Jornalismo social III
Hoje, precisamente, completamos cinco anos de actividade semanal contínua. Antes de interrompermos, em Agosto, regressamos às nossas origens.
Texto Dina Cristo imagem Cais
Desde há quase 20 anos que o jornalismo público se propõe recuperar a ligação perdida com os leitores, manifestada numa crise de imprensa, após a aplicação dos valores da objectividade e falsa neutralidade e imparcialidade, decorrentes de uma má interpretação da razão iluminista, autónoma e independente, e que degenerou num distanciamento, alheamento e indiferença perante o universo do público.
Desde há quase 20 anos que o jornalismo público se propõe recuperar a ligação perdida com os leitores, manifestada numa crise de imprensa, após a aplicação dos valores da objectividade e falsa neutralidade e imparcialidade, decorrentes de uma má interpretação da razão iluminista, autónoma e independente, e que degenerou num distanciamento, alheamento e indiferença perante o universo do público.
Conscientes acerca do quanto se haviam afastado dos destinatários, os jornalistas cívicos apresentaram três principais objectivos: a comunidade, a cidadania e a deliberação. Pretendiam agora envolver o público, levá-lo a interessar-se pelos temas públicos, motivá-lo a informar-se sobre os assuntos mediáticos, políticos, económicos ou militares e conduzi-lo à discussão e ao debate dos mesmos.
A sua intenção – medida para o valor moral de uma acção, segundo Kant – era sobretudo comercial, a recuperação das tiragens, em queda. A proposta traduzia-se em aumentar ainda mais a presença das elites em detrimento da inclusão dos problemas das pessoas comuns na agenda mediática. Assim, se esculpiria ainda mais o fosso entre os sub-sistemas e a lifeworld - os anseios, as acções e os sofrimentos dos indivíduos na sua vida de todos os dias.
Entretanto, o desenvolvimento das ferramentas digitais e a multiplicação de possibilidades e facilidades de publicação on line pelos cidadãos elevou a desejada contribuição do público. Com a Web passou a ser possível recolher, seleccionar e publicar histórias, sem controlo por parte de qualquer profissional e “desalinhadas” dos critérios jornalísticos convencionais.
Em alguns casos as atitudes dos cidadãos ultrapassaram a pretendida participação, limitada à recolha e envio de material, nomeadamente fotográfico. Este caso - em que o trabalho voluntário do cidadão é estimulado e usado pelas empresas que mantêm o poder de seleccionar e publicar – vai um pouco mais além do que o jornalismo interactivo, em que o cidadão apenas pode intervir após a publicação dos artigos, mas fica um pouco aquém do jornalismo de cidadão, onde todo o processo de produção é realizado pelo autor, como defendia Walter Benjamin.
Nesta segunda fase do jornalismo público as acções dos cidadãos ultrapassaram as próprias empresas que se sentiram obrigadas a acolher, de uma forma mais generalizada, os materiais enviados pelo público, não sem, contudo, resistirem à perda do exclusivo de informação exacerbando ainda mais o seu controlo. Como refere Sparks(1) «o tipo de material que tem maior sucesso on line é o que remete para os problemas da elite, e a esfera pública on line encarna o mesmo tipo de exclusões que estão presentes off line, mas numa forma mais extrema».
A par do discurso propagandísticos e demagógico, que afirma estar ao serviço da igualdade, pluralidade ou democraticidade, na prática o que se verifica, como demonstrou Lincoln Dahlberg, é o aprofundamento das desigualdades - desde as mais básicas, como o desnível de acesso, às mais elaboradas, como a produção do próprio discurso -, as exclusões, do diferente e particular, e a supremacia das ideias, vozes e grupos que já são bem vistos e predominam, quer na vida quer nos sub-sistemas.
O jornalismo público, que também se afirma cívico, mais focado no utilitarismo do que nos princípios, arrastado pelo empirismo, vê, afinal, os seus proclamados objectivos, como os de religação à audiência ou de oportunidades de expressão, informação e deliberação, por exemplo, ser mais e melhor atingidos por novas formas de fazer jornalismo, resistindo perante a efectiva participação e envolvimento da audiência, o que nos leva a questionar se os seus verdadeiros interesses não são efectivamente corporativos, privados e particulares.
O jornalismo público responsabiliza a audiência pelo dever de se interessar pelos factos que habitualmente integram a agenda mediática em detrimento de assumir a recuperação de uma agenda social, a par da política e da económica, que privilegia, de se ligar, dedicar e preocupar com as pessoas, público e fontes, e seus anseios, problemas e sofrimentos, nomeadamente em relação a grandes sectores da população como pobres, mulheres, cuidadores, sofredores ou vítimas. Afinal, trata-se de temas públicos que merecem atenção e deliberação pública.
Jornalismo alternativo
Além do jornalismo de cidadão (com o caso exemplar do Indymedia), um dos três tipos ao serviço do jornalismo público, segundo Nip Joyce, existem novas formas de reportar a actualidade que dão resposta a, pelo menos, algumas das dúvidas levantadas por autores da Escola Crítica de Frankfurt, nomeadamente a segregação e discriminação de largas camadas da população inseridas na vida do dia-a-dia e ocultadas, invisíveis e silenciadas nos sub-sistemas, como a indústria cultural mediática.
As novas formas de exercício do jornalismo representam e reintegram, de forma mais atenta e cuidadosa, as partes marginalizadas pelos principais meios de comunicação social. No caso da imprensa alternativa, esta constitui mesmo uma esfera pública alternativa, onde se informam e debatem, não só em livrarias alternativas mas já em “infoshops” especializadas, assuntos preteridos pelos “media” convencionais, ligados a causas pontuais ou grupos de interesse.
Trata-se com novos canais de comunicação, com ênfase na actividade, movimento e troca, na qual experiências, críticas e especificidades se podem expor e desenvolver através do estímulo ao pensamento livre, autónomo e independente do Estado, numa relação vital com os movimentos sociais, que esta imprensa reporta, suporta e desenvolve, pela transmissão de ideias dissidentes e mesmo radicais.
A imprensa alternativa está, pois, associada a minorias, isto é, grupos sub-representados nos “media” tradicionais tendo em vista a sua expressão na vida real, como ambientalistas, anarquistas(2), feministas, jovens, operários, pacifistas, pobres ou socialistas. Introduz, portanto, novos actores sociais, oprimidos e/ou marginalizados e articula, pelo menos, a agenda política com a social, conforme defende Alicia Cytrynblum.
A imprensa alternativa não reduz o indivíduo a um mero objecto manipulado mas capacita-o para se realizar como ser humano total, preferindo integrar os seus escassos recursos na vida dos seus participantes. Não concebe o ser humano como um meio, mas com um fim em si mesmo, em sintonia com Immanuel Kant, para quem o ser humano era sagrado e, portanto, não podia ser usado por ninguém como mero meio.
Comprometida contra o capitalismo, a favor de uma vida humilde e da acção social e política tendo em vista uma mudança social, por um todo mais equitativo, tão ou mais importante do que a informação é, na imprensa alternativa, o modo de produção, em auto-gestão, em comunicação horizontal, do escritor ao leitor, a atitude e posição nas relações de produção.
Coerente com os seus valores, a participação aplica-se ao ponto de incluir os leitores nas suas decisões e ao tornar a audiência em produtora. A criação é mesmo um dos seus pontos fortes, próprio da alta cultura, com tensão e distinção, tal como explicado por Adorno, ao contrário da mera cultura de reprodução dos “media” mais reconhecidos, o mais vulgar.
Consequente, a imprensa alternativa defende a aplica os baixos níveis de finanças, direitos autorais, circulação ou distribuição ou mesmo de graus de abertura, liberdade e gratuitidade. Possui, normalmente (muito) pouca publicidade, embora seja receptiva a donativos e acções de beneficiência, nomeadamente ao nível de concertos, e realiza-se com base no voluntariado.
Actuando no âmbito descentralizado, de micro-empresa, não comercial, exerce uma organização colectiva e pugna pela diversidade, a sua essência e a sua força democrática, defende Chris Atton que cita o Oxford Institute of Social Disengineering: «uma centena de publicações com uma circulação de mil é cem vezes melhor do que uma publicação com uma circulação de centenas de milhar»(3).
Além de dar voz às partes colonizadas pelos sub-sistemas, esta imprensa permite igualmente aproximá-las quando, por exemplo, no caso das revistas de rua, como a “The Big Issue”, facilita a conversa entre compradores e vendedores (seis mil em Inglaterra), os mesmos indivíduos que ali são retratados. Nas conversas que se proporcionam, nomeadamente sobre o problema da falta de habitação, o bloqueio entre “nós”, os centrais e integrados, e “eles”, os periféricos do sistema, dissipa-se ou atenua-se.
Nestes casos as publicações promovem o trabalho, alguma remuneração e aumentam consideravelmente a auto-estima, ao contrário da imprensa regular que a diminui, instala complexos, desrespeito pela auto-imagem e adormece a identidade do público através da “chupeta electrónica” sedutora mas perigosamente alienante, manipuladora e escravizante. Ao contrário, a imprensa alternativa esforça-se por repor o princípio da justiça.
Criada e distribuída para os indivíduos para as quais existe, esta imprensa, ligada às necessidades comuns das pessoas e à vida de todos os dias, opta pela partilha de recursos, até como potencial educativo de ânimo à participação, em detrimento da determinação económica ou da competição directa com os mercados ou modos de produção da imprensa convencional.
Uma imprensa activa, motivada para o desenvolvimento, com participação directa e realização humana, comprometida com um estilo de vida simples, aberta ao confronto com o diferente, o divergente, o heterodoxo, assumindo a pluralidade e envolvimento defendidos pelo jornalismo público que, segundo Joyce Nip, pelo menos em relação ao segundo, já acontecia e com mais profundidade antes do jornalismo industrial e objectivo.
Jornalismo de paz
O jornalismo de paz é orientado para a paz, para as pessoas e para uma solução. Representa as partes em conflito com multiplicidade e variedade, perseguindo muitos objectivos e com diversas oportunidades de intervenção, reconhece que o problema do conflito pode parecer muito diferente quando examinado através de ângulos cruzados pelos que estão no terreno e está preparado para procurar e reportar iniciativas de paz, vindas de qualquer procedência.
Parte da imprensa alternativa, o jornalismo de paz, com uma implantação de sete décadas, é não só um contributo para melhor realizar os intuitos de justiça, inerentes à própria profissão, como para o seu próprio desenvolvimento ao possibilitar a correcção, desde logo, dos relatos, habitualmente mais conflituosos e agressivos do que são na realidade.
Mas não só. Este jornalismo permite rectificar o desequilíbrio de fontes sistematicamente usadas – o privilégio de informações procedentes de entidades oficiais, de elite (individual ou colectivamente) ou militares – e do predomínio da linguagem agressiva, conflituosa ou de vitimação.
O novo paradigma emergente dá mais atenção às fontes orientadas para o povo, a vida concreta e real. Jake Lynch cita John Paul Lederach, que afirma nunca ter experienciado nenhuma situação de conflito em que, frequentemente emergindo da sua experiência de sofrimento, não tenha encontrado uma pessoa com visão de paz.
Estas pessoas, as suas acções, pensamentos e sentimentos, não deixam de ser prezadas pelo jornalismo de paz pelo facto de não possuírem poder político ou influência económica. Aliás esta imprensa não ignora as tentativas, os esforços e as propostas no sentido da harmonização social, para a qual contribui através de uma linguagem cuidadosa e de critérios que não “inflamem” ainda mais os conflitos.
Mas o aperfeiçoamento propiciado pelo jornalismo de paz verifica-se igualmente no reequilíbrio dos fluxos de informação a nível internacional, tal como recomendado no relatório de MacBride, há cerca de 30 anos, bem como no melhor nivelamento entre o que mais tem sido omitido, o construtivo e benéfico, e o que é repetido, o destrutivo e maléfico para uma grande quantidade de pessoas e países na base da pirâmide do poder.
De igual modo o jornalismo de paz evita o erro de fazer equivaler ou substituir a parte, a citação oficial, pelo todo, o acontecimento no espaço e tempo físicos, com múltiplos ângulos, diversos intervenientes e várias motivações. Também não tenta dissipar, ocultar ou dissolver artificialmente eliminando os conflitos, que se estendem pelo mundo, do discurso mediático ou reduzindo-os à insistência dos que mais intimamente se relacionam com interesses restritos.
O apuramento da actividade informativa traduz-se ainda na estima e carinho quer pela audiência - a quem se evita os efeitos de stress, causados pelo jornalismo de guerra – quer pelas fontes civis, como as Organizações Não Governamentais (ONG), a quem se previne a discriminação e desconexão, pela subserviência do sub-sistema informativo em relação ao sistema capitalista.
Esta pesquisa e reportagem das propostas, respostas e acções não violentas constitui um desafio às relações de dominação e opressão, baseadas precisamente na violência sistémica, como lembra, entre outros autores, Theodor Adorno. Trata-se de uma abordagem mais profunda, completa e contextual, tal como também defendido por Alicia Cytrynblum.
Até aqui têm prevalecido critérios de noticiabilidade - como a negatividade, o conflito, a morte, a notoriedade, a amplitude, a frequência, o inesperado, a clareza, entre muitos outros - com consequências designadamente ao nível da preferência pela cobertura de guerras e acontecimentos extraordinários, que têm como protagonistas pessoas e países de elite, com um grande número de indivíduos ou que se adequam bem ao planeamento e agendamento de notícias.
Estes critérios - além dos valores da objectividade, neutralidade e imparcialidade, que têm conduzido ao afastamento e à indiferença, entre público e jornalistas - têm vindo a ser cada vez mais contestados pelos activistas mediáticos, fontes, jornalistas, audiência, investigadores, e a própria ONU, que pretende criar um Banco de “Media” como forma de fomentar o jornalismo de paz e uma ética mediática a nível global.
A discussão está presente na teoria, com a ética do cuidado a defender a expressão da subjectividade, até aqui (auto)censurada, incluindo tomadas de posição – diferentes da parcialidade - e na prática, através do jornalismo de paz, cujo fundador é precisamente Johan Galtung, que nos anos 60 sistematizou as escolhas de noticiário estrangeiro e nos anos 90 se orientou mais especifica e directamente para o jornalismo de paz.
Jornalismo social
No caso do jornalismo social - uma disciplina emergente, como afirma, no seu livro, a jornalista Alicia Cytrynblum - alguns critérios são usados para mostrar a relevância dos assuntos sociais, que têm impacto, proximidade, interesse humano e importância económica, social e cultural, além de representarem o poder das pessoas comuns face ao Estado e às empresas.
A agenda social faz parte de uma trilogia constituída pelas bem conhecidas agendas políticas e económicas. Ignorar o tecido social, seus líderes e acções sociais é um erro que decorre da dependência dos jornalistas face ao poder instituído (dos sub-sistemas da burocracia e do capital) e que os levou a afastarem-se do seu papel original de mediadores equidistantes entre governantes e governados, informando em ambos os sentidos e não apenas na direcção da elite governativa para a massa eleitora.
É motivação do jornalismo social a articulação entre as três agendas, o que significa fazer a necessária e sublinhada, pela análise crítica, ligação entre os sub-sistemas (políticos e económicos) e a lifeworld. É próprio do jornalismo social somar novas fontes, como as ONG, ouvir as vozes dos directamente atingidos – como adolescentes, crianças, deficientes, mulheres ou pobres – e relatar a sua perspectiva, contribuindo para o seu conhecimento e reconhecimento público com impacto ao nível da representação e do imaginário social.
Alicia Cytrynblum lembra que o jornalista é o guardião do vínculo entre o poder e os cidadãos e que deve ter presente não apenas o seu papel social mas igualmente a sua função pontifica, de religação, fundamental não só para a recuperação da crise de imprensa e um dos propósitos do jornalismo público, mas também para a própria organização sistémica, que se tem vindo a desagregar, a fragmentar e a distanciar cada vez mais.
Segundo sustenta o jornalismo social, é inerente à profissão tornar visível ao poder o que para este está invisível: «Se estes [os actores sociais] participam na notícia devem ser incluídos na cobertura. Se foram omitidos será tarefa do jornalista denunciá-lo claramente»(4). Não se trata de transformar o profissional em porta-voz das causas sociais, mas antes de ser de tal forma independente que não as abafa ou amputa da representação pública, quando estas possuem uma dimensão tão ou mais importante que as demais.
Na Argentina há mais de 460 mil empregados no terceiro sector e mais de 80 mil organizações sociais, entidades de bem público que constituem uma rede social, por todo o lado, que, entre outras coisas, gera emprego e defende os direitos das minorias representando o interesse social, repleto de pessoas que fazem coisas, às vezes heróicas, por outros, e que congrega o tecido social e a acção social da sociedade civil.
Ora a independência, para além das condições proporcionadas pela empresa na qual se exerce a profissão, é construída, é uma decisão pessoal que faz parte da responsabilidade individual de cada jornalista. Tal pode efectuar-se não apenas na soma de novas fontes mas também no uso mais atento, cuidadoso e adequado das palavras, em especial dos adjectivos, sobretudo quando relativos a pessoas já desfavorecidas ou estigmatizadas.
A dedicação dada às palavras, instrumentos de trabalho, não só eleva o nível de rigor com que se reporta a realidade como se traduz num esforço para espelhar a vida - em vez de a obscurecer, distorcer, manipular ou censurar, extirpando-a da percepção pública – e evitar a reprodução de pré-conceitos e estereótipos que reduzem o todo à parte assim redefinida, como explica Adorno.
A preocupação colocada na linguagem usada reflecte o respeito pelos indivíduos enquanto seres humanos, designadamente os noticiados, considerados na sua dimensão humana, integrando as suas possibilidades e potencialidades, em detrimento das suas condições pontuais de eventuais dificuldades ou incapacidades. Assim, não se trata de “pobres”, por exemplo, mas de “pessoas em situação de pobreza”.
Pode parecer um pormenor subtil mas altera o ângulo perspectivado: «São imensas legiões de pessoas a quem se prejudicou o acesso ao trabalho digno, à saúde, à educação e à habitação, entre outros direitos. Quer dizer, a pessoa pobre é uma vítima do sistema económico, nunca o vitimador. É a consequência, nunca a causa. Neste sentido os meios de comunicação e os jornalistas devem ser cuidados no enfoque ideológico das coberturas»(5).
Uma das características da imprensa social é precisamente a compreensão, explicação e contextualização dos fenómenos, a descrição das suas causas - frequentemente associadas a razões políticas e económicas - o seguimento das notícias e a pesquisa de soluções já empreendidas por alguma entidade nacional ou internacional, não se limitando à denúncia dos problemas sociais, ao relato isolado, fragmentado e objectivado, como acontece através da mera apresentação de números, taxas e estatísticas.
O jornalismo social prefere, pois, a profundidade, a abrangência, ao impacto imediato, estéril e paralisante. A informação sobre as alternativas disponíveis ou concretizadas para resolver o problema altera a percepção (da falta) de empenho das entidades responsáveis e mobiliza a audiência para a co-responsabilidade social, a acção concreta, a beneficiência, como defende a ética do cuidado.
Além do mais os problemas sociais não são um espectáculo. No jornalismo social vigora o princípio da prudência – um valor inerente à responsabilidade social e à máxima do amor de si que, segundo Kant, deve ser, de acordo com a lei moral, estendida ao outro – poupando não só o sofrimento gerado ao nível da audiência (como vimos ao nível do jornalismo de paz) mas também a quem é objecto de atenção mediática, nomeadamente em secções policiais.
Naqueles casos, Alicia Cytrynblum defende que o tratamento da informação deve ser baseado nos direitos humanos, evitando o seu uso estratégico para fins de controlo das massas - através do medo, do terror, da desestabilização, da insegurança, para assim melhor obter o consentimento para políticas mais agressivas, vigilantes e violentas - ou para gerar audiência, através do instinto da morbidez. Uma forma de actuação mais independente, activa e consciente que se nega a ser usada como meio para a construção de um sujeito vulnerável, amedrontado, controlado e subordinado.
Tal como o jornalismo de paz, o jornalismo social empreende um esforço no sentido do desenvolvimento do jornalismo, até aqui demasiado envolvido com os campos políticos e económicos, e da sua correcção - da distorção, do enviesamento, do deslocamento (que acompanhou o das próprias identidades) ou da exclusão de partes essenciais.
No caso da discriminação das ONG - quando estas são fontes percebidas pelo público pelo seu grau de independência, inovação e, fundamentalmente, confiança - em detrimento de outras, consultadas quase em exclusivo e nas quais a audiência não acredita, não só afasta os leitores, que não se revêem nos temas e ângulos tratados, como agrava a crise de imprensa. Além de poderem contribuir para a recuperação da credibilidade e pluralidade jornalística, as ONG são fontes de novos actores, líderes, ideias, temas, métodos e acções sociais, produzindo também informações relevantes.
Ao cumprir o seu papel social, ao comprometer-se com os processos sociais, o jornalismo social não só fortalece a democracia como colabora activamente na participação – uma reivindicação do jornalismo público e uma necessidade identificada pelas investigações teóricas de (re)tomar parte na representação pública, dada a sua importância e influência, nomeadamente em termos sociais.
O jornalismo social não negligencia a questão comercial, mas a verdade é que consegue aumentar as audiências sem prescindir dos princípios de cidadania e de serviço aos cidadãos – pelo que lhes fornece os dados necessários para poderem contactar directamente as fontes - capacitando-os, ao contrário do jornalismo público que, ao insistir nas obrigações da audiência e descuidando dos seus interesses, cada vez mais a perde.
O jornalismo social assume uma ideologia - como a democracia ou o desenvolvimento sustentável - promove a acção comunitária e tem a preocupação de compreender e de respeitar(6) a dignidade das pessoas envolvidas, difundindo os seus direitos e confirmando as informações transmitidas, atendendo e cuidando em relação às perguntas, aos enquadramentos ou ao uso de linguagem inclusiva e não violenta.
O jornalismo social (re)conhece a importância da agenda social sem, contudo, exacerbar a solidariedade nas notícias. Não se limita à mera informação, argumentativa e agressiva, à discussão de mente a mente, própria do hemisfério esquerdo, antes contribui para promover a comunicação, bidireccional, a comunhão - a constituição de comunidades fluentes, coesas, integradas e identificadas - e a inclusão da linguagem do amor, de coração a coração, própria do hemisfério direito.
A linguagem e acção amorosas, mesmo ao nível público e profissional, como defende a ética do cuidado, não deixam de corresponder às exigências de verdadeira liberdade, moralidade, autonomia e independência de uma razão esclarecida e não distorcida pelas inclinações, interesses ou necessidades empíricas. Equivale à acção virtuosa, o cumprimento da lei por amor dela - sendo que a lei das leis é precisamente o amor ao próximo - sem qualquer interesse pessoal, o que constitui, para Kant, o soberano bem.
Além de ajudar a implementar esta comunicação veramente racional – o que inclui a expressão da subjectividade, unificadora de todas as multiplicidades e, assim, verdadeiramente discernida, pura, genuína, livre e independente – a sua conduta concretiza diversas aspirações de outras tipologias de jornalismo, nomeadamente o jornalismo público, alternativo e de paz, que vimos, mas também realiza a própria natureza da profissão, presente desde logo na sua designação enquanto “meios de comunicação social”.
A dimensão social, presente na vida de todos os dias mas até aqui ocultada, silenciada e amputada da indústria cultural, é, agora, resgatada pelo jornalismo social que, assumindo a sua missão social e estando atento à nova ordem social e às reivindicações de expressão, representação e participação públicas das largas camadas de população colonizadas, não deixa de abordar questões como a política social, os valores sociais, a economia social ou o capital social.
(1) SPARKS, Colin – The Contribution of Online Newspapers to the Public Sphere: A United Kingdom Case Study in Trends in Communication 11(2), pág.111-126. citado por NIP, Joyce – Exploring the second phase of public journalism in Journalism Studies, vol.7, nº2, 2006, pág. 231. (2) No Reino Unido, os anarquistas são responsáveis por 25 publicações alternativas e 12 editores. (3) ATTON, Cris – A reassessment of the alternative press in “Media, Culture & Society”, Sage Publications, London, 1999, vol.21, pág.64. (4) CYTRYNBLUM, Alicia – Periodismo social – Una nueva disciplina. La Crujía Ediciones. 2004, pág. 69. (5) Idem, pág.115. (6) Segundo Kant, este apenas se dirige a pessoas, sobretudo quando cumprem a lei moral, ao contrário da admiração e do amor.
Bibliografia: ATTON, Cris – A reassessment of the alternative press in “Media, Culture & Society”, Sage Publications, London, 1999, vol.21, pág.51-76. CYTRYNBLUM, Alicia – Periodismo social – Una nueva disciplina. La Crujía Ediciones. 2004. LYNCH, Jake – Peace journalism in ALLAN, Stuart (editor) - The Routledge Companion to News and Journalism. London and New York, 2010, p.541, p.543-553. NIP, Joyce – Exploring the second phase of public journalism in Journalism Studies, vol.7, nº2, 2006, pág.212-236.
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