Sida no "Público"
Na véspera do Dia Mundial de Luta Contra a Sida olhamos para a sua cobertura no jornal "Público" no início da década de noventa.
Texto e fotografia Dina Cristo
A problemática HIV/Sida em Portugal – no jornal “Público”, durante o terceiro quadrimestre de 1992 – foi assunto noticiável essencialmente em três casos: quando envolveu figuras públicas, houve descobertas científicas relativamente ao vírus e dados estatísticos sobre o aumento do número de casos. A política governamental e o interesse humano são, no entanto, vertentes que adquirem, em conteúdo secundário, maior noticiabilidade.
O factor proximidade, geográfica e sócio-economicamente, reflecte-se no número de notícias publicadas. Assim, o continente europeu é responsável por quase metade da matéria publicada, seguido pela América do Norte (com 37,1%).
Os EUA são o pais de origem das notícias e principal Estado nelas focado com maior representatividade (cerca de 36%), logo seguido de Portugal. Os países africanos e a China, mais fortemente atingidos pela doença, não alcançam todos juntos os dois dígitos.
O peso das notícias internacionais é superior ao ocupado pelas novidades portuguesas. O número de notícias publicadas na secção nacional é metade das suas congéneres impressas no internacional. Além deste facto, verifica-se um número elevado de matérias de índole internacional em secções como a sociedade, a ciência e a cultura – as dominantes no período estudado.
A agência internacional tem cerca de 10 vezes mais presença como fonte jornalística do que a nacional, Lusa.
As informações internacionais, disputadas entre referências à Sida – ocasionais, num discurso sobre outra notícia, dados sobre a evolução da epidemia, novas descobertas e figuras públicas são, na sua esmagadora maioria, de carácter extra-nacional, desde a patologia de Magic Jonhson à paternidade do vírus.
Como a percentagem da variável “foco” comprova, há 71,1% de informação internacional sem envolvimento do poder político português. Nas restantes nacionais a maior fatia pertence ao item nacional sem envolvimento (17,9%).
A importância atribuída pela cobertura jornalística ao vírus é modesta. No próprio Dia Mundial da Sida, é publicada uma única breve, na secção de cultura, de um parágrafo (sobre uma campanha de fundos promovida pela Associação de Apoio aos Doentes de Sida).
Mais de 90% dos trabalhos analisados integravam a página interior, quase 30% pertenciam ao género “breve”, mais de 40% detinham esse tamanho e mais de 30% possuíam menos de 10 parágrafos. Em termos icónicos, 60,2% não possuíam imagem e das cerca de 40% com fotografia, nem sempre coincidia com o tema.
Durante os meses de Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 1992, no “Público”, constatou-se uma apetência da classe jornalística pela problemática sempre que ocorreu um acontecimento específico. Esta reacção verificou-se, sobretudo, na elevada percentagem de acontecimentos específicos (92,3%), passíveis de limitação, no tempo e no espaço, não disruptivos, previamente marcados e esperados (94,8%) bem como os eventos de rotina, agendadados (também 74 notícias).
Os principais actores foram liderados pela categoria “seropositivos/doente” e pela dimensão “médico-científico”, ambos com cerca de 20% do total. Ao nível secundário destacam-se o Governo, seguido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e Agência Governamental, com duas notícias cada.
No período estudado são mais de 80% as notícias reunidas em “Outros”, sobressaindo, no entanto, a homossexualidade com 7,6%. Idêntica questão se levanta ao nível da variável “promotor”, onde só as Organizações Não Governamentais e os “media” ultrapassam os dois dígitos, com 11,5%.
Acontecimentos prioritários
Acontecimentos prioritários
A cobertura é “event-oriented”. Os artigos jornalísticos, ali publicados durante os quatro meses, são suscitados por novas informações, sejam elas a nível científico, numérico – situando os leitores quanto ao avanço da epidemia – ou envolva figuras públicas, como Magic Johnson, Anthony Perkins ou Rudolfo Nureyev.
A Sida não se apresenta como uma “issue-oriented”. Não existem reportagens sobre os “comos” e “porquês” do vírus e da doença. As duas excepções – os números da OMS e o estado de Nureyev – são insignificantes.
A percentagem de notícias específicas, não disruptivas e de rotina é superior a 90%. No período em análise, os jornalistas do “Público” noticiam a sida na sua vertente informativa, no sentido de dar a conhecer a última novidade. Enquanto assunto, como problemática, envolvendo a sociedade civil, médica, religiosa, económica e outras, é destituída de interesse.
Assim, parece mais relevante para a comunidade jornalística responsável pelas 78 notícias produzidas, informar o público português acerca do aumento do número de casos num país estrangeiro do que analisar as mais diversas vertentes da doença em Portugal.
* Escrito em 1993.
Etiquetas: Dina Cristo, Jornalismo, Sida no Público