A Inquisição foi instituída em Portugal faz, Segunda-Feira, 475 anos. Oportunidade para revermos um pouco da sua história a ver se aprendemos a lição.
Texto Sara Coimbra
O flagelo da Inquisição proliferou-se por mais de dois séculos e, os arquivos deste terrível tribunal ainda existem quase intactos (perto de quarenta mil processos restam (ainda) para darem testemunho de cenas medonhas, de inúmeras atrocidades, de longas agonias).
Durante os primeiros doze séculos da Igreja foi aos bispos que (exclusivamente) pertenceu vigiar pela “pureza” das doutrinas religiosas dos fiéis (ninguém podia interceder nesta parte do ofício pastoral).
Um tribunal especial incumbido em descobrir e condenar as here-sias, nos séculos primitivos, seria “uma instituição intolerável e moralmente impossível”(1). Todavia, surgiu durante o século XIII, no seio do catolicismo, um tribunal, mais conhecido por Santo Ofício ou Inquisição, que espalhou o terror e cobriu de luto quase todos os países da Europa Meridional (atravessando os mares, oprimindo regiões do Oriente e da América). Criada de repente, esta organização nasceu fraca e desenvolveu-se gradual e lentamente.
Já mesmo antes do século XIII, as comissões denominadas sínodos, constituíam nos distintos distritos de cada diocese, uma espécie de tribunais dependentes do bispo, com a finalidade de proceder contra os hereges.
Após a queda do Império Romano e até aos finais do século XI, as heresias foram raras e nesses casos, a Igreja “cingiu-se” aos castigos espirituais (muitas vezes os castigos eram pagos por delitos civis.) Contudo, em 1179, no Terceiro Concílio Geral de Latrão determinaram-se severas providências contra as heresias, que pela violência dos seus sectários, tornaram-se mais perigosas.
Após cinco anos desse mesmo Concílio, Lúcio III promulga uma constituição que, segundo vários autores, é a origem e gérmen da Inquisição. Nessa constituição já apareciam designações de suspeitos, penitentes e convencidos, referindo os diferentes graus de culpabilidade religiosa, com as várias sanções penais.
As perseguições
Porém, foi verdadeiramente no século XIII que começou a aparecer a Inquisição (como entidade) e até certo ponto independente (como instituição alheia à diocese). A função dos “inquisidores da fé” era o de descobrir os albigenses, “nome com que se designavam, sem suficiente distinção, todas as seitas que naquelas províncias se afastavam mais ou menos da doutrina católica” (2), e nesse campo, o trabalho não era grande, em combatê-los pela palavra e inflamar o povo contra eles. De certo modo, a acção dos inquisidores vinha a ser moral e indirectos os resultados materiais dela.
O ano de 1229 é a verdadeira data do estabelecimento da Inquisição. Os albigenses (hereges) tinham sido esmagados e a combate fora longo e violento para deverem contar com o extermínio. No mesmo ano, Luís IX promulgou um decreto que ordenava o suplício imediato dos hereges sentenciados, e se condenavam as penas de confisco e “infâmia contra os seus fautores e protectores (3).” (A legislação que já dominava a Alemanha e uma parte da Itália, prolongava-se agora a França.)
Ao longo dos tempos, com a publicação de determinadas bulas e de diplomas pontifícios relativos aos precedentes factos, sentia-se que a Inquisição (como instituição distinta), tendia rapidamente a constituir-se.
Em 1245, celebrou-se um concílio provincial em Béziers (França), no qual se redigiu, por ordem de Inocêncio IV, um regulamento sobre o modo de proceder contra os hereges. Esta escritura, que reproduz algumas normas anteriores, acrescentando-lhes outras novas, serviu de base a todos os posteriores regulamentos da Inquisição.
À medida que os tribunais do Santo Ofício se reproduziam, as reacções contra o seu cruel procedimento multiplicavam-se. Por toda a parte faziam-se insultos, que consequentemente geravam vinganças e as vinganças aumentavam a irritação, de onde resultavam novas crueldades. “A tolerância e a resignação evangélicas tinham sido completamente banidas. A Inquisição, que era forte, tinha o cadafalso e a fogueira; a heresia, que era fraca, tinha o punhal (4).”
Foi entre 1255/56 que pelas rogativas de Luís IX, o papa Alexandre IV, propagou a Inquisição em França. Por sua vez, a república de Veneza só aceitou o tribunal do Santo Ofício em 1289, com bastantes restrições e pondo-a debaixo do poder civil. (Nesta época, a Inquisição atingira o seu apogeu em França, para, declinar em pouco tempo. Já em Portugal não se mostravam indícios da eleição de um único inquisidor para exercer as funções, em parte alguma.)
Em 1376, após uma bula de Gregório XI a Agapito Colonna (bispo de Lisboa), se suspeitou de que em Portugal se tinham introduzido alguns erros de doutrina. Nesse documento, o papa incumbia o bispo de Lisboa, “visto não haver inquisidores neste país (5)”, de eleger um franciscano, dotado dos requisitos necessários para inquisidor, de modo a apurar a existência das heresias e discretamente as perseguisse e extinguisse. (Frei Martim Vasques foi o eleito.)
No século XIV, a Inquisição era nula em Portugal, mas no resto da Península Ibérica não se sucedia o mesmo: os autos-de-fé eram constantes e efectuados em curtos intervalos. (Em 1479, Fernando V funda a (moderna) Inquisição espanhola O primeiro código inquisitorial em Espanha é promulgado em Outubro de 1484.) Desde modo, o tribunal do Santo Ofício era um meio de aniquilamento, como outro qualquer que se aplicava na época. “As suas sentenças de morte não eram, não podiam ser, na maior parte dos casos, senão assassínios jurídicos” (6).
A 31 de Março de 1492 é publicada uma lei em Espanha para que todos os judeus não convertidos saíssem do país até 31 de Julho desse mesmo ano, sob pena de morte e apreensão para os que desobedecessem. O terror fazia com que abandonassem Espanha e uns embarcam para África, enquanto outros obtiveram licença para entrar em Portugal (pela extensão da fronteira e facilidade do trânsito).
Por sua vez, a partir do último quartel do século XV, os hebreus portugueses eram regidos por um direito público e por um direito civil especiais. As leis que os protegiam eram a expressão de ampla tolerância. Tinham a liberdade de seguirem a sua religião e de usarem os ritos dela na sinagoga. Porém, não podiam ter criadas ou criados cristãos; eram obrigados a trazer nas roupas uma estrela vermelha de seis pontas cosida e eram-lhes vedado o uso de armas. Muitos dos judeus que se refugiaram em Portugal, achariam socorro numa poderosa população, a quem o poder público concedia (ainda), apesar dos ódios gerais, protecção religiosa e civil.
Papel manuelino
Em 1495, D.Manuel sobe ao trono, após a morte de D.João II e um dos seus primeiros actos foi dar liberdade ao grande número de judeus que tinham sido reduzidos à condição de servos (durante bastantes meses houve confrontos entre a população e os judeus, pois muitos dos habitantes não viam com agrado a sua permanência em Portugal.)
No contrato de casamento entre D.Manuel e D.Isabel (de Castela), assinado em 1497, estipulou-se a expressão dentro de um mês dos indivíduos de raça hebreia, que estavam refugiados em Portugal. Findo esse mês, muitos judeus ainda continuavam no país e expediram-se ordens para que em todo o reino se tirassem aos judeus (que tinham preferido o desterro ao baptismo) os filhos menores de catorze anos, para que se distribuíssem por todas as cidades, entregando-os a família que os educassem na crença cristã. As principais famílias hebreias (que ainda não tinham abandonado Portugal) tinham sido convocadas pelo Governo a estarem presentes em Lisboa: foram baptizados violentamente e os homens e os mais idosos que resistiam eram arrastados pelos cabelos à pia baptismal.
D.Manuel, membro de uma família perseguida e talvez arrependido, procurou suavizar o seu erro: a 30 de Maio de 1497 redigiu um documento no qual instituía importantes providências a favor dos convertidos, nomeadamente o uso de livros hebraicos ficava permitido aos médicos convertidos. Contudo, o fanatismo e os rancores populares não paravam. Os sintomas de uma futura erupção começavam a nascer aos poucos.
Na Primavera de 1506, o tormento da peste chega a Portugal e um motim popular contra os cristãos-novos rebentará em Lisboa. Os cristãos-novos que circulavam pelas ruas desprevenidos eram mortos e arrastados, às vezes semivivos, para as fogueiras que se tinham preparado no Rossio e nas ribeiras do Tejo. As casas dos cristãos-novos eram assaltadas.”Metiam a ferro homens, mulheres e velhos: as crianças arrancam-nas dos peitos das mães e, pegando-lhes pelos pés, esmagavam-lhe o crânio nas paredes dos aposentos. Depois saqueavam tudo (7).” Marinheiros e mais de mil homens andavam obcecados pelo mal. Perante estes crimes, o monarca D.Manuel ordenou graves punições para estes assassinatos. Estas demonstrações de benevolência e de arrependimento criavam esperanças enganosas aos cristãos-novos “fazendo-lhes crer que a intolerância e os ódios brutais do povo obrigariam o poder público a protegê-los (8).” Porém, os indícios da malevolência do povo começaram a surgir de novo em tentativas isoladas.
Comentário
É lamentável descobrir determinadas atrocidades que a Igreja cometeu por toda a Europa, ao longo dos séculos. Descobri determinadas coisas que pensei que seriam impensáveis mas, não é só de coisas boas que a História é feita e, como tal, também é importante saber isso. Apesar de o tribunal do Santo Ofício já estar extinto, a sociedade de hoje comete crimes como os da Inquisição. É com os erros que aprendemos, e quiçá, daqui a uns anos o mundo pare para pensar nas barbaridades cometidas, tal como eu parei para reflectir com a leitura deste livro.
A Inquisição, a meu ver, é um conjunto actos maliciosos, com a mistura de muita hipocrisia (por parte da Igreja e do Governo) e de bastante fanatismo (por parte de determinados indivíduos da população que não aceitam a diferença, tal como a Igreja). Se um dos objectivos da Igreja é a reprodução, porque razão é que em tempos assassinava seres humanos?.
(1)HERCULANO, Alexandre - História da origem e estabelecimento da Inquisição em Portugal, pág.19. (2) Idem, pág.29. (3) Idem, pág. 32. (4) Idem, pág. 45. (5) Idem, pág. 50. (6) Idem pág. 63. (7) Idem, pág. 142/143. (8) Idem, pág. 148.
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