quarta-feira, 6 de março de 2013

Santo?


Ao assinalar-se, amanhã, 177 anos do nascimento de Sousa Martins, em Alhandra, recuperamos um artigo, originalmente publicado na Gazeta do Cenjor, em Julho 1996.

Texto e desenho Dina Cristo

É considerado santo (também) por muitos católicos. Tem aliás um santuário pagão mesmo em frente ao patriarcado de Lisboa. Contudo, a hierarquia da Igreja Católica não reconhece a sua vida como tendo tido dignidade suficiente. A sua alegada ligação à Maçonaria e ao Espiritismo são, para a Igreja, imperdoáveis. A devoção é exercida à revelia da Igreja, que tolera o culto mas se afasta de qualquer envolvimento comprometedor: «A Igreja não tem sobre esse assunto uma posição definitiva. É uma questão sociológica e não teológica», explica o secretário-geral do Patriarcado de Lisboa, cónego José Mendes Serrazina. A diocese está a uns escassos metros do monumento erguido em sua memória, local de peregrinação diária dos seus devotos. «Veja como os automóveis estão sujos, e a figura de Sousa Martins limpa»,  apela uma mulher, que depois de ali rezar distribui generosamente milho aos pombos. E apontando à parte superior da escultura observa, enigmática: «Todos os pombos vieram comer, só aquele ficou: por algum motivo há-de ser».

Igreja suporta mas não aprova

A Igreja revela-se indiferente às manifestações de fé e de louvor relativas ao antigo médico. Da portaria do patriarcado respondem: «Sousa Martins? Não temos cá ninguém com esse nome». De seguida, o mesmo olhar de escárnio interroga, com desdém: «É uma crente do Sousa Martins?». O desprezo deve-se, sobretudo, à ligação que o professor, natural de Alhandra, terá estabelecido com a Maçonaria. Os maçons, ao defenderem a liberdade religiosa, tornaram-se ao longo dos séculos adversários da Igreja. O seu espírito de abertura foi considerado anti-católico e as encíclicas papais condenavam frontalmente os «pedreiros livres». A relação de aversão, hostilidade e oposição alterou-se, no entanto, no século XX, altura em que a Igreja se começou a mostrar mais compreensiva e condescendente. Hoje, o patriarcado tolera as placas de agradecimento, as flores, as velas e os desdobráveis que falam de Sousa Martins como intermediário de Deus. «Acudo sempre aos que me pedem com fé verdadeira. Sou teu intermediário junto do Senhor, nosso Deus. Sê bom, verdadeiro, honesto, caritativo e conta comigo. Vai… Deus te ajudará», rezam os panfletos.

Igreja condena vida de ateu

A alegada santidade de Thomáz Sousa Martins nunca será reconhecida pela Igreja, garante padre Peter, coadjutor na Igreja dos Anjos, em Lisboa; não existe, assegura, a mínima possibilidade de tal vir a suceder, nem mesmo durante o século XXI. «Seria uma falta de respeito pelo Dr. Sousa Martins se a Igreja embandeirasse agora numa crença popular, uma vez que ele próprio se considerou agnóstico e ateu», comenta o sacerdote. O carácter anti-dogmático de Sousa Martins afasta qualquer hipótese de poder ser considerado beato e, na sequência disso, santo. Para a beatificação é necessário que o candidato tenha levado uma vida pura, isenta de pecado. Aos olhos da Igreja, a relação maçónica de Sousa Martins, torna-o inaceitável. A hierarquia católica reconhece apenas o seu perfil filantrópico, de caridade, humanidade, altruísmo e ajuda permanente aos mais pobres. Para a canonização é indispensável a comprovação de, pelo menos, três milagres, através de uma comissão de peritos científicos. O facto de Sousa Martins não reunir, segundo a Igreja, as condições necessárias à beatificação, retira logo à partida o interesse de demonstrar, ou negar, os mencionados milagres. Os factos sobrenaturais que alegadamente ocorrem, através da comunicação mediúnica, afastam definitivamente a última expectativa em vê-lo reconhecido pela Igreja, já que o espiritismo, doutrina que defende a comunicação com o espírito dos finados, é veementemente condenado pela Igreja Católica.

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