montanhas. Contudo, não se resgata o pensamento nem se concentra no bem comum sem se jejuar e respirar adequadamente, sem oração, meditação e contemplação (nomeadamente das estrelas), que possibilite o abandono dos estímulos externos e permita uma vida profunda, centrada no sol interior.
Difícil de atingir, o silêncio traz inúmeros benefícios. Força, magnetismo, energia, serenidade, delicadeza, flexibilidade, clareza, lucidez, atenção e concentração são alguns exemplos: «Se estivésseis mais atentos, se tivésseis mais discernimento, sentiríeis que, antes de cada empreendimento importante da vossa vida (uma viagem, um trabalho, uma decisão a tomar), há uma voz suave que vos aconselha»[8]. Além da purificação, sublimação, libertação, organização, integração e expansão que promove, a voz do céu franqueia a passagem à certeza, à paz, ao amor, ao bem-estar, à felicidade, à plenitude e a uma vida correcta.
A «(...) maioria dos humanos vive a maior parte do tempo à periferia do seu ser»[9], ensinava o mestre búlgaro, discípulo de Peter Deunov. O silêncio, ao submeter a personalidade ao Eu Superior, que doravante nele se expressa e o comanda, permite desenvolver o terceiro ouvido e escutar a voz do Senhor, o Silencioso: «(...) fazer o silêncio é, de algum modo, fazer em nós o vazio, e é nesse vazio que recebemos a plenitude»[10].

[1] AIVANHOV, Omraam Mikhael – A via do silêncio, Edições Prosveta, Colecção Izvor, 2000, p.13. [2] Idem, p.16 [3] Idem, p. 143 [4] Idem, 14 [5] Idem, 16 [6] Idem, p.163. [7] Idem, p.22. [8] Idem, p.143. [9] Idem, p.159 [10] Idem, p.161

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