quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Hipersensibilidade


Há vinte anos, Elaine Aron promoveu a primeira reunião de Pessoas Altamente Sensíveis (PAS). Foi na Universidade da Califórnia. Há dez escreveu o livro que hoje, Dia Mundial da Saúde Mental, relemos.

Texto Dina Cristo

Longe do distanciamento entre cientista e objecto, assumindo a sua qualidade de PAS, a autora, que ao longo da obra refere vários exemplos (pessoais), explica como estas pessoas, que constituem um quarto da população, têm sido ignoradas e desvalorizadas por uma cultura pouco sensível, focada no físico, e onde altos níveis de stress são considerados normais. Minoritárias, as PAS, por natureza pacíficas, receptivas e meigas, não têm sido (re)conhecidas nem têm visto as suas necessidades profundas satisfeitas, enquanto o dever de estar numa sociedade repleta de estímulos lhes traz dificuldades acrescidas e vários problemas de saúde.

Setenta por cento das PAS são introvertidas, elas possuem um sistema de activação fraco, ao contrário das extrovertidas cujo mesmo sistema, de rei guerreiro, é forte. A curiosidade destas é, contudo, refreada por um sistema de pausa para verificação (conselheiro) maior do que o das primeiras. Em qualquer dos casos, e independentemente das diferenças de sensibilidade, de um estilo de vida mais simples ou mais activo, a maior realização de qualquer PAS é na vida íntima, nos relacionamentos pessoais, em detrimento da vida social que, pela hiperestimulação que proporciona, lhes causa desconforto.

As PAS têm menor tolerância aos estímulos (são mais susceptíveis, por exemplo, à fome, ao frio, ao ruído, aos odores, ao electromagmetismo), em relação aos quais têm maior dificuldade em administrar, e maior abertura aos significados subtis, cuja necessidade de processar reflectida e profundamente lhes é essencial. Uma PAS pensa muito antes de agir, analisa abundantemente (inclusive o próprio pensamento) e, em geral, nas soluções para os problemas e no sentido da vida. A sua força, poder e coragem está em conseguir lidar com o mal e o sofrimento, encontrando e partilhando o seu sentido, através do luto e da cura - um trabalho interior que lhes é adequado.

As pessoas super sensíveis são especialmente talentosas a nível intelectual. Têm uma inteligência privilegiada e são especialmente dotadas. A sua adrenalina é de carácter mental. Apreciam a reflexão profunda dos significados mais ténues, que assimilam bem, o que faz delas boas conselheiras, intelectuais, teólogas, psicoterapeutas, consultoras ou juízes. Interessam-se particularmente por ideias, conceitos e possibilidades e decidem mais com base em pensamentos e sentimentos do que em factos. A sua vida é mais anímica e psicológica do que física ou prática. Correspondem, numerologicamente, ao sete.

Embora não tenham desenvolvido particularmente os sentidos físicos (muitas usam óculos), possuem uma forte visão interior, p(r)o(f)ética, capacidade de antevisão, de farejar o futuro, próprio dos verdadeiros artistas, e intuição incomum, capaz de revelar factos ocultos, em contacto íntimo com o inconsciente, nomeadamente através dos sonhos, da imaginação, da sua rica vida interior e da experiência espiritual. São especialmente receptivas à sincronicidade, à proximidade não física e à influência à distância. Constituem a classe “clerical” que respeita o silêncio (condição para a qualidade dos pensamentos) e age de forma escrupulosa e dedicada, fomentando um espaço ritual e sacralizado.

As pessoas de sensibilidade extrema possuem uma espécie de “antenas” sensíveis que lhes faz ficarem mais alertas aos perigos, daí a sua habitual inibição comportamental. São, assim, mais atentas, conscientes e cautelosas, embora a sua hiperexcitação se possa manifestar como arrependimento em relação ao passado e preocupação em relação ao futuro. O terceiro olho, interno e invisível, nelas menos adormecido que no geral da população, é o seu “radar” cujas ondas as previnem os obstáculos, acidentes ou entidades malfazejas, recorda Omraam Aivanhov.

Segundo este autor, a sensibilidade é um grau superior que põe o Ser Humano em contacto com as regiões celestes, numa abertura (total) à sua luz e beleza e o fecho a todas as coisas absurdas e feias do mundo humano (1). É, explica, diferente da susceptibilidade, a pieguice de uma personalidade egoísta, afectada, como diria Immanuel Kant. Elaine Aron também distingue sensibilidade da ansiedade e da timidez, quando a pessoa teme que os outros não gostem dela ou não a aprovem.

Em contacto com a sociedade, altamente estimulante, as PAS, que têm o hemisfério direito do cérebro mais activado, tendem a reagir fortemente, o que lhes aumenta o stress, a agitação e o cansaço. Em hiperestimulação, com a redução da quantidade de neurotransmissores, nomeadamente a serotonina, podem facilmente cair no contrário, a depressão e, partir de um nível intolerável de exaltação, ficarem mesmo insensíveis. Ao serem mais afectadas por todas as coisas (como no caso do ambiente médico, aos sintomas, aos medicamentos e à sua própria dor e à dor outros), as pessoas com sensibilidade extrema necessitam de um tratamento especial.

Ao constituir um grupo minoritário que não é conhecido, protegido e valorizado pela cultura dominante – as pessoas sensíveis são habitualmente retratadas pelos “media” como vítimas – sofrem muitas vezes, apesar da sua natureza, tendencialmente mais criativa e humana, falta de auto-estima, de auto-confiança, de segurança (emocional) e uma falsa sensação de inferioridade. Como não receberam suficiente apoio desde crianças, habitualmente esquecem as suas próprias carências, e ultrapassam-se para agradar aos outros. Uma das suas maiores necessidades, a protecção, torna-se, assim, uma das suas maiores dificuldades.

No caso da sua usual abertura mental e psicológica (o princípio receptivo) esta deve ser, pois, mais equilibrada com o desenvolvimento da sua vontade (o princípio emissivo), focando-se no que é mais correcto e adequado para si, ou, nas palavras de Omraam Aivanhov, discernindo e distinguindo as influências benéficas, que devem ser preservadas, das maléficas, que devem ser repelidas, ou nas da autora, estabelecer fronteiras flexíveis. Numerologicamente falando, corresponde àao número 2 (2, 11, 20, 22), com “nervosismo interior”, “tensão nervosa”, “sensibilidade refinada e profunda”, que deve aprender a dizer “não” ao que lhes é demasiado perturbador.

No caso da reserva em termos sociais, para melhor protegerem a sua vida interior e se resguardarem, devem estar no mundo, o que para as PAS, maioritariamente introvertidas, discretas e que passam despercebidas, é um dos aspectos mais difíceis e desafiantes. O reconhecimento do seu lado sombra - de poder, força, dureza e raiva – se não houver demasiada pressão e for aceite, pode torna-las mais flexíveis, adaptadas e integra(da)s, com benefícios mútuos: «Para as PAS, a mais dura de todas as tarefas não é de forma alguma renunciar ao mundo, mais sair para o mundo e mergulhar nele»(2).

Com ligações, na infância, inseguras, desenvolvem mais tarde relacionamentos esquivos ou ansiosos. Mais excitáveis são mais inclinadas a apaixonar-se mais e mais intensamente, muitas vezes por uma pessoa de nível inferior e com a qual não combinam. Uma intensidade que aumenta também com o sofrimento inerente à falta de correspondência. Tendem a estabelecer relações profundas, monogâmicas ou optar pelo celibato. A sua necessidade é de expansão interior. Privilegiam a qualidade e aprofundamento em detrimento dos grandes círculos de amigos, estranhos, grupos ou ambientes festivos onde é difícil, como gostam, de conversar seriamente, sobre filosofia, sentimentos ou conflitos interiores. Boas ouvintes, o seu sucesso social é na intimidade.

As pessoas híper sensíveis tendem a ser caladas e discretas, criteriosas e perfeccionistas, suaves e meigas, discretas e reservadas, idealistas e pouco práticas (nomeadamente ao nível dos negócios), íntegras e interiormente corajosas. Estes homens e mulheres são uma mais-valia para uma sociedade extrovertida: «Sem PAS em posições-chave da sociedade ou da organização, as pessoas de perfil guerreiro tendem a tomar decisões impulsivas carentes de intuição, usam abusivamente o poder e a força e deixam de considerar os aspectos históricos e as tendências futuras»(3).

A autora relembra, mais à frente, o valor destas pessoas, cuidadosas, sábias, com apurado sexto sentido e abertas à experiência subtil, que a cultura ocidental actual, preconceituosamente, rotula negativamente: «Mas a História precisa de nós. O desequilíbrio entre os segmentos dos conselheiros reais e dos reis guerreiros sempre foi perigoso, mas o perigo é maior quando a ciência nega a intuição e as “grandes questões” são respondidas sem reflexão, de acordo apenas com o que é conveniente no momento»(4).

Para que as pessoas que se excitam mais intensa e prolongadamente possam sentir-se confortáveis e cumprir o seu papel no mundo exterior, a autora apresenta diversos conselhos, dos quais destacamos: valorizar a introversão e trabalhar a hiperexcitação; não se comparar, esconder ou sobrecarregar; ouvir música e dançar, alimentar saudavelmente; descansar e repousar, ler e cozinhar, fazer yoga ou meditar; em casos mais críticos tentar sair da situação, movimentar-se, caminhar ao ar livre, respirar e beber água.

As pessoas superexcitáveis têm mais necessidade do que as restantes de ter calma e tempo, descanso e sono, protecção e segurança, reflexão e espaço a sós, (para digerir os acontecimentos) o que, numa cultural embrutecida, é considerado sinal de doença mental. Elaine Aron lembra o conceito de individuação de Carl Jung, também ele uma PAS - o conhecimento das diversas vozes interiores, incluindo as desprezadas ou rejeitadas (o que pode conduzir à hesitação mas também a tornam mais forte, íntegra e plena) através das quais encontra o próprio sentido da vida e vocação, a pergunta peculiar que vieram responder à Terra, a sua própria especialidade, o que é bom para si em particular.

As PAS, superdotadas, com destacada capacidade de concentração, compreensão, previsão ou memória (semântica), têm sido marginalizadas por uma cultura que valoriza o físico. Em vez de recorrer a drogas, receitadas por profissionais pouco sensíveis, que as tornam egocêntricas, submissas, insensíveis, definidas e “normais”, a autora defende a psicoterapia (junguiana), que para as pessoas que assimilam «(…)muito bem as pistas sutis, as nuances, os paradoxos e as ambivalências e os processos inconscientes»(5) pode constituir uma espécie de parque de diversões, devolvendo o auto-conhecimento, o respeito e a cura. E esclarece Elaine Aron: «Nós não nascemos realmente com a tendência a “híper-reagir” ao estresse”. Nascemos sensíveis»(6).

(1) AIVANHOV, Omraam – Pensamentos quotidianos, Publicações Maytreia, 10/11/2010. (2) ARON, Elaine N. – Use a sensibilidade a seu favor – Pessoas Altamente Sensíveis. Editora Gente. 2002, pág. 258. (3) Idem, pág. 150. (4) Idem, pág. 258. (5) Idem, pág. 192. (6) Idem, pág.241.

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