“Problemas ambientais”, afirmou ele na década, “não obedecem a fronteiras nacionais. Na década passada, nós e as outras nações tivemos que reconhecer a urgência de esforços internacionais para proteger o meio ambiente comum a todos nós”.
Quando o Informe ficou pronto, entre as suas conclusões, podiam ler-se duas especialmente graves:
- As grandes florestas estão desaparecendo no mundo todo à proporção de 18 a 20 milhões de hectares por ano, com a maior parte da perda ocorrendo na América Latina, África e Ásia. São 830 hectares por minuto e 50 mil hectares por dia de matas derrubadas.
- As concentrações atmosféricas de dióxido de carbono e substâncias químicas que eliminam o ozónio chegarão a um volume que pode alterar significativamente o clima do mundo e a
temperatura atmosférica até ao ano 2050. A chuva ácida ameaça os lagos, os solos e as lavouras.
O
Informe 2000 dizia, ainda, que “como o clima tem um profundo efeito sobre nossas vidas e nossa economia, não podemos ignorar estes problemas que fazem incerto o nosso futuro”. Mas foi exactamente isso que aconteceu. Jimmy Carter foi considerado um “fraco”, dentro da política norte-americana. A direita reaganiana conquistou a gerência da máquina do grande império. No resto do mundo, nenhuma outra potência quis ou pôde dar real importância ao assunto. O meio ambiente é de todos. O que é de todos não é de ninguém”.
Como consequência, a devastação – que é um bom negócio a curto prazo – prosseguiu como se não houvesse perigo. Um dos fenómenos que se alastraram foi o incêndio das florestas. As causas não são simples. Uma delas é que o solo do planeta está esgotado e fraco por falta de elementos minerais. A desmineralização, mais o excesso de dióxido de carbono (CO2) acaba enfraquecendo as árvores. Elas vão secando e ficam vulneráveis ao fogo. Uma faísca incendeia uma floresta, e o fogo se alastra, lançando mais
dióxido de carbono no ar, o que aumentará o ritmo dos incêndios.(1)
A Austrália sofreu em 1980 o pior incêndio desde a Segunda Guerra, com a destruição de 40 mil hectares de florestas. Na Espanha, um incêndio de Barcelona a Alicante. Na mesma época doze mil acres ardendo no Arizona, e dez mil destruídos no Colorado, USA.
John Hamaker cita dezenas de exemplos documentados no seu livro
“A Sobrevivência da Civilização” (pág.90-91). Na Grécia, 90 mil soldados são mobilizados para o combate a um incêndio em centenas de milhares de acres de florestas. A notícia está no “San Francisco Examiner”, de 6/7/1981.
As advertências do
Informe 2000, aparentemente, estavam esquecidas. Ninguém pensou no significado desta onda de incêndios. Quem gostaria de parar as fábricas e deixar de lado a sociedade industrial consumista para construir um modo de vida mais simples e mais durável? Mais fácil continuar como está para ver como fica. Eram todos individualmente demasiado vivos para que pudessem ser colectivamente inteligentes.
Em Novembro de 1982 a revista
Time dedicou uma reportagem de capa ao problema da chuva ácida, “a praga silenciosa”. A devastação “é silenciosa, invisível, penetrante”, dizia o semanário norte-americano, no primeiro parágrafo da reportagem. Mas devia ter dito, em vez de silenciosa,
silenciada.
Silenciada pelos mesmos grandes grupos industriais que lançavam elementos tóxicos na atmosfera, causando a chuva ácida. Há mais de 200 lagos perto de Nova Iorque já sem qualquer forma de vida em si, dizia a Time. A opinião pública se mobilizava. Numa visita ao Canadá, Reagan foi recebido com vaias e protestos, devido à chuva ácida oriunda dos Estados Unidos que causava danos aos canadenses. Mas os protestos não foram levados em conta.
Em Fevereiro de 1984, um expert da ONU informou: “Os desertos estão avançando, a cobertura verde do planeta está desaparecendo, e no ano 2000 a terça parte das terras até aqui agricultáveis estarão reduzidas a pó e a deserto”.(2) Meses depois, um filme da BBC de Londres choca a Europa. Milhões de pessoas esperam
a morte por fome no norte da África. Seus países viraram desertos. Ninguém é responsável pelo fato. A ajuda internacional é insignificante.
Um banho de ácido sulfúrico.
A expressão “chuva ácida” foi criada em 1872 pelo químico inglês Robert Angus Smith para descrever as precipitações cada vez mais ácidas em Manchester, um dos centros da revolução industrial da época.
O processo químico é simples. Quando combustíveis fósseis como carvão e petróleo são queimados, libertam grandes quantidades de dióxido de enxofre (SO2) e óxidos de nitrogénio. Uma vez na atmosfera, estes gases reactivos se combinam com a água e o oxigénio para formar os ácidos sulfúrico e nítrico, que caem sobre a terra, rios e lagos, como chuva ácida. É certo que estes ácidos podem também cair na sua forma gasosa original, - ou ainda como partículas muito finas. Os cientistas chamam o fenómeno em suas várias formas de “deposição ácida”. Mas a palavra
chuva é mais expressiva e ficou conhecida popularmente.(3)
Em 1980, as emissões de dióxido de enxofre chegaram a 24,1 milhões de toneladas, só nos Estados Unidos. Dois terços vinham de centrais eléctricas e 22% de indústrias. As fusões de metais também emitem muito SO2.
Depois que a chuva ácida se mistura ao húmus no solo dos bosques, a morte das árvores é uma questão de tempo. A árvore retira sua nutrição básica de elementos como cálcio, magnésio e potássio, presentes entre os minerais do solo. A deposição ácida acrescenta ao solo íons de hidrogénio (ávidos de combinações) que retiram estes nutrientes.
O cálcio, por exemplo, é essencial para a vitalidade das árvores. Tem a ver com a formação das células e o transporte dos açucares, da água e de outros nutrientes – desde a raiz até as folhas.
Magnésio é um elemento vital na fotossíntese e um portador de fósforo para a produção do DNA, principal componente do material genético. Não é só decisivo na constituição das sementes, mas também na reprodução das células que ocorre continuamente em todo organismo vivo.
Esta retirada de elementos vitais ocorre ao mesmo tempo em que se acentua no solo e na atmosfera a presença de metais pesados como chumbo, zinco, cobre, cádmio, cromo, manganês e vanádio, todos, quando em excesso, adversários da vida.
O efeito da chuva ácida não é apenas devastar florestas e despovoar lagos. Ela afecta a saúde humana, através do ar e dos alimentos. Amostras dos cientistas norte-americanos indicam que a água, particularmente, está demasiado ácida.
“As florestas estão morrendo na Suíça”, dizia a Agência Associated Press num telegrama de Genebra em Abril de 1984. Dados oficiais mostravam que uma de cada cinco árvores da área florestal suíça estava doente devido à poluição. “As florestas estão morrendo devido ao ácido nítrico lançado pelos carros, tóxicos lançados pelas fábricas, e à conhecida chuva ácida”, diziam os jornais.
“As árvores mortas, morrendo, ou muito doentes se multiplicam na Europa e nos Estados Unidos devido à chuva ácida” diz o Instituto World watch. No leste norte-americano, a morte das florestas é uma das questões que mais preocupam a opinião pública. O governo da Alemanha Ocidental revelou que um terço das florestas do país está em sério perigo. Entre as mais atacadas está a área da famosa Floresta Negra. Na Tcheco-Eslováquia, 485 mil hectares de floresta estão doentes. Na Polônia, estima-se que até 1990 tenham desaparecido 2,83 milhões de hectares de florestas atualmente enfermas”.(4)
Na Europa, 56% a emanação de CO2, dióxido de carbono, vêm de centrais elétricas e térmicas movidas a carvão. Vinte e seis por cento são lançados por indústrias de produção, 13% por estufas e calefações privadas, 3% por ônibus e automóveis. O jornalista Joelmir Beting escreve sobre o problema:
“Na Tchecoslováquia, um programa de reflorestamento deu com as mudas no nada: as árvores negaram viço. Ou se vingaram, porque, como se descobre agora, a natureza não se defende, apenas se vinga…”
“Que tal uma chuvinha fina de ácido sulfúrico? Não é o caso de Los Angeles, mas é o caso de São Paulo: alto teor de enxofre no óleo diesel verde-amarelo provoca alterações químicas na massa poluente dos ônibus e caminhões, do que resulta, ao cair da primeira garoa, um banho de ácido sulfúrico na vida da gente?” (5)
Em 23 de Junho de 1985, a repórter Ivone Cassol pergunta na
Zero Hora, de Porto Alegre: “Será chuva ácida?” Acontece que, em Canoas, as folhas das árvores estão pretas, e as abelhas não
produzem mel. Há muito tempo os pássaros desapareceram dos céus da cidade. Ao invés deles, o que paira no ar são minúsculas e invisíveis partículas que lentamente se depositam principalmente sobre as árvores. “Canoas quer saber exatamente o que está respirando”, diz o jornal.
O Desmatamento.
Numa reunião do Banco Mundial nos Estados Unidos, em Setembro de 1984, o fundador da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, Agapan, José Lutzenberger, denunciou que são destruídos na Amazônia 100 mil quilómetros quadrados de mata virgem por ano – uma área igual à metade do Rio Grande do Sul. Até 1988, Lutzenberger prevê que as florestas de Rondônia terão desaparecido. “É uma destruição irreversível”, diz ele. Enquanto isso, os incêndios são frequentes. Um deles destruiu 10 quilômetros quadrados de reserva florestal no Parque Nacional de Itatiaia, estado de São Paulo.
Igualmente importante é a devastação da Mata Atlântica. Da exuberante mata que cobria a faixa litorânea, ocupando 2 milhões de quilómetros quadrados quando aqui chegou Pero Vaz de Caminha, restam apenas cerca de três por cento. O que avança hoje não são as matas, mas o território das secas e enchentes sucessivas. E a devastação por parte do homem continua numa proporção de 300 mil hectares por ano. O diretor do Centro de Primatologia do Rio de Janeiro, Adelmar Coimbra, acrescenta a estes dados que a ilusão de usar a terra desmatada para a agricultura ou pecuária não dura mais que três anos. Quando se devasta a mata, nem a cinza das
queimadas fica no solo desprotegido. A chuva a leva para os rios e a natureza fica sem o húmus que levou milhões de anos para produzir.
Isto constitui um suicídio ecológico. “Primeiro morrem
as árvores, depois morremos nós”, advertiam os ecologistas anos atrás. As florestas tropicais da América do Sul estão desaparecendo ao ritmo de 40 mil quilómetros quadrados por ano, diz o relatório do Congresso para a Conservação da Natureza, em Madri. O dado é mais otimista que a cifra de Lutzenberger (100 mil quilómetros quadrados só
na Amazônia), e mostra as dificuldades para fazer um cálculo exato. “As florestas tropicais ocupam 35% do território sul-americano e têm função determinante no clima mundial”, informa o congresso madrilenho. (6)
Há vários anos Lutzenberger vem atribuindo a sequência de enchentes que atinge o Sul e outras regiões do país à devastação das florestas. Lutzenberger não está só.
[Nota de 2011: Mais adiante, José Lutzenberger passou a trabalhar para os poluidores do meio ambiente, chegando ao ponto de entrar em choque frontal com os defensores da natureza]
“As repetidas enchentes no Sul têm como uma das suas causas principais o desmatamento, e o Governo Federal é responsável por isso, pois não estimula a preservação das matas, nem o reflorestamento”, disseram os líderes da Igreja Evangélica Luterana (IECLB), da Igreja Episcopal e da Igreja Metodista, em Porto Alegre, em Agosto de 1984. A notícia está na
Zero Hora do dia 18. Os religiosos citaram dados concretos: há 150 anos atrás, havia 37% de matas nativas no território gaúcho. Hoje as matas são 1,8%. O número vale como alerta para o que está acontecendo no resto do país.
Apesar de já desmatado, o Rio Grande ainda continua perdendo 45 mil hectares de matas por ano, enquanto são replantados apenas 12.700 hectares. Em 1984 esperava-se que mediante um esforço especial fossem replantados cerca de 40 mil hectares, reduzindo o deficit anual para cinco mil hectares. No entanto, o Rio Grande do Sul, apesar de tudo, é um dos estados onde a consciência ecológica é mais forte. No resto do país o desmatamento está ocorrendo em maior velocidade.
Reverter a Contaminação
Paralelamente ao agravamento dos problemas ecológicos, surgem as primeiras respostas. Nem todo o mundo está paralisado diante do problema.
Os suecos conseguiram diminuir consideravelmente a poluição no ar e na água. Descobriram que a contaminação causava prejuízo de 5,5% do PIB. Com um terço destes recursos, reduziram em muito o envenenamento, com filtros e outras precauções. Já na Suíça, novas leis limitam o uso de carros e outras atividades poluidoras. Os suíços redescobriram recentemente os passeios a pé pelas montanhas. Organizam caminhadas individuais ou em grupos, longe dos
ruídos das cidades. As rotas organizadas do excursionismo têm cerca de 50 mil quilómetros. (7) O novo hábito traduz uma
volta à simplicidade que se encontra em todas as partes, sob mil
diferentes formas.
Na Alemanha, o governo adota um programa radical de redução de gases
sulfurosos da indústria, que serão reduzidos a 10% do volume anterior. Há um projeto parecido em relação às térmicas de carvão.
Na Austrália, anos atrás, jovens ecologistas passaram a fazer grandes mutirões de reflorestamento aos domingos. Quem conta é a ecologista Betsan Coats, de passagem pelo Brasil em 1984 para dar palestras sobre
a desregulação climática como resultado do excesso de CO2.
Nos Estados Unidos há um movimento com o objectivo de criar “florestas urbanas”, e um milhão de árvores foram plantadas a partir de 1980 na cidade de Los Angeles. Este dado foi fornecido por dona Wanda Seibt, da Associação Democrática Feminina Gaúcha, ADFG, uma das principais entidades ecológicas do país.
O Departamento de Recursos Renováveis, da Secretaria da Agricultura do Estado gaúcho, criou em 1984 uma Bolsa de Sementes florestais que tem despertado enorme interesse por parte da população. Em poucos meses, centenas de pessoas haviam trocado ou ganhado mudas e sementes de
árvores nativas e exóticas para plantar em grandes ou pequenas áreas e mesmo em seus quintais.
Entre as espécies preferidas estão araçá, butiá, gerivá, figueira e capororoca. O engenheiro agrónomo José Carlos Dias explicou que em 1985 a Secretaria da Agricultura mantinha convénio com mais de 80 municípios gaúchos, dando assistência técnica e treinando pessoal, para programas de reflorestamento surgidos nos últimos anos. Cerca de 500 milhões de mudas foram produzidas deste modo.
A EMATER, empresa de extensão rural, a Fundação Zoobotânica e a Prefeitura de Porto Alegre lançaram uma campanha para reflorestar a cidade (Zero Hora, 12 de Junho de 1985), com venda de mudas nativas a preço de custo e total assistência técnica aos plantadores.
O reflorestamento está sendo feito por escolas, pais e mães de família, crianças, prefeituras municipais, delegacias de educação do interior do Estado e amantes da natureza em geral. Sua importância não é apenas numérica. Está também no
novo padrão cultural de relacionamento com a natureza que ele tende a estabelecer e que em breve se estenderá a toda a sociedade, impedindo a devastação.
O ritmo com que o governo federal toma medidas preservacionistas tem sido muitas vezes inferior ao que seria necessário para efetivamente garantir algum equilíbrio ambiental. Será preciso uma transformação radical na atitude frente ao problema durante o governo da Nova República. Esta transformação não pode ocorrer por decreto. Terá que dar-se simultaneamente em todos os níveis, e será consequência de uma
nova maneira de ver (e de viver) a natureza».