quarta-feira, 27 de outubro de 2010

(Re)cortes de imprensa


Amanhã faz cem anos que entrou em vigor a Lei de liberdade de imprensa, a seguir à implantação da República. Uma oportunidade para relermos “A censura à imprensa na época marcelista”*, um livro escrito por Arons de Carvalho em 1972 e editado, pela primeira vez, em plena campanha eleitoral.

Texto Joana Jorge

Publicada inicialmente pela Seara Nova, sob o título "A censura e as leis de imprensa", a obra aborda três temas: “A Legislação da Imprensa de 1910 a 1926”; “A Imprensa no Estado Novo” e “A Imprensa Portuguesa depois de Setembro de 1968”. O livro revela e explica todo o modo de actuação da censura como mecanismo central dos dispositivos ideológicos e do poder do regime Salazarista, prolongando-se até ao Marcelismo.
Segundo Cândido Azevedo, o papel da censura «inseria-se, de facto, no objectivo mais vasto que o regime perseguia: o da remodelação das mentalidades, do enquadramento cultural e ideológico dos cidadãos, no âmbito dos princípios doutrinários do regime, ou, simplesmente, da ‘Verdade Nacional’ por ele definida».

Análise

Com a implantação da República a 5 de Outubro de 1910, a imprensa sofre uma significativa mudança: a lei repressiva de 1907 é revogada e são suspensos todos os termos de quaisquer processos relativos à imprensa “enquanto não for publicado um novo decreto com força de lei protector da liberdade de imprensa”(1). A 28 de Outubro, este decreto entra em vigor e constitui a única lei com o direito de expressão do pensamento. No entanto, com a participação portuguesa na I Guerra Mundial a legislação de imprensa é alterada e volta a entrar em vigor até ao Movimento de Maio de 1926, que institui a Ditadura.
A declaração de guerra da Alemanha a Portugal forçou o Governo Republicano a restringir a liberdade de imprensa, sendo apreendidas publicações nas quais se divulgasse “boato ou informação capaz de alarmar o espírito publico ou de causar prejuízo ao Estado, no que respeita, quer à sua segurança interna ou externa, quer aos seus interesses em relação a Nações Estrangeiras, ou ainda a trabalhos de preparação ou de execução militar”(2). Provocando um grande descontentamento nos jornais, o governo optou pela instituição de um regime de Censura Prévia criada pela Lei nº495 a 28 de Março, onde “…o governo passava a ser juiz e fiscal exclusivo das informações e considerações relativas à beligerância e à segurança da defesa nacional”(3). A Censura era exercida através de Comissões Distritais de composição variável: a de Lisboa, formada por militares e situada no calabouço nº4 do Governo Civil: segundo o artigo 7º, a parte da publicação mandada eliminar não era substituída, ficando em branco o espaço que ocupava, sendo que os cortes incidiam sobretudo em noticias de carácter militar. A situação complica-se a partir de 1917, quando Afonso Costa ocupa o cargo de Presidente do Ministério, após a queda do Governo da União Sagrada. Posteriormente, gera-se um movimento dos jornais contra a censura, organizado pela Redacção do "Jornal do Comercio e das Colónias" para “tratar do modo irregular em que está sendo exercida a censura prévia determinada pelo Estado de Guerra”(4), ou seja, é a possibilidade da censura cortar noticias sobre alterações de ordem pública ou críticas ao governo, que é posta em causa. Mais tarde, José Barbosa e Luís Derouet (deputados da União Republicana) elaboraram um Projecto Lei, que cingia a actuação da censura apenas a notícias direccionadas à guerra. A nova lei estabelecia, que as comissões de censura eliminariam qualquer noticia nos casos da “defesa nacional militar ou económica ou às operações de guerra e propaganda”(5). Assim, o número de cortes baixou consideravelmente. Mais tarde, a Junta Revolucionaria encabeçada por Sidónio Pais decide-se pela abolição da Censura Prévia. A 28 de Dezembro, através de três Portarias do Ministro Machado Santos, a liberdade de imprensa é restringida, sendo que a 9 de Janeiro de 1918, surge uma nova ameaça à imprensa: era ordenado aos governos civis a suspensão por tempo indeterminado de “todas as publicações periódicas que em linguagem despejada, pretendessem perturbar a segurança pública”(6). Assim, é a ausência de censura e o clima de descontentamento existente, que levam os jornais “República” e o “Mundo” a violentos ataques ao governo, o que consequentemente, provoca a publicação de notícias sobre prisões e deportações de opositores ao Sidonismo. Ao mesmo tempo, os jornais são apreendidos e censurados. Em Maio e Junho, perante a instabilidade política vivida, o governo efectua inúmeras prisões e a censura aumenta o seu rigor. Ainda assim, esta adapta-se ao condicionalismo legal e corta noticias cujo conteúdo não está abrangido pelo decreto.
Os últimos meses do Sidonismo são agitados para a imprensa. Porém, o fim da 1º Guerra Mundial não origina a extinção da censura. Com o assassinato de Sidónio Pais a 14 de Dezembro de 1918 e com a instauração da Monarquia do Norte em 1919, forma-se um novo Governo presidido por José Relvas e composto por ministros oriundos de diversos partidos. A 1 de Fevereiro, o novo Ministério tende a alterar o funcionamento e aplicação da censura, que passa a ser justificada pela necessidade de derrotar os monárquicos.
A queda do Governo Democrático de António Maria da Silva originada pelo Movimento de 28 de Maio de 1926, põe fim à República Portuguesa. Esta situação não levou os vitoriosos a instituírem qualquer regime de censura ou a aumentar medidas repressivas. A 30 de Maio, a Junta Militar Revolucionaria de Lisboa, num manifesto publicado em todos os jornais, afirmava competir ao exército “garantir a liberdade de opinião e a segurança pública”(7). No entanto, o Golpe de Estado a 17 de Junho modificaria a situação da imprensa.
Dada a consequente institucionalização da Ditadura Militar e no dia seguinte ao afastamento do Presidente Mendes Cabeçadas, o General Gomes da Costa, numa entrevista dada à imprensa, afirmou que não estabeleceria a censura, se não fossem feitos juízos de valor à sua pessoa “fala-se em censura à imprensa – Não senhor, pelo menos enquanto os jornais não a incomodarem"(8). Porém, a publicação de duas notícias sobre a nova medida, com as palavras “Mau Caminho” e “Amordaçados”, fora motivo de implantação de um regime de Censura Prévia. Desta forma, o Coronel Pratas Dias, chefe dos Serviços da Censura, decidira que os jornais teriam de enviar quatro provas de cada página à censura e seriam proibidos os espaços em branco. A 24 de Junho, pela primeira vez, os jornais inserem a frase “este número foi visado pela Comissão de Censura”. Por conseguinte, o “Mundo” publica um editorial intitulado de “A censura”: “a medida que o governo acaba de tomar estabelecendo a censura prévia à imprensa produziu nos meios republicanos a mais desagradável das impressões como era de esperar”(9). A censura provocava cada vez mais protestos: a 29 de Junho o “Mundo” perguntava “quanto tempo durará isto ainda?”(10).
Contudo, a primeira lei de imprensa da Ditadura Militar é publicada a 5 de Julho e embora não prevendo qualquer forma de Censura Prévia, a reacção da imprensa é de total desagrado, tendo em conta que apesar dos conflitos permanecerem, o fim da censura fora uma das últimas tentativas de General Gomes da Costa, para através do apoio dos jornais, vencer a facção direitista do Movimento de 28 de Maio 1926. Durante apenas um dia, os jornais puderam ser publicados sem submissão à censura.
Entretanto, após a substituição do General, por Carmona Rodrigues, a censura entra em força, iniciando-se um período de nítido aumento da repressão e do seu rigor, levando ao total desagrado os Órgãos de Comunicação Social. Mas, numa entrevista ao “Mundo” a 13 de Julho, Carmona afirma: “não desejo causar à imprensa e às empresas jornalísticas o mais pequeno prejuízo. Tenho dado instruções para suavizarem a censura e terem muito prazer em atenderem todas as reclamações razoáveis que sobre essa matéria me formulem. Oportunamente, a censura desaparecerá e todas as liberdades públicas serão restabelecidas. Este governo não é militarista, inspiram-nos fortes sentimentos liberais e claros nacionais”(11).
De outro ponto de vista, no que respeita à Legislação sobre a Imprensa de 1926 a 1972 verificou-se o seguinte: além da Censura Prévia, os principais pontos abrangidos citados pelas leis compreendiam as autorizações prévias para a fundação de jornais e para o exercício da profissão de jornalista, a repressão judiciária, a repressão administrativa, a apreensão e os direitos de resposta, rectificação e esclarecimento. Os direitos de acesso às fontes de informação e ao sigilo profissional não são previstos por qualquer diploma.
Em Junho de 1933, é criada a Direcção Geral dos Serviços de Censura. A autorização prévia está presente no Decreto 12008 e estipula a inexistência de qualquer forma de caução; mas em 1927, o Decreto nº 13841 já reformula a legislação da imprensa aplicável nas colónias e foi o primeiro a prever a forma de autorização prévia, sendo a Direcção dos Serviços da Censura a autoridade competente para este fim. O regime discricionário só é introduzido na metrópole em 1936 em que “nenhuma publicação pode ser fundada sem que seja reconhecida a idoneidade intelectual e moral dos responsáveis e sem que tenha sido feita prova suficiente dos meios financeiros”(12). A repressão judiciária, no âmbito dos Decretos 12008 e 11839, competia ao júri e ao tribunal colectivo. Estes julgavam os delitos cometidos por via da imprensa consoante o crime. A partir de 1945, passam a ser julgados pelos tribunais plenários de Lisboa e do Porto. A responsabilidade dos delitos cometidos caía sobre o autor do escrito e sobre o director (também punido como cúmplice). Pelo contrário, os tipográficos, impressores, distribuidores ordinários e vendedores não incorriam em qualquer responsabilidade pelos actos que praticavam no exercício da sua profissão, excepto se conhecessem o conteúdo da publicação. Quanto à repressão administrativa, a concessão de poderes ao governo, para aplicar sanções aos jornais por delitos previstos na lei da imprensa, sem intervenção prévia dos tribunais, é pela primeira vez prevista durante o Estado Novo, no Decreto nº26589 de 1936. Este antevê uma multa até 5000 escudos, que será aplicada pelos Serviços da Censura. Muitos jornais foram suspensos como é o caso do "Diário da República", que recusara publicar um editorial condenando o acto de Henrique Galvão e dos seus companheiros no assalto ao Paquete de Santa Maria, em 1961.
A apreensão está prevista nos artigos 9º e 10º do Decreto 12008 de 1926 e é da competência das autoridades administrativas e judiciais. No entanto, o Decreto nº 37447 de 13 de Junho 1949 altera esta situação. É criado o Conselho de Segurança e, ao mesmo tempo, atribuída a competência para a apreensão de “publicações, imagens ou impressos pornográficos, subversivos ou simplesmente clandestinos”(13), às autoridades de segurança. O regime de Direito de Resposta é simplificado através dos Decretos 11839 e 12008. Aquando a lei de imprensa de 1910, o direito de resposta era exercido por via judicial. Cabia ao juiz, que se deveria pronunciar num prazo de 24h, a decisão acerca da obrigatoriedade de resposta. Com os novos decretos, este direito passa a efectuar-se através do envio de resposta, num prazo de seis meses. Este é concedido “a qualquer indivíduo ou pessoa moral que tiver sido atingida em publicação do mesmo período, por ofensas directas ou referencias a facto inverídico que possam afectar a sua reputação e boa fama”(14). A existência de Censura Prévia e a consequente possibilidade de corte total ou parcial na resposta limitavam esse direito.
A instituição de um regime de Censura Prévia em 1926 (a 22 de Junho) não tem como origem qualquer diploma legal. Estando suspensas as garantias constitucionais, a censura é vista como a medida transitória. O Decreto nº 11839 e depois o 12008 dispõem no artigo 1º que a todos é licito manifestar livremente o seu pensamento por meio da imprensa, independentemente de caução e sem necessidade de autorização ou habilitação prévia”(15), altura em que tem o seu termo, a Ditadura Militar (1933). O artigo 8º da Constituição 1933 estipula que, entre os direitos e garantias dos cidadãos portugueses está “a liberdade de expressão do pensamento sob qualquer forma”(16), regulada por leis especiais presentes no artigo 2º. Depois da oficialização do regime de censura, este era totalmente independente do Ministério do Interior em 1940, uma vez que, em 1944, o Secretariado da Propaganda Nacional passa a chamar-se Secretariado Nacional de Informação (SNI) e Cultura Popular, onde são integrados os Serviços da Censura. Estes, por sua vez, são controlados de forma absoluta por Salazar.
Desde então, todo o conteúdo dos jornais diários era submetido a Censura Prévia, ou seja, cada funcionário tinha a missão de se deslocar à Comissão de Censura transportando o material (provas de granel), em triplicado, a submeter a exame. Depois, uma das provas voltava sempre ao jornal com dois carimbos: um deles dizendo “visto” e outro com o resultado – “autorizado”, “autorizado parcialmente”, “demorado” ou “proibido”. O noticiário proveniente do estrangeiro e do ultramar, chegava aos jornais através de teleimpressores instalados nas redacções e ligados às agências. Neste contexto, à Censura Prévia em 1933 (Decreto-Lei nº22469) competia “impedir a perversão da opinião pública na sua função de força social e deverá ser exercida de forma a defendê-la de todos os factores que desorientem contra a verdade, a justiça, a moral, a boa administração e o bem comum, e a evitar que sejam atacados os princípios fundamentais da organização da sociedade”(17). O rigor da censura torna-se, então, maior nos jornais desportivos, lidos por camadas populacionais geralmente pouco motivadas, do que por exemplo no "Expresso". A crítica global, a critica à lei, a utilização de certos termos e os próprios títulos das notícias são alvo do lápis azul da censura.
Até 1943, o início da Guerra em Espanha, a II Guerra Mundial e os regimes Nazi-Fascista, traduzem um aumento definitivo da severidade da censura. Neste período, todas as notícias eram cortadas, independentemente dos temas: «as principais instruções escritas enviadas pelos serviços da censura aos jornais até 1968 são as constantes de uma “circular urgente”, cujo conteúdo limita a imprensa apenas a uma função propagandística».
A substituição operada a 26 de Setembro de 1968 (período de Liberalização), na chefia do governo iniciou um importante período da história do regime com naturais repercussões na imprensa. A grave crise política e a subida de Marcello Caetano ao poder criaram entre os portugueses uma expectativa em relação aos passos do novo governo “uma evolução liberalizante”. A intenção de promover uma “informação tão completa e frequente quanto possível procurando-se estabelecer a comunicação desejável entre o governo e a nação” era apontada como o produto do novo Chefe de Governo em alterar o rigor da Censura Prévia. A imprensa começou a puder utilizar metáforas, muitas expressões enquadradas na visão esperançosa da situação, caricaturas em anedotas ilustradas, noticiário sobre a actividade dos sindicatos e inúmeros inquéritos. O noticiário proveniente do estrangeiro sofreu menos cortes e o regresso de alguns exilados é também motivo de destaque na imprensa. Após as eleições de 1969, Marcello Caetano anunciara, pela primeira vez, a intenção de publicar uma “lei de imprensa”, onde os jornais contrapunham o regime de censura a esta nova lei, o que significava o fim do arbitrário e do discricionário que a censura representava. Porém, a legislação da imprensa vigente em 1968, torna-se rapidamente um obstáculo à política do regime. Por outro lado, em diversos países, como a Grécia, o Brasil e a Espanha, a censura dá lugar a uma legislação repressiva, mantendo-se o mesmo controlo sobre a imprensa. Na Grécia, a censura é instituída em Abril de 1967. O Governo dos Coronéis ordena a prisão de milhares de gregos e suspende os artigos da Constituição, que prevêem as liberdades e garantias fundamentais. A futura lei de imprensa surge em Novembro de 1969. A censura passa a chamar-se exame prévio. Em Outubro de 1971, é decretado o código deontológico que regula a profissão de jornalista. No Brasil, a censura é instituída em Abril de 1964, após o derrube do governo de esquerda de João Goulart. Paralelamente, são apreendidas algumas edições de jornais e dadas rigorosas ordens às estações de rádio e de televisão. Em 1967, entra em vigor uma lei de informação que abrange os três meios de Comunicação Social (imprensa, rádio e TV). O artigo 1º da nova lei declara “liberdade de manifestação do pensamento e de informação”(20) e proíbe a censura. Em Espanha, a Censura Prévia data Abril de 1938, em plena Guerra Civil. A fundação de jornais é sujeita a condições prévias por meio de registos obrigatórios na Direcção-Geral de Imprensa. A censura é extremamente rígida. Em Março de 1966, surge uma nova lei de imprensa, que prevê a abolição da Censura Prévia, onde é obrigatório o depósito de todos os jornais no Ministério da Informação e Turismo meia hora antes da sua difusão. No entanto, a situação da imprensa volta a piorar com a reforma do Código Penal em Abril de 1967, isto é, assiste-se ao agravamento de prisões previstas para delitos de imprensa. As formas de controlo (administrativo) mudam, mas a opressão continua. Os regimes Nazi-Fascista afastaram a ideologia liberal da imprensa, que é considerada como ramo do serviço público. Contrariamente, a vitória dos Aliados e das Democracias Políticas na II Guerra Mundial modifica a situação. A liberdade de expressão e a ausência de censura são considerados os principais fundamentos de um regime Democrático e são incluídos nas declarações de direitos, característica esta do pós-guerra.
A 2 de Dezembro de 1970, o governo submete à Assembleia Nacional uma Proposta de Lei de Imprensa com o nº 13/X, antes porém, a 22 de Abril, já os deputados Sá Carneiro e Pinto Balsemão tinham entregue um Projecto Lei de imprensa com 18 artigos. A Assembleia nomeou uma Comissão Eventual para estudar os documentos. A 16 de Junho de 1971, foi divulgado um extenso Parecer, composto pela apreciação na generalidade (terminada a 29 de Julho), contendo análises da evolução das leis de imprensa no nosso país, Alemanha, Brasil, Espanha, Grécia, França, Itália e Uruguai e por um exame na especialidade do projecto e da proposta, seguidos da redacção sugerida pela Câmara Corporativa. A discussão da lei de imprensa ocupou 10 sessões. O prazo de seis meses concedidos pela Base XLI da lei do governo para publicar a regulamentação iniciou-se a 5 de Novembro, data em que o Chefe de Estado promulgou o decreto da Assembleia Nacional sobre a lei de imprensa que recebeu o nº 5/71. A 5 de Maio, o "Diário do Governo" publicara o Decreto-Lei nº150/72 contendo o Estatuto Jurídico da Imprensa, entrando em vigor a 1 de Junho de 1972, altura em que seria igualmente publicada a Portaria nº303/72 de 26 de Maio referente ao regulamento dos serviços do registo de imprensa.
O artigo 98º do Estatuto de Imprensa em vigor (Decreto-Lei 150/72) estipula que “a publicação de textos ou imagens na imprensa periódica pode ficar dependente de exame prévio, nos casos em que esteja decretado estado de sítio ou emergência”(21). O nº5 do mesmo artigo define que “o exame prévio terá por objectivo assegurar os fins visados na Base XIII na lei nº5/71 de 5 de Novembro”(22). No artigo 14º, não é “permitida a publicação dos escritos ou imagens que integrem crimes punidos na lei geral”(23). A Entrega Oficial das Publicações (três dias de antecedência como forma de Censura Prévia) consiste, segundo o artigo 59º, em enviar no dia da publicação, três exemplares à Direcção-Geral de Informação, um ao Governo Civil do distrito ou à Câmara Municipal do respectivo concelho e dois aos serviços encarregados de Exame Prévio e à Biblioteca da Assembleia Nacional bem como aos Serviços de Depósito Legal. Nos casos em que se cometam infracções ao estabelecido, a aplicação de multa é da competência do Secretário de Estado da Informação e do Turismo.
O artigo nº 11 dispõe que “o direito à utilização de imprensa abrange o direito de edição e constituição de empresas jornalísticas ou editoriais”(24). A Portaria nº303/72 de 1972 contém o regulamento dos serviços de registo da imprensa. O artigo 13, nº1 estipula que “o requerimento para o registo de empresas jornalísticas deve conter indicações prescritas no artigo seguinte e ser instruído com documentos comprovativos de estarem preenchidos os requisitos previstos nos artigos 17º e 19º do Decreto-Lei nº150/72 quando for caso disso”(25). O artigo 72º indica os requisitos do exercício de funções de director: ser cidadão português, estar no pleno gozo de direitos civis e políticos e possuir o curso complementar dos liceus. O carácter vago da Base IX da Lei 5/71 estipulava que “o direito de constituir empresas editoriais ou jornalísticas e de participar nelas, será regulado de modo a conciliar os direitos individuais e o interesse público”(26). A Repressão Administrativa impunha multas até 20.000 escudos e era da competência das autoridades administrativas, por crimes cometidos por via da imprensa. A Repressão Judiciária, segundo o artigo 180º nº3 afirmava que “o julgamento dos crimes cometidos através da imprensa será feito pelos tribunais competentes”(27) ou seja, os delitos comuns pelos tribunais ordinários e os delitos políticos pelos tribunais plenários de Lisboa e Porto. Paralelamente, ao nível da responsabilidade, se for publicado texto ou imagem não assinado ou assinado com pseudónimo, responderão como autores do eventual crime cometido por via da imprensa, os directores dos periódicos e os seus substitutos: o editor (da imprensa não periódica) e os redactores-chefes de secção. O artigo 113º (Decreto Lei nº150/72) considera crimes de imprensa puníveis com as penas correspondentes ao crime de desobediência qualificada “a publicação de impressos que não tenham sido submetidos a exame prévio, nos casos em que este seja obrigatório, ou nele tenham sido reprovados, a publicação de impressos clandestinos ou mandatos a apreender”(28). Com efeito, a Autoridade Administrativa só poderá proceder à apreensão “quando a urgência e a gravidade das circunstâncias o justifiquem”(29). O nº1 do artigo 78º estipula que “aos profissionais da imprensa periódica, no exercício das suas funções, é garantido o acesso às fontes oficiais de informação”(30). O artigo 81º nº1 estipula o Direito ao Sigilo Profissional: “os profissionais de imprensa periódica têm o direito de guardar segredo sobre a origem das informações ou noticias que publiquem ou transmitem…”(31). Segundo o artigo 33º (Decreto-Lei 150/72), para a Concentração de Empresas, “dependem de autorização conjunta do ministério das finanças e do secretário de estado da informação e de turismo…”.
Nas últimas décadas, é cada vez mais notória a irreversível caminhada dos meios de informação para a dependência dos Poderes Económico e Politico, no final do Estado Novo. Esta situação, traduz a tendência monopolista da informação, que não representa senão um conjunto de tendências para o monopólio no sistema capitalista. A constante necessidade de aperfeiçoamento dos jornais face à concorrência, obriga-os a aumentarem as despesas na produção de informação. É o recurso à publicidade, que mais reforça a integração dos jornais no mundo da competição e do negócio. Os recursos financeiros que possuem permitem-lhes comprar, igualmente, grandes quantidades de papel. O mercado torna-se exclusivo através do controlo de informação, influênciando esta na opinião pública. Assim, a informação deixa de ser uma técnica de formação da opinião pública para se tornar uma técnica de controlo, facto provocado pelo Poder Económico. Por outro lado, face à concentração de empresas jornalísticas, verifica-se uma diminuição no número de jornais, mas um aumento no número de páginas. A transformação do jornal “propriedade - de-família” em jornal “órgão de expressão do grupo económico”origina profundas alterações. Submetida a duas formas de censura, a prévia e a resultante de toda a sorte de pressões exercidas pelos grupos económicos, os jornais portugueses adquirem um novo estilo, diverso do comum: o diminuto e o facto de serem jornais de opinião, conferiu-lhes um público, que será tanto mais fiel quanto mais se acentuar a progressiva estandardização da Imprensa Diária: “A evolução da Imprensa portuguesa nos últimos anos é ditada quase exclusivamente pela progressiva dependência perante os grupos económicos e pela cada vez maior prioridade concedida à angariação de anunciantes”(33).
Conclusão
A censura, desde sempre, marcou os diferentes períodos da nossa história actuando principalmente sobre a imprensa, nomeadamente, durante a Implantação da República, Estado Novo (Salazarismo) e na época da Liberalização: “Cercear a expressão de pensamento, obrigar os informadores da população a omitirem notícias verdadeiras, reduzir a imprensa – a grande propulsora da civilização – a um simples repositório de factos e ideias que convêm apenas a quem detém o poder – que não é propriamente pessoal dos seus detentores, mas apenas uma função exercida por um mandato da Nação – fazer com que nós pensemos com a cabeça de uns tantos, anulando o direito de raciocinarmos e de apreciarmos os actos daqueles que são apenas nossos mandatários e não nossos donos…”.
A evolução da imprensa, antes e após o período do Salazarismo, altura em que a censura se mostrara mais rígida, também foi um grande marco na paisagem mediática: “à imprensa pertence o papel na acalmação dos espíritos, no esquecimento dos ódios e paixões, congregando os esforços de todos os portugueses para o bem da Nação. A luta irritante sem elevação nem critério, a campanha acintosa e apaixonada, geram desconfiança, o ódio e o atentado”.
A tomada de posse de Marcelo Caetano trouxe a esperança da liberalização a Portugal e à imprensa. No primeiro dia do seu novo cargo, este permite a entrada dos jornalistas no gabinete, depois de largos anos ocupado por Salazar. Foi a partir de 1969, que surgiu uma nova lei que punha fim ao arbitrário e discricionário. Iniciou-se para muitos, em Abril de 1974 a vitória pela liberdade de expressão e de pensamento, abafada durante décadas pela chamada Censura Prévia.


* CARVALHO, Arons - A censura à imprensa na época marcelista. MinervaCoimbra. 1999(1) CARVALHO, Arons - A censura à imprensa na época marcelista. MinervaCoimbra. 1999, pág. 13. (2), Idem, pág. 14. (3) Idem, pág. 15. (4) Idem, pág. 18. (5) Idem, pág. 20. (6) Idem, pág. 21. (7) Idem, pág. 27. (8) Idem, pág. 27. (9) Idem, pág. 29. (10) Idem, pág. 30. (11) Idem, pág. 32. (12) Idem, pág. 34. (13) Idem, pág. 38. (14) Idem, pág. 39. (15) Idem, pág, 40. (16) Idem, pág. 40. (17) Idem, pág. 45. (18) Idem, pág. 51. (19) Idem, pág. 58. (20) Idem, pág. 63. (21) Idem, pág. 74. (22) Idem, pág. 75. (23) Idem, pág. 75- 79. (24) Idem, pág. 99. (25) Idem, pág. 100. (26) Idem, pág. 101. (27) Idem, pág. 105. (28) Idem, pág. 107. (29) Idem, pág. 109. (30) Idem, pág. 111. (31) Idem, pág. 112. (32) Idem, pág. 115. (33) Idem, pág. 177.

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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A Ciência da Polis VI

Nesta sexta-parte recordamos o ideal político dos primeiros tempos.

Texto José Luís Maio fotografia Dina Cristo

No primeiro artigo deste trabalho foi dito que os governantes deveriam conhecer “de ciência certa”, isto é, com base na sua própria vivência, os quatro valores fundamentais – o Bem (Comum ou Geral), a Beleza, a Justiça e a Verdade –, para estarem nas melhores condições possíveis para dirigir os Estados. E porquê? Precisamente porque, se tais valores manifestam uma Realidade mais elevada, seja qual for a designação que lhe dêmos – “Deus”, “o Divino”, “o Absoluto”, “o Ser Infinito”, “a Vida Eterna”, “a Energia Una”, etc. –, esta Realidade inclui todas as formas e qualidades de ser e de consciência existentes no Universo, designadamente (para o caso que nos interessa) a Humanidade, colectivamente, e o ser humano, individualmente.
Ora, sendo o Reino Humano (o 4.º reino da Natureza) parte integrante do Divino, como os demais reinos, é evidente que os seus elementos constituintes, os seres humanos, possuem os mesmos atributos e qualidades do Ser Absoluto, “Aquele Acerca do Qual Nada Se Pode Dizer”, do mesmo modo como, de acordo com a Lei das Analogias ou das Correspondências, cada gota de água do oceano possui a mesma natureza e os mesmos elementos constituintes desse oceano (hidrogénio e oxigénio).
Quando está na posse das suas faculdades normais mais elementares, todo o indivíduo tende a relacionar-se de forma harmoniosa e pacífica com os seus concidadãos. O conflito, que dilacera a alma e nos faz sofrer com mais ou menos intensidade em todas as dimensões do nosso ser, é, portanto, uma excepção indesejável e um duro golpe no nosso equilíbrio físico, psicológico e espiritual. E, portanto, a atitude mais normal a tomar é procurarmos ver-nos livres desse estado de infelicidade o mais rapidamente possível, através dos recursos ao nosso dispor, para que possamos regressar ao “lar” (condição, atmosfera, “oikos”, raiz grega da palavra “ecologia”) da paz e, por meio da nossa capacidade inteligente, envolvida por esse estado de harmonia, criar realidades crescentemente globais e generalizadas de bem-estar pessoal, fraternidade grupal e bem-aventurança planetária.
Se todo o ser humano, enquanto exteriorização individualizada do Divino, possui dentro de si o Bem, a Beleza, a Verdade e a Justiça (ou melhor, ele próprio é uma expressão, mais fiel ou mais desvirtuada, desses valores universais e eternos), então um dos objectivos essenciais da nossa existência é a aquisição gradual de uma consciência cada vez mais elevada, até nos tornarmos uma “gota” consciente do “oceano” da Vida Divina omnisciente. Só assim poderemos legitimamente, um dia, afirmar – como fez o sábio judeu Jesus, mais exactamente Joshua Ben Pandira, há cerca de 2.000 anos – “eu sou” (uma ínfima centelha companheira numa fraternidade de Luz do Fogo Infinito de) “o Caminho, a Verdade e a Vida”.
De outro modo, andaremos eternamente à volta da nora, com a cerviz sob o jugo da opressão, da ignorância, da mediocridade e da estupidez, esbanjando e atrofiando as nossas melhores capacidades físicas, mentais e espirituais, sem outro fim que não seja o de perpetuar o sofrimento, o egoísmo, a miséria, a doença, a desconfiança, o ódio e a guerra. A insânia total dos “tempos modernos” teima em querer tirar-nos a genuína e pura alegria de viver. A sua única obsessão desvairada é pôr-nos a produzir, a vender e a comprar “bens” (ou males?) visíveis que nos vão apodrecendo o íntimo – os bens eternos e invisíveis da alma –, cujas salas, votadas ao mais completo abandono, pois nada colocamos lá que a faça revitalizar e despertar, acumulam poeira em vez de algo verdadeiramente digno. E aqui cada um de nós terá que fazer a sua opção de vida mais importante, pois, como nos adverte Morya, um grande sábio: “Sim, vós hesitais. Não estais bem certos de quererdes abdicar e servir, de quererdes servir já ou de quererdes ter coragem. Enquanto isso, o bem comum fica à espera; enquanto isso, a humanidade espera; enquanto isso, nós esperamos; enquanto isso, vós esperais. Sois a vergonha de vós próprios!...”(1).
A ignorância institucionalizada, que infelizmente se instalou em definitivo no psiquismo dos poderosos (agentes da mediocridade, da angústia, do medo e do sofrimento), só deixará de minar e fragmentar a sociedade se esta tiver a vontade determinada de se lhe opor através da sua inteligência lúcida e íntegra. Como já foi dito e repetido, o(s) poder(es) de hoje, curiosa e estranhamente – ou talvez não –, pretendem subrepticiamente banir dos programas escolares a sabedoria multimilenar inspiradora das civilizações de todas as eras e lugares. Será por acaso? A leitura (e a consequente reflexão que suscita) dos filósofos da Antiguidade fornece-nos inúmera informação sobre tudo o que está dito acima. Consta, aliás, de um dos livros do Antigo Testamento judaico-cristão, o Eclesiastes, o seguinte: “Todas as torrentes hibernais correm para o mar, contudo, o próprio mar não está cheio. Ao lugar de onde correm as torrentes hibernais, para lá elas voltam a fim de sair correndo. Todas as coisas são fatigantes; ninguém pode falar disso. O olho não se farta de ver, nem o ouvido se enche de ouvir. Aquilo que veio a ser é o que virá a ser; e o que se tem feito é o que se fará; de modo que não há nada de novo debaixo do sol. Existe algo de que se possa dizer: “Vê isto; isto é novo”? Já tem existido por tempo indefinido; o que veio à existência é de tempo anterior a nós…”.
Podemos justificar o acima exposto através de um pequeno exemplo que foi extraído do livro “Paidéia, A Formação do Homem Grego”, de Werner Jaeger, escrito em 1936. Nele, o escritor alemão comenta a obra "Leis", de Platão: “…A perspectiva de gozar um prazer ou sofrer uma dor move a nossa vida instintiva na forma de sentimentos de coragem e de medo; a reflexão valorativa indica-nos qual dessas sensações é melhor ou pior. Quando esta reflexão constitui um acordo comum da polis, damos-lhe o nome de lei. A alma só se deve deixar levar pelo fio macio e dourado com que o logos (a razão pura kantiana) a puxa e não pelos duros e férreos fios dos instintos. Quanto mais suave e menos violenta for a acção com que a reflexão guia a nossa alma, mais ela necessita de cooperação interior. Ora, … o fio do logos não é senão o que governa o Estado, sob o título de lei. Deus ou quem O conhece dá o logos à polis (sabedoria à comunidade) que o instaura como lei, a qual em seguida regula as relações da polis com ela própria e com os outros Estados. A obediência da alma ao logos é o que denominamos domínio de si…
Em "A República", a ideia do bem era concebida como o paradigma que o governante filósofo traz na sua própria alma. Nas Leis, o autor sente-se impelido a concretizar mais. Esta obra pressupõe uma Humanidade que quer saber exactamente o como e o quê, uma Humanidade que precisa de leis para todos e cada um dos detalhes da sua conduta. Nesta altura levanta-se o problema de saber como é que aquele logos divino encontrará o caminho para descer até ao Homem e converter-se em instituição política. Platão parece pensar, indubitavelmente, em qualquer forma de assentimento da colectividade, mas para ele é decisivo que se faça legislador da polis um indivíduo que conheça o divino. Nisto não faz mais do que seguir o exemplo dos grandes legisladores do passado. Os Gregos costumavam apelidá-los de homens divinos, título que cedo foi conferido ao próprio Platão. No tempo deste, mais de uma cidade grega pediu a algum filósofo para elaborar leis para o Estado. O protótipo destes legisladores, intermediários entre os deuses e os homens, é Minos, que falava com Deus. A sabedoria dos legisladores gregos está muito próxima da revelação… Fica, naturalmente, de pé a afirmação de que o órgão através do qual recebe o conhecimento do divino não é outro senão a sua razão. A sua visão não brota do êxtase e os conceitos religiosos de inspiração e entusiasmo, que Platão usa em outras obras para descrever o estado de espírito do filósofo, são por ele modificados no sentido de uma visão espiritual que constitui a meta final da trajectória dialéctica. Contudo, do ponto de vista daqueles que, sem serem filósofos, têm o dever de aceitar como lei o conhecimento do governante filósofo, este tipo de argumentação mal se distingue da revelação divina…”.
Noções e conceitos como “domínio de si”, “logos” (o nous grego, o atman hindu, a vontade espiritual no Ocidente, a intuição num certo sentido), “alma”, “instintos”, revelam-nos claramente a sabedoria superior (“divina”) e o domínio da mais elevada ciência psicológica de Platão – ainda hoje quase desconhecida e tão mal compreendida – quando, na fase final da sua vida, escreveu as "Leis".
Também graças a ele, poderemos já hoje perscrutar facilmente o futuro através da avaliação dos regimes actuais. Na época em que Platão viveu, já a famosa democracia ateniense agonizava, pois havia enveredado por caminhos que os nossos actuais legisladores e governantes teimam em conservar.
De facto, vemos o extracto seguinte, retirado da obra de Werner Jaeger: “… Referimo-nos ao paralelo que Platão estabelece entre o mau legislador e o médico de escravos, que corre de um enfermo para outro e, sem se dar ao trabalho de alegar razões nem de investigar a fundo cada caso, dá rápido e ditatorialmente as suas ordens, que retira, por hábito, da tradição alheia e da própria experiência. Comparado com ele, o médico que se dedica a tratar de cidadãos livres parece um filósofo. Fala aos enfermos como a discípulos que importa levar conscientemente ao conhecimento de um fenómeno. O médico de escravos não compreenderia nunca esta complicada maneira de instruir o doente e diria ao colega, se ele o escutasse: tu não tratas os doentes; tu educa-los, antes, como se em vez de curá-los te propusesses fazer deles médicos. Pois bem: é ao nível do médico de escravos que todos os legisladores actuais se encontram, diz Platão. Não são autênticos médicos, porque não são educadores. E é para isso que tendem todos os esforços de Platão nas Leis: conseguir um legislador no mais elevado dos sentidos, isto é, um verdadeiro educador dos cidadãos. A diferença entre esta maneira de conceber a sua missão e a do legislador corrente revela-se no desprezo dos preceitos legais de tipo usual, que outra coisa não fazem senão prever determinadas penas para determinados casos. Assim, é demasiado tarde que o legislador intervém, pois a sua missão mais importante não consiste precisamente em castigar as transgressões, mas em evitar que elas sejam praticadas. Ao dizer isto, Platão segue o exemplo da ciência médica, cuja tendência cada vez mais nítida daquele tempo era encarar como verdadeiro objecto da sua acção, não o homem enfermo, mas o homem são…”
E ainda: “… Mas se é certo que Platão concorda claramente em aceitar o preceito espartano que a todos os cidadãos impõe como dever supremo a defesa da pátria, nem por isso as Leis deixam de perseguir um objectivo maior e mais fundamental: o de encontrar a norma última da virtude e da perfeição humana… Às quatro virtudes da alma que Platão aqui apresenta como bens divinos devem submeter-se os bens humanos: saúde, força, beleza e riqueza. Onde os bens divinos são cultivados, também os bens humanos são servidos; onde, porém, só aos segundos se atende, perdem-se uns e outros ao mesmo tempo. Como já Teógnis dizia da justiça, os bens superiores têm sempre implícitos os bens ou virtudes inferiores. E a verdadeira unidade que os engloba todos, os divinos e os humanos, é a phronesis (3), a arete (4) do espírito… O ideal de coragem espartano não conhece outra educação a não ser a que se destina a desenvolver no homem a firmeza diante do medo e da dor, ignorando a que visa a resistência às tentações do prazer. Eis uma falta de coerência, que se traduz na fraqueza do homem perante os apetites… O ateniense impugna a pederastia dos Dórios como uma degeneração antinatural da vida sexual sã e censura o desregramento sexual das mulheres de Esparta… Agora é frequente chamar paideia (5) à formação em qualquer tipo de actividade e é assim que falamos da formação ou falta de formação na profissão de tendeiro ou de navegante ou em quaisquer outras manifestações do género. Mas se encararmos a paideia do nosso ponto de vista, isto é, do ponto de vista do educador que aspira a instilar no Estado um determinado ethos, um espírito colectivo que o enforme todo, deveremos, ao contrário, entender por cultura a educação para a arete, que se inicia na infância e estimula no homem o desejo de vir a tornar-se um cidadão perfeito, apto a mandar e a obedecer de acordo com os ditames do que é justo. Nenhum outro tipo de formação, que se refira apenas a especialidades, pode em rigor ostentar o nome de cultura, de paideia. Todas elas são manifestações banais, que visam o lucro ou qualquer aptidão ou conhecimento concreto e carecem de princípio directivo espiritual e finalidade recta, ou então são simples meios ou instrumentos…”.
Assim, e em referência à própria época de Platão, já degradada, lemos: “… A autêntica paideia, que sempre fora a formação do Homem na arete total, surgia desintegrada numa série de aptidões especiais, sem um objectivo que as unificasse. À verdadeira paideia, que opõe à simples formação profissional, chama ele o cultivo da perfeição humana…”.
Pode haver um texto mais actual que este, com cerca de dois mil e quinhentos anos?
É precisamente para que haja um consenso unânime em torno da constatação efectiva de estados superiores de vida e de consciência, que urge a chegada ao poder de dirigentes que conheçam (por os terem vivido) o Bem, a Beleza, a Justiça e a Verdade. Já é tristemente longa e profunda a experiência humana no que respeita àquilo que os gregos designavam por pleonexia, a ganância pela riqueza material dos senhores (melhor será dizer escravos) do poder.
(1) Sementes e Pérolas, Centro Lusitano de Unificação Cultural, Lisboa, 2.ª edição, 1996, pág. 54. (2) capítulo 1, 7-10. (3) A razão pura, o nous, a intuição. (4) Virtude. (5) cultura, formação, educação.

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quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Profissão: informador


Quando passam esta Sexta-Feira 65 anos sobre a criação da Pide, publicamos uma entrevista a Eduardo, nome fictício - um agente da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (Novo), entre 1970 e 1974.


Texto António Miguel Ferreira fotografia Dina Cristo


Como foi o Eduardo parar à Pide?

Basicamente por razões económicas mas também de poder. Tinha 25 anos e o desejo de ser alguém. Os meus pais só tinham migalhas para pôr na mesa. Mas basicamente era a sensação de poder. Um informador recebia cerca de 300 escudos, na altura, esse dinheiro por mês não era nada pouco. Fui convidado por um amigo do meu pai, inspector da Pide, e não demorei dois segundos a aceitar o convite. Além disso, a partilha do poder numa ditadura era muito apetecível. Houve casos de pessoas que apresentavam crachás da Pide a fingir, e que diziam que eram da Pide; chegaram a ser presas pela própria Pide, porque estavam a usurpar a autoridade.


Havia muitas pessoas a oferecerem-se para informadores? Quantos eram esses agentes?
Com os agentes do Ultramar, talvez fossem quase 3.000 efectivos. E este número não é nenhuma enormidade. Não se esqueça que Portugal ia do Minho a Timor. Não eram muitos atendendo que Portugal era muito mais vasto devido às colónias.

Qual era o seu papel como informador? Quais eram as suas funções?
Há que distinguir dois tipos de informadores: aqueles que fornecem informações por entenderem que o devem fazer, sem terem sido solicitados para tal e sem exigirem qualquer pagamento, e aqueles que, como em qualquer Estado e em qualquer polícia, fornecem informações para ganhar umas coroas, ainda que sejam indivíduos bem formados. Porque também há informadores angariados na ralé, como são quase todos aqueles que colaboram hoje com a Polícia Judiciária: a gatunagem, os traficantes de droga, que se denunciam una aos outros. Nenhum Estado sobrevive sem informação. Ora, sem informadores não há informação. Por isso, como qualquer polícia, a Pide também tinha informadores, inclusivamente no Partido Comunista. Agora, se me pergunta qual o peso que esses informadores tinham dir-lhe-ei que eles eram catalogados de acordo com a qualidade das informações. Havia indivíduos cujas informações batiam sempre ou quase sempre certo e outros cujas informações não tinham qualquer veracidade. As minhas informações sempre primaram pela veracidade.

Como era processado o pagamento aos funcionários da Pide?
Atenção que eles tinham de apresentar trabalho. Muitos informadores inventavam "informações". Ao fim de um tempo, se a Pide verificava que aquilo não tinha interesse nenhum, punham-nos a andar. Mas a partir do momento em que começavam a apresentar trabalho e estavam bem situados, especialmente se tinham relações com a oposição - o que interessava à Pide era relações com a oposição e/ou gente organizada mesmo dentro do Partido Comunista -, nessa altura, passavam a receber semanalmente. Havia muita corrupção. Houve elementos da Pide que em vez de pagar aos informadores - aquilo vinha sempre de uma espécie de "saco azul", os serviços de assistência ou serviços reservados - muitas vezes ficavam com uma parte. Havia muitos informadores a queixarem-se, a escreverem cartas - algumas chegaram a Salazar - a dizer: "Então eu sou informador e estou a receber muito menos; acho que ele se está a abotoar com o meu dinheiro".

A Pide não tinha uma mão demasiado pesada contra quem ia contra as ideias do regime? A tortura não era uma prática recorrente utilizada pela Pide?
Claro que não. Um dia vi na televisão uma velhota a mostrar as cicatrizes causadas por queimaduras de cigarro que lhe haviam sido feitas pelos torcionários da Pide. Uns dias depois, a mesma velhota dizia nos jornais que recebera 40 contos do Partido Comunista para mostrar as queimaduras, que afinal foram provocadas por azeite a ferver num acidente doméstico. É que com estas mentiras que se faz a história! Olhe, eu servi na GNR e na Pide. Onde eu vi grandes sovas foi na GNR. A Pide era uma polícia semelhante à de muitos outros países democráticos. A França tinha o SDECE e o DST, a Inglaterra tinha o II5 e o DI6, os Estados Unidos da América tinham e têm a CIA e o FBI. Todas estas polícias faziam ou fazem ainda investigação, informação, espionagem e contra-espionagem. Afinal, éramos diferentes em quê? Fazíamos escutas telefónicas? Fazem-nas hoje todos os serviços de informação dos países democráticos. E Portugal não é excepção! Com estas atordoadas de tortura e de escutas telefónicas que se lançam para o ar ninguém repara que hoje mesmo se está a formar uma nova polícia à escala mundial que, utilizando meios informáticos poderosos e altas tecnologias, controla facilmente a própria vida privada de cada um de nós. Mas como tudo é feito em nome da democracia, ninguém parece estar muito preocupado... Os horrores da Pide continuam a ser propagados para justificar a revolução e esconder as misérias destes últimos 25 anos. Não fomos nada do que dizem. Fomos, sim, uma das três melhores polícias do mundo. Prestámos relevantes serviços ao país.

E a tortura era o meio de descobrir a verdade?
Era uma das formas. Mas só se praticava tortura em raríssimos casos. Só quando tudo o resto falhava…

O Eduardo participou em alguma acção de tortura?

Sim, numa meia-dúzia. Mas em nenhuma delas se utilizaram queimaduras e muito menos se despiram as mulheres. Há um ou outro relato, muito raro, de que colegas meus faziam queimaduras de cigarro, e a não ser num caso de mulheres presas do Couço em que humilhações directas de carácter sexual foram utilizadas, desconhecem-se testemunhos nesse sentido. A Pide insultava as “companheiras” de tudo quanto havia, mas não as despia. Também se utilizava a privação do sono; o recorde foi de um jovem engenheiro, comunista, mantido desperto durante um mês. Cometeu o suicídio após a sua libertação. Os tectos das celas tinham altifalantes que difundiam sons ruidosos e terrificantes, ou por vezes os choros e soluços de suas esposas e os filhos. As refeições eram servidas de modo deliberado. O pequeno-almoço podia chegar às 16h, e o jantar a meio da noite. Não existiam relógios e as celas não tinham camas.

A censura era uma das armas com que o regime contava para se defender. Quer explicar como se processava? Tinha algum manual que deveria seguir?
Tínhamos algumas linhas orientadoras que éramos convidados a seguir. Mas eram geralmente os agentes mais velhos que ensinavam os novatos.

E o famoso lápis azul?
O "lápis" começou como protecção do golpe militar de Gomes da Costa, iniciado em Braga e transformou-se no guardião da ideologia "Deus, Pátria e Família", que regia a ditadura que se vivia. Era com o "lápis azul" que se decidia aquilo que o país deveria saber, através da imprensa, rádio, televisão, livros, cinema, teatro, música, pintura, ou de qualquer outro meio de divulgação da criatividade humana.

O que procurava a Pide apagar, não deixar que chegasse aos ouvidos e aos olhos do povo?
Tudo o que fosse contra o regime e a sua estabilidade. E os meios de comunicação eram os veículos que precisavam de ser controlados. As artes também não poderiam passar despercebidos. Penso que a Pide cumpriu essa missão. Pouca informação ofensiva chegava ao povo. A longevidade do Estado Novo deve-se em grande parte à acção da Pide.

A Comunicação Social deveria ser um instrumento de propaganda. Então considera que a Pide conseguiu controlar as vozes revolucionárias que emergiam na imprensa?
Sim, sem dúvida! Como disse pouca informação desaglutinante escapou ao controlo da Pide.

A Comissão de Censura era competente?

Sim, sem dúvida. O que escapava não podia ser controlado. À comissão de censura pertenciam homens de grande visão. A censura era obra da sua inteligência.

Mas não havia muita informação proibida a circular?

Refere-se a informação clandestina. Sim, chegavam muitos livros e panfletos clandestinos. Mas não tanta como dizem. Um ou outro livro chegava ao nosso país pelas mãos de comunistas.

Na sua opinião entre a imprensa, a rádio e a televisão, qual foi o meio que cumpriu melhor a sua missão? Qual o que melhor a Pide conseguiu controlar?

Penso que a televisão serviu plenamente os interesses do regime. A imprensa foi o mais difícil de controlar. Havia muitos jornalistas e revolucionários com ideais comunistas nas redacções, e tornava-se muito difícil controlá-los. Mas mesmo assim penso que a missão da Pide alcançou claramente os seus objectivos.

A Pide foi apanhada de surpresa quando se deu o 25 de Abril?
A ideia que eu tenho é que não sabia o dia, e aí o Otelo tem todo o mérito, porque depois das Caldas da Rainha, em que eles apanham toda a gente, convenceram-se que tão depressa não ia haver outro golpe. O golpe das Caldas foi muito bom para o 25 de Abril, porque eles aprenderam o que não se devia fazer. E a Pide pensou: "agora não nos vamos preocupar com estes, porque estes estão inutilizados". E isto, ainda por cima, foi transmitido a todos os serviços secretos. A CIA chegou até a tirar os dois ou três agentes que cá tinha, porque pensava que durante um tempo não ia haver nada. A Pide sabia que se preparava qualquer coisa, mas não soube do dia 25 de Abril. Mas acho que isso tem a ver - e isso ainda está tudo por investigar - com saber se havia, digamos, recrutas dentro da DGS que fossem mais spinolistas. Porque depois também ninguém esperava o processo revolucionário que se seguiu. Aquilo era um golpe militar. Os presos não estavam para sair todos...

Eduardo, conheceu pessoalmente Salazar?


Sim. Conheci-o. Ao seu lado respirava-se tranquilidade e confiança. É um dos dias de que nunca me esquecerei. E Portugal deve muito a ele. E o povo português ainda recentemente o reconheceu ao proclamá-lo o maior português de sempre. Acompanhou a polémica à volta da inauguração de um largo com o nome de Salazar em Santa Comba Dão? Acompanhei e senti vergonha. A história de hoje não pode esquecer a história do passado. Como um amigo meu dizia é mais honesto baptizar a ponte Salazar com o nome ponte 25 de Abril?

Como vê o Portugal contemporâneo?

Como um navio à deriva. Um navio que ameaça naufragar há três décadas. E não vejo ninguém que possa devolver à nossa pátria a auto-estima e a grandeza que outrora possuíamos. Estamos a caminho da bancarrota. Este não foi o Portugal que o Dr. Salazar sonhou. Se fosse possível Salazar regressar ele não quereria vir. Não temos agricultura nem indústria, nem pescas, e com a maior onda de roubalheira de todos os tempos. E a censura parece tão ter estado tão viva como hoje. Só que actualmente ela é mais descarada!

Alguma das pessoas que denunciou morreu às mãos da Pide?

… Prefiro não responder.

O Eduardo dorme hoje com a consciência tranquila?

Sim… procuro dormir.

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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Nutrição inteligente


Antes do Dia Mundial da Alimentação, este Sábado, lembramos a necessidade de se incluir na dieta nutrientes como as algas ou os óleos vegetais, a pressão a frio e crus, para uma nutrição mais racional.

Texto Alberto Suarez Chang

A levedura de cerveja é uma fonte de proteínas completas. Contém 15 dos 20 aminoácidos de que necessitamos para fabricar todas as proteínas indispensáveis ao bom funcionamento do nosso organismo. Sobretudo indispensável para quem decida ter um regime vegetariano já que pode complementar os aminoácidos carentes na soja e outros grãos. Contém uma boa quantidade de quase todas as vitaminas do complexo B, principalmente thiamina, riboflavina, niacina, ácido pantoténico, piridoxina, biotina e ácido fólico.
Os sintomas da deficiência deste importante complexo incluem fadiga física e mental, perda de apetite, irritabilidade, nervosismo, depressão, problemas de pele, fissura dos lábios, etc. Também contém traço de minerais essenciais como ferro, zinco, selénio e crómio. Principalmente deste último a levedura é uma das suas mais ricas fontes. O crómio é um co-factor essencial para a actividade e eficácia da insulina, portanto fundamental para o metabolismo da glucose.
A insuficiência deste tipo de micro-elemento (que acontece com frequência com o consumo de hidratos de carbono refinados) eleva o nível de açúcar no sangue, produz hipoglicémia, intolerância de glucose nos diabéticos, endurecimento das artérias, aterosclerose e problemas no metabolismo de aminoácidos.
(Micro)algas
As algas - verdes, vermelhas (nori) ou castanhas (laminárias, wakame, kombu, etc.) e praticamente todas as algas comestíveis - contêm uma grande concentração de vitaminas, tais como B1, B2, B3, B12, C e caretenóides. A vitamina B12 ou cyanocobalamina, essencial para o crescimento do tecido nervoso da mielina e para a formação de glóbulos vermelhos, é encontrada pela primeira vez em fontes não animais. Também contêm uma importante quantidade de minerais. Em algumas delas representam entre 10 e 30% do peso da alga seca; de todos eles, talvez o iodo seja o mais importante.
O iodo actua sobre a tiróide para a produção de certas hormonas que asseguram o processo metabólico normal do organismo. Tanto a sua deficiência como o seu excesso podem bloquear o seu bom funcionamento e produzir o bócio, hipertiroidismo ou hipotiroidismo e toda uma série de problemas relacionados com isto. O iodo orgânico das algas é um excelente protector contra substâncias radioactivas como o strontium 90 e o iodo radioactivo 131, posto que bloquearia a sua absorção por competição. De todas estas algas, o kelp, da espécie das laminárias, vem sendo utilizado em terapia nutricional devido à sua grande concentração de outros traços de nutrientes essenciais, como hidratos de carbono, proteínas, vitaminas e minerais (principalmente iodo, magnésio, potássio, cálcio, fósforo, ferro e zinco).
As algas também contêm polisacarídeos como os alginatos que são utilizados eficazmente no tratamento de úlceras e queimaduras. Outro componente, o ácido algínico, é usado em processos de desintoxicação de metais pesados como chumbo, mercúrio e cádmio, assim como protector contra radiações de strontium. Entretanto, descobriu-se um componente polisacarídeo sulfatado, chamado fucoidan, com propriedades antitumorais (responsável pelo baixo risco de cancro no seio no Japão), anticoagulantes e fibrilíticos. Outro composto activo, o sulfato dextran, tem propriedades anti-virais (desactiva o vírus da herpes simples) e anti-microbiano de amplo espectro. E, por último, o cicloendesmol, um composto antifúngico utilizado contra a cândida albicans.
Devemos mencionar aqui três micro-algas realmente importantes por conter uma grande quantidade de substâncias nutricionais e terapêuticas: a chlorella, a spirulina e a alga “azul-verde” (aphanizaomenon flos aquae).
A chlorella pyrenoidosa é uma alga verde unicelular, com um altíssimo conteúdo de clorofila (28,9 g por kg) e vitaminas (C, beta caroteno, B12 e todo o complexo B), minerais (fósforo, magnésio, cálcio, manganês, zinco e cobalto), ácido lipóico, ácidos nucleicos, proteínas completas 60% (todos os aminoácidos em boa proporção à excepção de metionina), enzimas e outras substâncias terapêuticas como o glicolipidio chlorellin, que demonstrou possuir uma actividade antiviral, imunoestimulante e antitumoral pela sua indução à produção de interferon 10 e a activação das células B e T (linfócitos).
A chlorella, graças à clorofila, estimula a formação de eritrócitos no sangue e acelera a produção de fibroblastos, as células responsáveis pela cicatrização de feridas. Os derivados de clorofila inibem as enzimas proteases, responsáveis pela inflamação e outros danos que causa a pancreatite. Também a clorofila tem uma actividade “lipotrópica”, ou seja, estimula a excreção de colesterol. Por último, a chlorella tem uma grande capacidade de desintoxicação de metais pesados, como o cádmio 14, mercúrio, urânio e chumbo. Assim como também remove pesticidas como o polychlorbiphenyl (PCB) e insecticidas como o chlordeconel.
A spirulina máxima é uma micro alga unicelular que pertence ao grupo das cyanophyceae que crescem sobretudo nas superfícies de lagos de água alcalina. Tem uma das percentagens mais altas de proteínas completas (60%), ou seja, possui todos os aminoácidos em proporção correcta. É uma das fontes mais extraordinárias de vitamina B12 (duas vezes mais do que o fígado) e de uma quantidade significativa de outras vitaminas do complexo B, principalmente a thiamina (B1) e riboflavina (B2). Contém também a provitamina A: betacaroteno e outros 16 diferentes tipos de caretenoides. Tem uma boa proporção de ácidos gordos essenciais ou poli-insaturados ómega-3, ómega-6 e gamma linolenic acid (GLA) assim como grandes quantidades de phicocyanins (estimulante do sistema imunitário), glicolipídeos, sulfonolipídeos, rhamnose e muitos minerais tais como magnésio, ferro, potássio, etc. Terapeuticamente utiliza-se em casos de vitaminose, úlceras, hipoglicémia, deficiência do sistema imunitário e prevenção de tumores.
A alga “verde-azul” pertence ao mesmo grupo de micro algas que a spirulina. Crescem na água fresca do lago Klamath, uma remota área ao Sul do Oregon (EUA). Como a spirulina, esta alga contém mais de 60% de proteínas completas, clorofila, betacaroteno, complexo B (sete vezes mais de B12 do que a spirulina) e toda a gama de minerais.
O gérmen de trigo é o embrião do grão, contém todos os recursos vitais que permite que uma nova planta se desenvolva. É rica em vitamina B (B1:1,7mg/100gr; B2: 03mg/100gr, B3, B6: 1mg/100gr, ácido fólico 398mcg/100gr)), vitamina E, aminoácidos como lisina (1,660mg/100gr) metionina, minerais como ferro (9,1mg/g), magnésio (285mg), fósforo (1,044mg) ou zinco (13,2mg) e proteínas (28g/100gr).
O pólen é uma fonte de vitalidade muito rica de vitaminas, ácidos aminados e proteínas pré-assimiladas. Pode-se usar com outros adaptogénicos como regulador energético.
Óleos vegetais
As gorduras, em várias formas, são outro dos factores nutricionais que o nosso organismo necessita para funcionar correctamente. Alguns deles, os ácidos gordos essenciais (ómega-3 e ómega-6) produzem substâncias biológicas de capital importância sem as quais o nosso organismo não funciona. Grosso modo, poderíamos classificar as gorduras em três tipos: saturados, monosaturados e poli-insaturados.
As saturadas encontram-se maioritariamente em produtos animais como a manteiga de porco, derivados lácteos (queijo e manteiga), carne e em menor grau nos vegetais, com a excepção da manteiga de coco. As monosaturadas encontram-se principalmente representadas no azeite de oliveira. O azeite tem que ser extraído a frio, só através de processos mecânicos, e não refinado para ser denominado “virgem”. Só assim podemos aproveitar as suas componentes medicinais, como o ácido oleico, vitamina E, squalene, phytosterols e caretenoides - todos eles protectores de enfermidades cardiovasculares e tumorais. Por último, os poli-insaturados são todos os óleos vegetais (em estado líquido à temperatura ambiente) provenientes do milho, girassol, colza, sésamo, soja e outros.
Os ácidos gordos essenciais pertencem a este tipo de gordura, contudo, nem todos os poli-insaturados são essenciais: alguns óleos vegetais podem sofrer alterações perigosas, sobretudo quando são refinados, processados com calor ou utilizados para frituras. Os ácidos gordos essenciais dividem-se em dois grupos: o ácido linoleico (ómega-6), presentes principalmente nos óleos de girassol, milho e soja, e o ácido alfa linoleico (ómega-3) que se encontra em maior proporção no óleo de linho, e em menor percentagem no óleo de soja, avelãs, nozes e abóbora. Este ácido alfa linoleico converte-se no nosso organismo em ácido eicosapentaenoico (EPA, que se encontra em boa quantidade nos peixes de água fria, salmão, atum, trutas e cavala) e este ácido, por sua vez, converte-se numa importante hormona, a prostaglandina E-3. Muitíssimos estudos hoje em dia demonstram que o consumo destes peixes reduz significativamente o risco de enfermidades cardiovasculares. Por sua vez, este ácido linoleico transforma-se em ácido gama linoleico (desde que não encontre nenhum bloqueio na sua transformação) e este ainda, por sua vez, em “prostaglandina E-1. O ácido gama linoleico encontra-se presente nos óleos extraídos de plantas como borago officinalis e primula veris.
A actividade biológica dos ácidos gordos essenciais é vastíssima, contudo, alguma dela tem de ser mencionada. Eles formam parte da membrana celular, contribuindo para a sua fluidez e transportando oxigénio através das membranas assim como o crescimento e divisão celular; formam parte do tecido nervoso, afectam o desenvolvimento e função cerebral (incrementa a capacidade de aprendizagem), moderam as emoções, aliviam as depressões e equilibram a hiperactividade infantil. As prostaglandinas E-1 e E-3 são anti-inflamatórias, estimulantes do sistema imunitário (infecções) e moderam os problemas auto-imunes (como diabetes ou artrite reumatóide).

Atmosfera relaxada

O ruído ao qual estamos expostos quase todos no quotidiano é um dos factores mais esgotantes e perturbadores do sistema nervoso. No momento de almoçar ou jantar deveríamos apagar a televisão ou o rádio, baixar o volume do telefone (principalmente não atender) e distanciarmo-nos o mais possível de todas as fontes de ruído que ultrapassem os 60 decibéis (um restaurante que dê para a rua passa dos 80 decibéis). Então, devemos procurar o lugar mais tranquilo, harmonioso e confortável para podermos comer.
Por menos ideal ou bonita que possa ser a casa onde vivamos deveríamos sempre tratar de nos rodear de cores agradáveis e da beleza das plantas e flores. Por outro lado, deveríamos evitar comer quando estivéssemos apressados, ansiosos, irritados ou com falta de apetite. Ao comer em tais condições não se mastiga nem se saliva a comida apropriadamente e, por isso, a digestão perturba-se e dá origem a uma série de problemas gástricos, tais como gases, acompanhados de uma sensação de peso e sonolência o resto do dia. E, por último, os pratos têm que ser apresentados esteticamente de forma que sejam apetecíveis aos olhos.
Água pura
Não nos esqueçamos de que somos constituídos por uns 70% deste importantíssimo elemento: algo assim como 40 litros, dos quais 25 litros estão dentro das nossas células e 15 litros fora delas, no fluído extra-celular e no sangue. Esta quantidade deve permanecer aproximadamente constante para não afectar o equilíbrio metabólico. Em condições normais, perdemos no mínimo um litro de água e, dependendo do clima ou do tipo de actividade, como desportos, podemos perder um pouco mais de um litro e meio. Por isso devemos ingerir a cada dia pelo menos um litro e meio. Um défice de oito litros, o que só acontece com mais de seis dias de privação, pode ser fatal.
A composição da água varia de acordo com a fonte de onde provém. Algumas terão um conteúdo rico em magnésio, outras em cálcio, outras terão traços de lítio, etc. Infelizmente, a água encanada que bebemos contém também – assim como o ar e a terra – uma grande quantidade de substâncias tóxicas. Estas provêm em primeiro lugar das infiltrações que sofrem as camadas de água subterrânea, de pesticidas, herbicidas, fertilizantes (nitratos), detergentes, solventes e outros derivados petroquímicos. Em segundo lugar pelo material de canalização temos metais pesados como o chumbo e o cobre. E finalmente pelo tratamento que sofrem as águas potáveis como o sulfato de alumínio e cloro piora a sua toxicidade e muitas pessoas começam a ficar sensíveis a isso.
Para resolver este problema temos três alternativas. A primeira, reabastecer-se numa fonte de água que esteja o mais longe possível de qualquer indústria. Isto é um privilégio para uma grande maioria. A segunda, comprar garrafas de água mineral ou de fontes cuja composição química e bacteriológica estejam na etiqueta. E, por último, utilizar um filtro profissional, como o de “reverse osmosis”, que remove absolutamente todos os pesticidas, cloretos, metais pesados e micróbios. Só que também remove minerais importantes como o magnésio, cálcio e outros, portanto ter-se-ia que tomá-los como suplemento.
A “toxicidade” interna tem como primeira causa a acumulação de tóxicos do meio ambiente no nosso corpo. O ar que respiramos nas grandes cidades contém finas partículas de mil substâncias poluentes, a água da rede contém químicos perigosos.

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quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Vida minúscula


Uma vida heterónoma e existência controlada - errónea, diria Wayne Dyer - são alguns efeitos da necessidade de ser aceite e motivo para reflexão antes do Dia Mundial da Saúde Mental, este Domingo.

Texto Elton Rodrigues Malta desenho* Dina Cristo

Não sei se já reparaste, mas as tuas acções e movimentos estão muito limitados. Às vezes até podes pensar que os fios não existem devido a não os veres, mas na verdade eles estão lá e bem firmes. Se estiveres atento vês que os fios são a opinião dos outros. Não te queria dizer que és uma marioneta, mas repara bem nos teus comportamentos, escolhas e pensamentos, ou melhor, na falta deles. Devido à tua ânsia de seres aceite, numa situação ou noutra, há sempre alguém que controla a tua vida. Agora foquemo-nos nesse domínio e vejamos se não és uma marioneta: se esse alguém te puxa para cima tu olhas para o céu, já te sentes num nível superior aos teus semelhantes. Se o teu dono brinca contigo, danças e dás pulos, alegre pelo destaque, e enérgico enquanto tens os teus momentos de protagonismo. Contudo, se o patrão te larga a mão bates em quem tens mais perto, ou não é verdade? Se cais, ficas à espera que te levantem e se não te conduzem ficas estático sem qualquer tipo de iniciativa.
Tu não te vestes, simplesmente vestem-te, eles determinam o teu estilo, e este depende do papel que querem que representes. Já reparaste que não tens voz? Mas eles podem emprestar-te… se estiveres disposto a propagandear as suas ideias. Tu estás dependente dum superior que te controla, superior esse que se encontra escondido, ninguém o vê. Não queria ser mau, mas no fundo vives uma vida em miniatura. Talvez seja por isso que tudo o que fazes na vida tem o objectivo de te tornar grande e vistoso.
Não é obrigatório que sejas uma marioneta. Também podes ser um fantoche. Reflecte no facto de bastar não seres novidade para já não servires. Se vêem que tens defeito, já cais na inutilidade, já não vais servir para ser o principal. Mas o problema é que te fizeram para o seres. Fazes a tua vida para um público, a tua vida é um teatro, é só representação e show off, no fundo vives para o espectáculo. Tu até sabes que o cenário é só aparente mas continuas a viver para ele. Inúmeros fantoches já representaram esse papel, mas tu repetes, pois os donos são os mesmos e os seus objectivos também… É por isso que tu ages tal e qual como querem, não passas de um boneco nas suas mãos, tratado como objecto, descartável. Acabas por ser um fantoche, vazio, que dá permissão que invadam o teu interior.
Será que tens vida própria? Achas que tens uma vontade e que conduzes a tua vida? Ou és apenas um boneco subjugado? A diferença entre ti e as marionetas e fantoches é que eles não escolhem ser manipulados.
* Anos 70

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