Mythos
Nesta quadra natalícia publicamos um (en)cont(r)o com Jesus.
Texto Zita Leonardo
Cideo passeava pelo jardim enquanto tomava conta de um pequeno grupo de crianças que a seguiam alegremente. Por vezes escondiam-se dela atrás dos tufos de margaridas brancas que enfeitavam toda a alameda ladeada de colunas de mármore branco que terminava num edifício sumptuoso para onde se dirigiam. As crianças riam com o seu embaraço, quando as via desaparecer da sua vista. Não queriam aborrecê-la, elas amavam a bela Cideo que lhes dedicava igualmente um amor sem limites que só uma mãe consegue sentir. Não interessa se a maternidade não era biológica, o que é certo é que ninguém as amava mais do que ela, ninguém poderia sentir um grau de responsabilidade maior que o desta mulher pelas crianças que tinha à sua guarda. De resto, aquele era o seu trabalho e ela adorava fazê-lo, não quereria ter outro.
Era ainda jovem e muito bela também, literalmente iluminada visto que a sua imagem irradiava, sobretudo quando sorria, como se o sol resplandecesse no seu rosto. Cobria todo o corpo com uma veste de um branco puríssimo que acabava numa espécie de manto a cair sobre o ombro direito; os cabelos castanhos com reflexos doirados estavam presos em trança que descia ao longo das costas e que num gesto feminino enfeitara com três margaridas que tinha colhido no jardim. Caminhava direita, suavemente, em direcção ao templo, agora num passo mais apressado mas sem perder a elegância e a firmeza das suas formas. Segurou no colo o menino mais pequenino, um lindo bebé de caracóis louros, ao mesmo tempo que, na outra mão, rebocava duas meninas também pequenas que, de outra forma, não conseguiriam acompanhar o seu passo. Seguiam-na as três crianças mais velhas do grupo, dois meninos e uma menina, com idades aproximadas e que não pareciam ter mais que seis a sete anos.
Tinha pedido uma audiência a Jesus que já devia estar à sua espera. Não gostava nada de se atrasar, mas tinha a certeza que seria perdoada logo que Jesus conhecesse os seus motivos: os meninos mais crescidos gostavam de lhe pregar partidas e escondiam-se dela. Perdia tempo a procurá-los e, quando os descobria, fingia estar zangada para que lhe pedissem desculpa. Logo que tal sucedia acabavam em abraços e gargalhadas de imensa alegria. Era assim todos os dias. Hoje, porém, tinha um compromisso com Jesus e estava um pouquinho ansiosa.
À chegada à porta que se mantinha aberta parou e, como de costume, curvou-se um pouco a pedir permissão para entrar; a seguir inspirou e expirou profundamente, repetindo o gesto mais duas vezes. As crianças observavam-na com carinho e admiração seguindo-lhe todos os gestos, como já era hábito. Afinal tratava-se de um espaço sagrado e como educadora tinha que iniciá-las desde logo no respeito ao divino. E de facto era assim, tudo era sagrado naquele lugar maravilhoso e hoje especialmente, porque albergava o grande e doce Irmão Jesus, havia mais luz e mais paz ainda.
Despediu-se das crianças com um longo abraço a cada e entregou-as à guarda da jovem Lylia que veio ao seu encontro. A pouco e pouco foram deixando de se ouvir as alegres vozes dos miúdos que contavam à mulher, por entre gargalhadas, as partidas desse dia.
Após ter andado mais uns metros ao longo do largo corredor iluminado, entrou numa porta entreaberta que dava acesso a uma sala de leitura e lazer, ligada por sua vez por outra porta, esta de correr, à biblioteca do Templo. Entrou de mansinho e logo viu Jesus que descansava em frente à grande janela por onde podia ver-se a parte sul do jardim coberta de relva muito verde e onde algumas árvores de sombra se elevavam para o céu. Também ela gostava de repousar a vista e a mente a meio do estudo de um livro mais técnico ou de mais difícil compreensão, olhando aquela abençoada paisagem e observando os irmãos pássaros a tomarem banho no riacho ali próximo. O rosto de Jesus, contemplativo e sério mas ao mesmo tempo de uma beleza tão suave, denotava alguma preocupação. A sua aura era tão pura e de luz tão branca que quase tornava transparente o seu belíssimo corpo. E que aroma inebriante o do perfume de lírios emanado daquele Ser! Todo o ambiente estava impregnado e quase sentiu vertigens, mas já Jesus a recebia nos braços, com o mais belo sorriso, forçando-a a sentar-se a seu lado. Era uma honra demasiado grande, não sabia se devia, mas, na verdade, não estava em condições de reagir. Obedeceu simplesmente, sentindo-se maravilhosamente bem envolta naquela doce vibração.
Querido Mestre, será que hoje podíamos voltar a falar do irmão Fausto? Pediu com alguma timidez, já não era a primeira vez que insistia no mesmo tema.
Filha, dum dogmático demónio foi dito, mas Fausto é Irmão poderoso totalmente necessitado de iluminação.
Fausto é um criador, seu karma está ligado à dimensão genética divina; ditou a mudança da forma. Fausto fez o GNA da nossa bendita mente: Biologia divina, fogo/água, fusão da física personalidade com a fonte espiritual, é Quinto sintetizado. Abaixo finalidade genética, acima jogo biológico divino.
Eram palavras misteriosas para a inocente Cideo, não que não fosse inteligente, porém a sua aprendizagem, tanto quanto se lembrava, tinha sido dedicada ao estudo dos Astros como oráculo e à prática dos rituais do templo, com especial ênfase nos Equinócios e nos Solstícios. Sem mesmo saber a que impulso obedecia, ela falou:
Amado Jesus, permite-me que vá novamente ao encontro de Fausto. Já combinei com a irmã Lylia para ficar com a guarda das crianças, está mais que preparada e os meninos adoram-na; e Myriam irá substituir-me no serviço religioso, há muito que espera por isso e fá-lo melhor que ninguém. Só tenho um receio e é por isso que peço a Tua ajuda: Como sabes eu dependo directamente de Júpiter e, sem a bênção de meu Pai, não poderei tomar nenhuma decisão. Por favor meu querido Mestre, intercede por mim.
Já imaginava que ias pedir me para defender a tua causa junto do poderoso Júpiter e, por isso, antecipei-me e falei-Lhe da tua missão. Não só acedeu ao nosso pedido como te desejou boa sorte e, para que não tenhas dúvidas da Sua protecção, mandou que te entregasse um presente que vai acompanhar-te na Demanda: um unicórnio branco chamado Quiron, um ser iluminado que nunca te abandonará desde que as tuas motivações sejam sempre puras.
A jovem levantou-se e, sem que Jesus a pudesse impedir, prostrou-se a seus pés, segurou na mão esquerda do Mestre e beijou-a entre lágrimas de agradecimento. Jesus comoveu-se e com a outra mão acariciou-lhe a cabeça comentando: Pensa bem filha, não tens que fazer isto, não quero que te sacrifiques novamente. Sabes tão bem como eu que ainda existe o risco da queda. Mas confio na tua força e dedicação ao irmão Fausto. Sê feliz jóia, é vosso futuro Luz e eu vou estar sempre convosco.
Jesus levantou-se e ajudou Cideo a erguer-se também. Ela secou rapidamente o rosto com a ponta do véu e saíram de mão dada para o jardim onde Quiron a esperava pacientemente. Como era belo e forte o seu novo amigo! Agarrou-se ao pescoço do cavalo e beijou-o repetidas vezes. Jesus ajudou-a a subir no dorso do animal e pensou como eram puros e ainda mais belos assim juntos num uno centauro. Num gesto de despedida apertaram as mãos e olharam-se com um amor infinito. A seguir ela partiu e o Mestre ficou ali, pensativo, até que a imagem de Cideo e a de Quiron se desvaneceram no horizonte.
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