quarta-feira, 4 de julho de 2012

Imprensa alternativa


Antes do Dia Mundial da Cooperação, seguimos um artigo de Cris Atton*. Ao entrar no mês em que completamos cinco anos de actividade, reflectimos sobre a imprensa comprometida com uma esfera pública diversificada.

Texto e fotografia Dina Cristo

A imprensa alternative possui duas grandes áreas: uma que introduz actores sociais, como pobres, trabalhadores, mulheres e jovens comuns, como principais sujeitos das notícias, outra que é realizada por pessoas ordinárias que participam directamente na realização do próprio trabalho jornalístico.

Mais do que servir de mera fonte de informação, o seu objectivo é a mudança para um todo social, cultural e económico mais equitativo no qual o indivíduo não seja reduzido a um mero objecto, dos “media” ou do poder político”, mas antes capaz de se realizar como Ser Humano na íntegra.

Comprometida com a vida de todos os dias e as necessidades comuns das pessoas, contra o sistema (capitalista), esta imprensa não convencional inova nos meios que usa. Deliberadamente não comercial, ela aposta na baixa finança, distribuição e circulação – a sua essência, pouco compreendida por Comedia, segundo o autor.

Assim, nos títulos em análise - “Counter Information”, “SchNews”, “Do or Die”, “Green Anarchist”, "Squall” e “The Big Issue”, sobretudo na década de 90 – existe reduzida publicidade e a existente, sobretudo relativa a bens como livros ou outros jornais de imprensa alternativa, permite-lhe ultrapassar um dos filtros de propaganda próprios dos jornais de “mainstream”, referidos por Noam Chomsky, facilitando, assim, a sua independência e liberdade.

A subscrição, os donativos, os subsídios, nomeadamente através de concertos musicais de beneficiência, são outras formas de se financiar além do trabalho não assalariado, espelho do seu próprio comprometimento para com um estilo de vida humilde. O trabalho tem, aliás, uma função educativa de encorajamento para outros envolvimentos e participações na produção. Mais importante do que o conteúdo é o trabalho dependendo grande parte do seu valor da atitude perante as relações de produção.

Muita desta imprensa é contra os direitos de propriedade intelectual e são frequentes as publicações gratuitas e livres. Vários autores e editores incentivam a cópia e distribuição de parte do material ou mesmo do seu todo. O que está em causa é o estímulo à troca de informação e um comportamento justo. Com a ajuda da tecnologia, como as fotocopiadoras, desde os anos 80 que a audiência é capaz de (re)produzir o jornal de forma barata, rápida e limpa.

Existem três métodos de distribuição aberta: uma dependente dos maiores canais de distribuição, outra em locais adaptados mas não criados para o efeito, como cafés, restaurantes ou lojas, e, por último, as “infoshops”, locais já especializados em divulgar informação diponibilizando aconselhamento, prestação de serviços e até salas de leitura ou pequenas livrarias de publicações alternativas - um conjunto de actividades variadas concertadas com a formulação de confrontação de ideias divergentes.

Em sequência da baixa finança e distribuição, a imprensa alternativa tem (com a excepção das “New Socialist” e “New internationalist”) um baixo nível de circulação, o que é visto por Comedia como indício de subdesenvolvimento de uma imprensa para o desenvolvimento. Contudo, Atton salienta que é sua essência este carácter não mercantilizado e sublinha a sua contribuição democrática ao promover a criação de uma Esfera Pública Alternativa. A sua força, e sobrevivência, estão na sua diversidade. Cem publicações com mil tiragens são cem vezes preferíveis a uma publicação com cem mil impressos em circulação, defende.

Ligada a movimentos sociais como, por exemplo, os ecologistas, anarquistas, feministas ou socialistas, os quais suporta, reporta e incrementa, a imprensa alternativa, por vezes radical, tem em vista a disseminação de ideias heterodoxas e dissidentes. Os bares, cafés, restaurantes, pequenas livrarias são hoje novos locais de discussão em substituição dos históricos salões e fóruns mediáticos. Trata-se de uma renovada esfera de autonomia, na qual experiências, críticas e alternativas se podem desenvolver livremente e onde o público pode expor e debater questões sociais e políticas independentemente do Estado.

Comedia vê na sua precariedade e pouca visibilidade a marginalização e fracasso. Contudo Atton sublinha que, longe de estar em competição com a imprensa de “mainstream”, com os seus produtos ou mercados, a imprensa alternativa possui uma estratégia económica também ela alternativa, métodos que a integra nos próprios movimentos que desenvolve, como a economia verde (ecologia) e a economia preta (anarquia). Só no Reino Unido, por exemplo, existem 25 publicações e 12 editores da responsabilidade de anarquitas.

As suas crises financeiras recorrentes devem-se sobretudo ao facto do rendimento ser integrado na própria vida dos seus participantes, como é claro no caso da “The Big Issue”, ao desenvolver novas formas de distribuição através de vendedores de rua (quase seis mil em Inglaterra), identificados, treinados e actuando de acordo com um código de conduta.

Descentralizada, a imprensa alternativa devolve às pessoas a voz directa e o pensamento independente. Rejeita o modelo vertical, do topo para a base, que a maior parte dos “media” preserva, e adopta a auto-gestão, onde as decisões editoriais e de produção são feitas colectivamente, e fomenta uma comunicação horizontal, entre escritores e leitores. As publicações são criadas, produzidas e distribuídas pelos destinatários para as quais existem. O sujeito, objecto de notícia, pode ser o escritor ou distribuidor das mesmas.

Esta imprensa é activa, mobilizadora e comprometida com as opiniões das minorias, como os não alinhados. Assuntos que não têm cobertura regular por parte de outros meios de informação e que são focados no âmbito da responsabilidade social e da expressão criativa. Alguma imprensa está mais ligada a um protesto em especial (caso do anti-nuclear na Alemanha), outra encontra-se mais vinculada a grupos específicos e às suas actividades, sendo o seu principal objectivo - não a informação factual ou opinativa mas antes - a acção sócio-política já referida.

A imprensa alternativa, concretiza a diminuição da distinção entre produtor e consumidor, um momento de transformação entre o “Nós” e os “Outros” numa aproximação que se materializa no caso da “The Big Issue”, em que ¼ de milhão de pessoas conversa com o vendedor sobre o problema social dos sem abrigo. Isto quando muita pesquisa, mesmo no âmbito do estudos críticos dos “media”, concebe a audiência activa de forma ainda longe de ser criadora e produtora. Um carácter que as fanzines souberam realizar.

Em suma, o movimento mediático expresso na imprensa alternativa (à institucional), focada na actividade, participação e mobilização, assume um aparato sócio-cultural pluralista com uma estrutura complexa e articulada ao nível da acção económica, organizacional e social num esforço para ser coerente com os princípios que defende, a nova esfera pública que empreende e os objectivos de contribuir para mudar para um sistema mais democrático, pluralista, equitativo, aberto, livre, justo e humano.

* ATTON, Cris – A reassessment of the alternative press in “Media, Culture & Society”, Sage Publications, London, 1999, vol.21, pág.51-76.

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