quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Hrani-Yoga


Num mês em que se comemorou o Dia Mundial da Alimentação ouvimos os conselhos de Omraam Aivanhov sobre um tipo de yoga pouco conhecido e que pode ser praticado à mesa, uma ocasião acessível a todos e favorável ao aperfeiçoamento humano.

Texto Dina Cristo

«(…) cada homem é acompanhado por todas as almas dos animais cuja carne comeu»,[1] uma presença que se manifesta em estados como a crueldade, a sensualidade, a brutalidade, a destruição ou o medo. Pelo contrário, toda a erva que tem semente, como refere o Génesis, é indicada para alimentação humana; os frutos e legumes têm a vantagem de absorver a luz solar directamente e quase sem resíduos. Omraam indica como excepção à regra de não comer animais, o peixe, dado o seu sistema nervoso, rudimentar, e a presença do iodo, benéfica.
Este é um exemplo do tipo de dieta indicada para o Ser Humano. Mas mais importante do que o que comer, afirma Omraam, é a quantidade do que se ingere. Esta deve ser a conveniente e razoável. Tudo o que for para além do necessário, da moderação ou do limite e entrar no desregramento ou excesso sobrecarrega o organismo, bloqueia a digestão, provoca sensação de peso, sonolência, conduz à insaciedade e à doença. Pelo contrário, se parar antes de ficar cheio e sair da mesa com um ligeiro apetite a pessoa sentir-se-á mais leve, viva, bem-disposta e capaz de trabalhar.
O mais importante é mesmo o modo como se deve comer. Omraam refere que se pode diminuir a dose de comida, para metade ou até mesmo para um quarto se se aprender a comer correctamente. O jejum, por exemplo, é fundamental para limpar o organismo, dos resíduos que nele se acumulam e o obstruem, e assim purificá-lo. Para retirar dos alimentos os seus elementos vitais e depois os assimilar é necessário que eles se abram e, neste caso, o “mordente” é a ligação prévia, através de todos os sentidos, e a preparação, pela bênção e oração.

Relaxamento alimentar

Comer lentamente e mastigar bem, para que a língua assimile os elementos mais puros, e respirar profundamente, para melhorar a combustão dos alimentos, são outros dos cuidados a ter durante e no final das refeições. Nutrir-se em paz e em silêncio, preenchido com pensamentos conscientes e concentrados, nomeadamente nas suas qualidades, e sentimentos amor e gratidão, é essencial para se conseguir captar as energias mais etéricas que irão alimentar integralmente o Ser Humano.
Para Omraam, todo o alimento é sagrado. Luz solar condensada, a sua energia só é libertada e assimilada consoante a atitude da pessoa for mais ou menos consciente e amorosa: «O segredo para que os alimentos se abram consiste em aquecê-los, e o calor é o amor»[2]. Um pensamento concentrado dar-lhe-á lucidez e clareza mental e um coração agradecido facultar-lhe-á boa disposição. A refeição é uma espécie de alquimia que permite transformar a energia contida em cada alimento em luz e amor. Mas se se recebe força, vida e saúde, também se possibilita a transformação, subtilização e evolução da matéria – é uma troca.
Além da comunhão, a refeição é também, para Omraam Mikhael Aivanhov, um tipo de yoga, fácil e com resultados eficazes, o Hrani-Yoga, já que saber comer exige atenção, concentração e (auto)domínio. O autor explica como cada refeição é uma oportunidade para relaxar, abrir o coração, desenvolver a inteligência, aplicar a vontade e religar-se aos quatro elementos, como o sol, do qual, defende, nos deveríamos alimentar. Também cada Ser Humano deveria alimentar-se e alimentar, em simultâneo, o sol de todos os outros humanos, o seu melhor, a alma, depois de limpa e retirada a casca, a personalidade.
Recolher-se enquanto come e fazê-lo num estado de harmonia, determinará a actividade seguinte. Respeitar os alimentos e magnetizá-los, para que vibrem amigavelmente, sejam bem absorvidos e deles se retirem as partículas mais preciosas, que irão alimentar o sistema nervoso e todos os órgãos, é fundamental. Uma refeição mesurada para não fatigar o corpo físico e estimular quer o corpo etérico quer o plexo solar, o “cordão umbilical” que liga a Humanidade à sua Mãe, Natureza, é um dos conselhos dados por Omraam Aivanhov neste livro, redigido a partir de conferências proferidas pelo autor.



[1] AIVANHOV, Omraam- O yoga da alimentação. Éditions Prosveta e Publicações Maitreya. Coleção Izvor, 2013, pág.58. [2] Idem, pág. 104.

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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Rádiotelefonia de sessenta V



Nesta quinta parte, publicamos alguns excertos dos "Editoriais e notas do dia" de João Patrício aos microfones da Emissora Nacional, numa altura de crescentes contestações, nas colónias, academias ou oposição.




Texto e fotografia Dina Cristo



Após a tomada de posse de Marcello Caetano, João Patrício abordou o seu discurso-programa, no Ministério das Corporações, na Assembleia Nacional, em S. Bento, bem como os ecos da sua alocução sobre Salazar na imprensa estrangeira; a tomada de posse do novo chefe do distrito de Beja, de Braga, do Secretário de Estado da Informação, do Governador Civil de Lisboa; o discurso de Franco Nogueira na NATO, no Palácio das Necessidades, a deslocação de Américo Tomás ao Porto, o seu aniversário natalício, para além das homenagens e da questão ultramarina.



No dia cinco de Novembro, um comentário, com o título “Discussão vã”, contestava a hipótese de abandono das colónias: “Se não tivesse surgido a guerra no Ultramar viveríamos melhor? De acordo. Mas existindo essa insofismável realidade – “factor dominante de todos os problemas” -, realidade imposta pela maldade e pela cobiça alheias, pior viveríamos se lhe voltássemos as costas. Perderíamos a honra, que é património moral inalienável de nossos avós, de nossos filhos e de nossos netos; perderíamos a fazenda que nos fugiria da mão, e abandonaríamos as populações de além-mar, que são tão portuguesas como as da Metrópole”1.



A propósito da carta enviada por Paulo VI à IV Assembleia Nacional da União da Imprensa Católica Italiana, sobre a verdade, a isenção e também os limites de liberdade de imprensa, João Patrício comentou aos microfones da EN: “Seja em que plano for, quem servir a verdade – que um alto espírito disse um dia ter esta apenas vergonha de se ver oculta – nunca terá de arrepender-se moralmente. Moralmente, no foro íntimo, porque o serviço de verdade como qualquer outro, não é de graça: paga-se, e quantas vezes a um preço de usura. Mas que bendito, que inapreciável preço, esse, o de servir a verdade! Também a mentira, ao invés, apresenta a sua conta a quem optar por colaborar com ela. Simplesmente, o preço aqui é duplamente onerado com os juros do mal que provoca, por um lado, e, cedo ou tarde, com o desmascarar do seu embuste e com o rebate de consciência pelos prejuízos causados, por outro lado”2.



Contestação



Sobre a comunicação de Marcello Caetano na Assembleia Nacional, João Patrício referiu: “(…) Em linhas gerais, a comunicação do Presidente do Conselho ressalva e reforça as realidades em que se enquadra a política portuguesa: realidade da defesa intransigente do nosso ultramar; realidade da defesa vigilante da Nação perante o perigo comum do Comunismo, perigo situado dentro e fora das fronteiras do espaço plurigeográfico nacional; realidade da manutenção da estabilidade financeira e da estabilidade da ordem pública e da paz social, que nos governam há quarenta anos (…)”3.



No final do ano, João Patrício assinou um editorial sob o nome “ser estudante”, tendo como assunto subjacente a contestação universitária: “Hoje, paralelamente ou para lá da sua formação intelectual, o estudante, contestando por tudo e por nada, por palavras e actos de violência, a autoridade e a disciplina académicas, tornou-se no Mundo uma força social e política de choque que adultera por completo a sua real finalidade, que é a de estudar, a de se preparar cultural e moralmente para a vida, para se tornar, de hoje para amanhã, o amparo, o guia e o exemplo de filhos e de netos e um útil elemento da sociedade e do seu país (…)”4.



Sobre a preparação do congresso dos líderes nacionalistas africanos, disse: «Esse ignominioso congresso, intencionalmente iniciado no Dia de Goa, efectuar-se-á em Pangim e dele fazem parte delegados dos terroristas que combatem contra as províncias ultramarinas de Angola, de Moçambique e da Guiné, e um destacado representante, na União Indiana, do Congresso Nacional Africano. Tratar-se-á, segundo comunicados dos organizadores, de convenção preparatória de uma conferência internacional a favor dos “povos combatentes do Sul da África”, a realizar em Cartum, no próximo mês de Janeiro. No anunciado congresso, a linguagem empregada será a do ódio, e as canetas, com que se escreverão as sinistras resoluções, a espingarda e a metralhadora. Lá estará presente também, na sala das sessões, a sombra condenatória de Portugal secular de todas as latitudes e de todas as raças, a apontar à consciência mundial a sua repulsa pelos cavilosos propósitos de tão insólito e desprezível congresso. Neste Dia de Goa, os Portugueses, do Minho a Timor, estarão em Pangim para gritar, nesse nefasto congresso, que a terra de Goa é e será sempre portuguesa”5.



Continuidade



Três dias antes do Natal de 1968, João Patrício, a propósito do novo presidente da Comissão Executiva da União Nacional, enunciou: “(…) Sim, todos não somos, de facto, demais; mas, precisamente, porque queremos a Revolução legada por Salazar viva e actuante e não caída no imobilismo e na inércia, é que a renovação em curso se tornou não somente uma necessidade como um imperativo de consciência nacional e uma homenagem ao seu Fundador. Continuidade na renovação, continuidade na evolução, eis, pois, os dois parâmetros em que se move o pensamento político do novo presidente da Comissão Executiva da União Nacional (…)"6.



No dia 12 de Fevereiro de 1969, João Patrício assinou uma “nota do dia”, titulando-a “os limites do risco”, a qual terminava afirmando: “E reportando-se ao caso português, acrescentaria que não podemos arriscarmo-nos a um abalo social que nos atire para a guerra civil e destrua toda a obra que se construiu na ordem e na paz, sob a falaz promessa de lhe suceder uma utópica sociedade”7.



No último ano da década, a crise académica, em Coimbra, e o II Congresso Republicano de Aveiro marcaram as actividades oposicionistas, logo seguidas pela chegada do Ser Humano à lua. A EN relatou em directo a alunagem, na Apolo 11. Eurico Fonseca comentava: “O homem pousou na Lua. O módulo lunar pousou na Lua. Pela primeira vez na história, dois homens chegaram à Lua: Armstrong e Aldwin. Ainda não saíram, mas, tripulando uma nave espacial, o homem conseguiu chegar à Lua. Momento alto este da história da humanidade. A humanidade agora não se contém já no seu mundo”8.



Seguiram-se as ‘eleições’ legislativas. Marcello Caetano ponderou. “É preciso que cá dentro e lá fora fique bem claro se o povo é pelo abandono do Ultramar ou se está com o governo na sua política de desenvolvimento e crescente autonomia das províncias ultramarinas, se o povo português prefere um clima de ordem pública e de paz social, em que as reformas necessárias ao fomento do país, à promoção social e ao bem-estar dos portugueses, vão sendo feitas com resolução e com firmeza, mas com segurança também, ou a turbulência revolucionária de que não se pode esperar mais do que violência, despotismo, confusão e, afinal, miséria e fome”9.

(1) -Editoriais e notas do dia – das realidades aos mitos”, pág. 26. (2) - Idem, pág.68. (3) -Idem, pág. 83. (4) - Idem, pág. 97. (5) - Idem, pág. 105/106. (6) - Idem, pág. 110. (7) -Idem, pág. 24. (8) - A.H. RDP. EN 21/06/1969. AHD 2394. Faixa 57. (9) - A.H. RDP. EN 1969. AHD 2394. Faixa 55.


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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

III Prémio IS


Texto Dina Cristo fotografia e pintura Cristina Lourenço

Estão nomeados os sete candidatos ao III Prémio Informação Solidária 2011, promovidos pelo “Aqui & Agora”. São eles, ao nível da imprensa, “Ar livre”, “Biosofia”, “Cais”, “Le Monde Diplomatique” e “Nova Águia”; ao nível da rádio “Alma lusa” (Antena 1) e da televisão “Sociedade civil” (RTP2). O prémio, a pintura (na foto) de autoria da artista Cristina Lourenço, que a doou, será entregue no início do próximo ano ao vencedor – o nomeado que obtiver maior número de votos. Até ao final deste ano pode participar na decisão, através da sondagem (ao lado).

A Informação Solidária, baseada nas correntes de Economia Social e de Ecologia Profunda, desenvolvidas no último quartel do séc.XX, vai além do Jornalismo Social. Não só se preocupa com este sector, como respeita a interdependência entre todos os seres, numa visão holística, global e justa. Sem deixar de ter em conta outras áreas e de se ocupar pelos problemas e, sobretudo, pelas soluções para a Humanidade, enceta uma perspectiva cada vez mais cosmológica e menos heliocêntrica. Profunda, ética, de responsabilidade e (des)envolvimento social é essencialmente uma informação abissal e virtuosa.

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quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Repartir




Próximo do Dia Mundial para a Erradicação da Pobreza, ponderamos, neste texto escrito há mais de dois anos, a necessidade de redefinir prioridades e encetar a partilha de recursos.

Texto Isabel Mota
A partir de agora não vai dar mais para continuar com base no argumento de que somos pobres a fechar os olhos à realidade e a não ajudar os outros. Uma parte significativa das pessoas dos países desenvolvidos vão ter dois caminhos: ou voluntariamente vão partilhar o que têm com os outros, de preferência o seu próprio tempo, elas próprias, ou involuntariamente serão roubadas ou irão à falência. Muitas pessoas só acordarão para a importância da solidariedade quando dela necessitarem: os novos pobres de gravata, por exemplo, que agora têm de recorrer à sopa dos pobres.

Convencemo-nos, durante muito tempo, de que o que tínhamos era pouco (haveria sempre alguém que tinha mais), de que éramos pobres. Essa insuficiência vem de dentro, de uma falta de amor próprio, de falta de (se) amar (falo de amor, não de posse ou desejo). Esse sentimento jamais será eliminado através de uma recompensa externa – muito dinheiro, muito prestígio ou poder. E dada a carência será sempre aquém tudo o que se tiver acumulado. Não haverá euros, milhões de euros que nos livrem do sentimento de insegurança; pelo contrário: crescerá, até pelo sentimento de o perder, o medo de o perder.

 
Por isso as pessoas foram acumulando créditos para adquirirem carros, vivendas, férias, tecnologia... Não se limitaram ao tradicional, “quem não tem dinheiro não tem vícios”. Quiseram ter mais, muito mais do que podiam para se compensar (do desamor) e para obterem o reconhecimento dos outros. Criámos uma sociedade em que só é relevante quem tem um montante de dinheiro significativo, não interessando muito como foi adquirido, à custa da exploração de quem, ou mesmo de roubo, nomeadamente do erário público. Deixámos de acreditar na dignidade de todos os seres, deixámos de respeitar o pobre, ainda que seja uma pessoa sábia, honesta e trabalhadora. Pobre talvez porque com valores, porque nunca quis nada que não fosse seu. Como salientava S. Paulo, devíamo-nos contentar com aquilo que temos e não cobiçar o que os outros têm.

O Estado terá de regular os negócios. Tudo tem de ter um limite razoável, até os lucros, a partir dos quais terão necessariamente de ser distribuídos pela população mais carenciada. Estabelecer um tecto onde a partir do qual tal reverta para o apoio a pessoas, famílias e instituições úteis em dificuldades. Um jogador que ganhe mais do que x, uma empresa que facture lucros superiores a y terá de reverter para o Estado. Este terá de ter como prioridade as pessoas e não as finanças. A economia ao serviço das pessoas e não as pessoas (como máquinas) ao serviço da economia.

Será intolerável a crueldade dos lucros astronómicos de empresas com exércitos de desempregados e pessoas em desespero para tentar sobreviver. Sempre houve ricos e pobres. Estamos no século XXI e agora não podemos deixar mais que pessoas morram em sequência de falta do básico: alimentação. Não podemos permitir que “grandes” empresários continuem a facturar, sem respeito, de facto pelas repercussões ambientais, danificando os recursos humanos à custa da exploração ambiental e da escravização humana, da desgraça dos outros. Esses empresários criminosos ou se suicidarão ou serão presos. A alternativa é voluntariamente partilharem os seus recursos com os mais necessitados. Temos tido, mesmo em Portugal, já alguns exemplos de solidariedade. Todos sentindo mais dificuldades vão valorizar as mãos que os ajudem.

Em tempo de recessão, vamos ter de redefinir o que é básico, essencial, e o que é um luxo, dispensável. Todos os agentes. O Estado também. Este pode não ter dinheiro para os luxos, mas para o essencial terá de ter: a educação (informação), a saúde pública, a alimentação. Terá de regular. Há muito distribuidor a enriquecer à custa do produtor e do consumidor. Tudo terá que ser reequacionado em termos de escala. Continuará a haver o muito grande, a grande escala, mas terá de haver espaço para a pequena escala: a pequena empresa, o pequeno produtor, o pequeno comércio.

O próprio Estado chegará à conclusão que tem recursos mais do que suficientes, tem é as prioridades trocadas. Tem de se investir no desenvolvimento humano e não no crescimento económico. Além de que toda a crise económica não passa de um reflexo de uma crise ideológica. O que as pessoas querem e precisam é serem tratadas como tal e não como cifrões ou parafusos. Para ajudar às vezes basta simplesmente olhar e dar uns segundos de atenção: cumplicidade muito mais do que financiamento. Parar de correr atrás de mais dinheiro e admirar uma paisagem natural ou a uma face humana. Tudo o que temos a fazer é partilhar os recursos que já temos. Só assim seremos mais ricos e mais felizes. De outra forma, por mais e mais rápido que acumulemos, será apenas uma via para o insucesso, frustração e decadência.

Somos ricos quando temos o suficiente para viver com alguma dignidade – alimentação, habitação e amor. Tudo o que nos conduz à opulência, vaidade e arrogância é uma riqueza mais do que dispensável e que, por isso, a crise se encarregará de levar com o vento da mudança.

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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Centenário regional



Dia 10 de Outubro o jornal "O Concelho D´Estarreja" faz 110 anos. No seu aniversário publicamos um artigo, escrito em Maio de 2009, sobre a censura nos seus primeiros anos.

Texto e fotografia Myriam Mesquita Lopes

O que sabemos nós de censura? Quando nos referimos a ela hoje, é como se tratasse de algo distante e como se não nos atingisse. Determinar essa força é como procurar a verdade.

A forma como descomprometidamente dizemos, que "já vivemos na censura", torna-a distante e desactualizada. Aquilo que acontece diverge bastante desta ideia acomodada de quem não a vê, pois agora tem contornos e estratégias diferentes. Desde a Inquisição do século XVII, ao exame prévio do século XX temos o mesmo, para o mesmo, isto é, repressão à livre expressão. Agora curioso será pensar-se que tudo o que julgávamos extinto permanece connosco mas com uma cara diferente e com a força a que nos, já, habituámos. A censura acompanha a imprensa há séculos, mas retemo-la no nosso pensamento de forma confortável e limitada. Remontamo-la para um passado recente de revolução liderada pela “Ala Liberal” que alegou ter conseguido a extinção da censura, e na qual ainda temos esperança que seja uma realidade.

A sua dimensão é perturbadora, estando sempre associada ao poder e, portanto, a sua influência é indiscutível. A censura é perene, sofre apenas avanços e recuos. Ao mesmo tempo, a censura foi muito importante porque provocou o desacordo, a crise, e isso foi só mais uma arma para a combater. É facto que a Oposição se foi aproveitando das suas fragilidades, como o poder absoluto e a política silenciadora.

Uma investigação elaborada recentemente a um jornal de Município, “O Concelho D´Estarreja” permitiu perceber como funcionou a acção da censura numa fase anterior ao Estado Novo, no período entre 1901-1931, que foi lançando as sementes do novo conceito de restrição à liberdade de expressão e à opinião pública. Os jornalistas que compunham os artigos deste jornal tentaram permanentemente contorná-la e a sua acção foi mais forte sempre que relacionada a acontecimentos histórico – sociais marcantes do país e do mundo. Assim estes tornaram-se cada vez mais hábeis pois deixar de escrever: não queriam e não podiam. Se escrevessem livremente eram de imediato censurados. Assim, entenderam que lhe teriam de fugir, auto-censurando-se. Perceba-se, no entanto, que esta auto-censura não actuava de forma completamente negativa, pois mesmo pouco explícitos, continuavam a informar, mas com outras palavras, alicerçados de sabedoria e artimanha. O seu público era uma elite e logo “agarraram” a descodificação dos artigos. Os editoriais eram o espaço reservado às maiores críticas e como consequência fortemente censurados.

O jornal “O Concelho D´Estarreja” tem hoje 108 anos e é um resistente. Sobrevive aos primeiros 30 anos com um carácter extremamente conservador, com um cariz político muito vincado. Um exemplar do Jornalismo Romântico e de Emigração com uma ideologia Republicana explícita. O Partido Progressista e o seu líder Dr. Egas Moniz deram a oportunidade de nascer um novo jornal, mesmo que como uma “arma política”. As suas páginas eram talhadas à mão, letra a letra. Os artigos abarcavam uma carga opinativa e critica implacáveis, promovendo aquela que foi a queda do Regime Monárquico e na maior divulgação da ideologia defensora dos princípios liberais, onde as palavras de revolta eram a ordem e progresso.

Durante o período de 1901 a 1916, correspondente ao antes e depois da Instauração da República, a censura esteve pouco explícita e, “(…) dizia-se que a censura era para não permitir que se atropelassem os direitos dos republicanos” , como sublinhou Manuel Ismaelino, neto de Agostinho Ferreira de Matos.

A verdadeira crise do jornal, dá-se quando Portugal começa a sentir as consequências da 1ª Grande Guerra de 1916 a 1922.

Assim, para além do luto, os “jornalistas” encontraram um meio de dar dimensão ao desacordo em relação às decisões tomadas pelo regime. Mais fortes e com tom de revolta, as palavras ganharam uma expressiva intensidade, tornando-se um alvo fácil à censura. Como consequência, o jornal foi suspenso a 19 de Dezembro de 1916 e a publicação de dois números consecutivos, nas duas semanas que lhe sucederam, foi expressamente proibida. No início do ano seguinte “O Concelho D´Estarreja” sofre novamente a mão severa da censura, e “quando um artigo era cortado era substituído ou então seguia assim mesmo, com espaços em branco”, acrescentou Manuel Ismaelino, como aconteceu a dois editoriais do jornal, onde escrevera o seu avô.

O período que se seguiu, de 1923 a 1931, promoveu uma espécie de rescaldo, “Mas quando por alguma razão sentia que um artigo iria ser cortado (…)”, como refere Manuel Ismaelino  com nostalgia dos tempos de fundação do jornal: “Eu levava-o pessoalmente (…) e quando lhe punham o carimbo respirava de alívio”. E continua, “o meu avô, Agostinho Ferreira de Matos, editor e administrador (1926) escreve as suas últimas disposições a 3 de Abril de 1943: Facilidades a todos os assuntos que representem progresso local, - material ou individual visando os fins e condenando os meios, quando ferindo susceptibilidades e direitos adquiridos nos meandros da Justiça e da Igualdade – a Cézar o que é de Cézar e ao homem o que é do homem”.

A censura abranda durante alguns anos com o final da Guerra, mas toma lugar num ou noutro artigo, onde se sente reserva e ao mesmo tempo revolta, nas entrelinhas dos principais editoriais do jornal, como foi o “Duas Palavras” de Agostinho F. Matos, onde se podia ler: “Um rosário de circunstâncias, poderosas e inevitáveis, levam-nos, embora provisoriamente, a recolher às linhas de reserva”..

Apesar de todo o calvário que o jornal sofreu durante todos estes anos de instabilidade de 1901 a 1931, sobreviveu e muito graças à forma como se percebe a compreensão da existência permanente da censura e do compromisso que o jornal transmite, em desafiá-la, naquela data e no futuro.

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