quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Imprensa romântica?



Amanhã é publicada a edição comemorativa dos 80 anos do "Avante!". Oportunidade para (re)conhecermos um pouco da sua história, através das memórias de Carlos Pires, antigo tipógrafo do jornal, numa entrevista realizada em 2003.

Texto Catarina Teles

Com que idade começou a trabalhar no “Avante!”?
Tinha 17 anos. A partir de 1957, mais ou menos, comecei a fazer o “Avante!” clandestino. Vivi durante 20 anos na clandestinidade com o “Avante!”.


O “Avante!” é o órgão central do Partido Comunista Português e como tal é um jornal comunista, o que o obrigou a viver na clandestinidade durante 43 anos. Em termos de tiragens e publicações, como foi a história deste jornal?
As tiragens tiveram várias fases e agora não me recordo de todas, mas próximo do 25 de Abril houve uma tiragem de três mil exemplares. Já era muita coisa, uma tiragem bastante elevada para um jornal clandestino.
Hoje, um dos objectivos do "Avante!" é que ele chegue mais longe e seja lido por um número crescente de pessoas militantes e não militantes do PCP. Isso dantes era possível?
Sim, até era… Nas fábricas, os militantes comunistas que existiam, deixavam o “avante!” no local de trabalho daquelas pessoas que eles achavam que estavam mais ou menos contra o regime das altura. Havia várias formas de deixar o “Avante!” clandestino, inclusivamente na caixa do correio. Havia várias formas de pôr o “Avante!” a circular.
Quais eram os objectivos clandestinos do “Avante!”?
Sobretudo dar informação mais correcta do que aquela que era publicada na imprensa diária, que era sempre camuflada. As lutas eram sempre anunciadas no jornal. Claro que com um certo atraso, porque as lutas desenvolviam-se hoje e só passados 15 dias é que eram anunciadas no “Avante!”. Mas o objectivo primeiro era dar informação correcta sobre aquilo que se passava, inclusivamente sobre as guerras coloniais.
E na altura em que o jornal era clandestino, noticiavam acontecimentos apenas nacionais ou também internacionais? E quais os temas que abordavam?
Noticiávamos acontecimentos nacionais e também internacionais. Em relação aos temas, abordávamos de tudo um pouco. Sobre a Europa e o mundo, sobre literatura, sobre a vida interna do PCP… Claro que na altura não estávamos directamente virados para a cultura, mas sim para as lutas operárias da época e tudo o que se passava no mundo em relação a esses problemas. Hoje é diferente. Podemos noticiar de tudo um pouco, já que não há necessidade de nos mostrarmos apenas contra o fascismo, porque graças à coragem de muitos homens e mulheres, esse já vai longe.
A clandestinidade impunha condições desfavoráveis à elaboração e difusão da imprensa. Como era feito o “Avante!” clandestino?
Tínhamos que ter o tipo, o papel, a tinta… E tínhamos que ter pelo menos duas pessoas: uma colocava o papel e puxava o rolo, a outra tirava o papel e prensava. Isso era feito nos extremos cuidados, como é óbvio, numa casa normal como a de toda a gente. Tínhamos um rolo que passava por cima do tipo e esse rolo pesava no mínimo 30 a 40 quilos e eu via-me aflito para tirar aquilo, por que se caía no chão fazia um estrondo imenso para o vizinho de baixo e isso não convinha nada. Na altura também era jovem, por isso não me custava muito! (risos) Mas tínhamos que pôr tudo em casa. Havia um ponto de apoio, uma casa onde tínhamos o papel guardado que se ia buscar aos poucos. Enquanto um saía, havia que preparar logo o outro para ir buscar mais papel para a casa, com calma, fazendo de conta que aquilo não era nada connosco, como qualquer pessoa que vai às compras e traz embrulhos. E era assim que nós fazíamos.
E onde era feito?
Em casas clandestinas para os outros não saberem. Foi sempre feito dentro de Portugal.
Como era distribuído?
Depois de feito o jornal, havia um camarada responsável que o ia lá buscar. Nós entregávamo-lo, mas tínhamos que fazer aquilo muito disfarçadamente. Por vezes, quando se levavam para distribuir, tínhamos de pôr uns nabos e umas couves por cima para disfarçar… Depois havia vários camaradas a quem distribuir para este os fazer chegar aos diversos sectores do país, principalmente às fábricas. Em termos de transporte, íamos de bicicleta e mais tarde de carro. Os “Avante!” eram distribuídos na rua, escondidos. Eram distribuídos mil para aqui, mil para ali… Eram embrulhos relativamente pequenos, porque o “Avante!” era publicado em papel bíblia, um papel fino. Era fácil de transportar de mão em mão.
Mas se distribuíam em mãos tinham de saber a quem o faziam, senão corriam o risco de entregá-lo a um elemento da PIDE, ou a alguém ligado ao regime.
Obviamente tinham de ser camaradas conhecidos de determinados sectores. Por exemplo, aqui em Lisboa um camarada responsável recebia-os e depois entregava aos camaradas das empresas que conheciam, não podia ser a qualquer um.
E isso não limitava a distribuição?
Mais ou menos… Depois as pessoas que recebiam o “Avante!” faziam-no chegar a outras pessoas, davam conhecimento, deixavam-no na caixa do correio, debaixo das árvores, junto às portas, era lido em locais discretos… era sempre um risco para quem fazia, para quem distribuía e para quem recebia.
O “Avante!” foi o jornal que resistiu durante mais tempo à clandestinidade. O que motivou tantos colaboradores a levarem esta nobre causa até às últimas consequências?
Houve um camarada que estava ligado ao “Avante!” que foi assassinado. Nós tratávamo-lo por Alex… Houve também outros que foram perseguidos, mas conseguiram fugir. O motivo era tentar acabar com o regime da altura, a todo o custo.
As pessoas que faziam o “Avante!” clandestino tanto escreviam como trabalhavam na tipografia?
Não. Os originais, digamos, vinham através do secretariado, onde estavam as pessoas ligadas às causas clandestinas. Portanto, era escrito pelos camaradas que recebiam as informações, que depois passavam para o papel. Depois, o original era-nos entregue, para o imprimirmos. Portanto, havia aqueles que produziam o “Avante!”; nós depois recebíamos os originais e fazíamos aquilo que se fazia nas tipografias: colocávamos os caracteres todos, que são nove milhões!! Tínhamos de fazer as palavrinhas todas e isso era muito complicado. Mas valeu a pena!.

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