quarta-feira, 28 de julho de 2010

Vida grupal

Ao completarmos três anos de actividade, mergulhamos - antes da pausa no mês de Agosto em todas as secções - num livro escrito pelo autor da corrente de Informação Solidária, que nos inspira. Em 1985, perante o perigo nuclear, Carlos Cardoso Aveline propõe uma transformação pacífica, e pela base, para um novo modelo social, político e económico (d)e uma vida comunitária auto-sustentável.

Texto Dina Cristo

A macro-economia, da sociedade industrial, deverá dar lugar à micro-economia, da era da informação e da ajuda mútua. O pressuposto da escassez de recursos, da sociedade patriarcal, e a ideia de luta, de espécies, de classes e de atenção no seio famíliar (considerada a única fonte legítima de contacto e que se reflecte no complexo de Édipo e de Electra) favoreceu a sociedade baseada na competição. A repressão emocional (carência expressa pela arte) e sexual (de modo a evitar o incesto) gerou separatividade e frustração. O poder é, então, exercido contra o outro, num modelo hierárquico, de dominação e manipulação.
O jornalista brasileiro mostra como, ao contrário desta percepção e citando os estudos de Kropotkin, de 1907, a selecção natural, entre os mais aptos, se deu entre aqueles em que a ajuda mútua venceu (o egoísmo e a preguiça). A competição enfraqueceu as espécies, ao contrário da cooperação, inata, que lhes aumentou a possibilidade de sobrevivência e lhes proporcionou um mais alto desenvolvimento. Referindo casos concretos, o autor afirma «Os mais astutos e inescrupulosos, que alguns darwinistas descreviam como vencedores, são eliminados para dar lugar aos indivíduos que compreendem as vantagens da vida social e do apoio mútuo» .
A sociedade que promove o distanciamento, a desconfiança, a inimizade, na tradição dos grandes impérios, impôs a padronização, a uniformização, a concentração, a centralização (nomeadamente da produção) e gerou uma vida escravizada, sem sentido (de que são efeito as taxas de suicídio), fragmentada, isolada e de sobrevivência. Espalhou a destruição, do Ser Humano (individual e colectivamente), da Natureza e da própria Terra.
O autor, ecologista, explicou algumas das principais ameaças ecológicas e o desequilíbrio ambiental entretanto gerado. De forma documentada decifrou as interacções entre a desmineralização dos solos, o excesso de substâncias químicas, como o CO2, a desflorestação e o perigo de uma Nova Era Glacial (para regeneração dos solos, entretanto esgotados neste final de Era Inter-Glaciar, temperada) e os sinais ora de frio e seca, com desertificação, ora de inundações, nas zonas tropicais, gerando mais refugiados e o colapso agrícola.
Como problema central, a fome (também de nutrientes e de afecto), a desnutrição dos países do Terceiro Mundo, por falta, mas também do Primeiro, por excesso. A necessidade de alimentação, lembra no início do seu segundo livro editado, ou o medo da fome é uma fonte de conflito que, para além de desvitalizar o Ser Humano, lhe provoca sofrimento, faz aumentar a fertilidade (como mecanismo de compensação e de sobrevivência da espécie), conduz à guerra e provoca inúmeras mortes.
A sociedade de imposição, que obrigou a pagar impostos aos Senhores, niilista e sem esperança, exclui o Ser Humano da própria vida e da vida em si, envenena-o, literalmente, e sujeita-o a integrar exércitos de guerra, até à irracionalidade geral. «Não há sentido em trabalhar dentro das máquinas burocráticas que dificultam, com regulamentações e controles inúteis, a vida do cidadão comum de carne e osso. Não tem sentido manter uma civilização que engendra doenças degenerativas pela má alimentação sistemática da população e produzir remédios químicos que tendem, a longo prazo, a piorar ainda mais a saúde do povo. Não faz sentido produzir tantos automóveis particulares que, primeiro, desperdiçam o petróleo cada dia mais caro; segundo, poluem o ar lançando o CO2 que nos ameaça; terceiro, criam crises de engarrafamento no trânsito; e quarto, matam milhares de pessoas em acidentes de tráfego (…)» .
Alternativas
O cenário de catástrofe levou o autor a procurar soluções, teóricas e práticas. Primeiro, a constatação de uma nova percepção do mundo, mais variada. A visão holística, mais integral, ecológica, mais inter-relacional, e informática, mais reticular, levaram a uma nova concepção da realidade, do mundo, da Natureza e da Humanidade. Com o aumento dos perigos, cresce também o conhecimento sobre as ameaças à vida e começa a nascer uma nova consciência sobre (o respeito pela) biodiversidade e, ao mesmo tempo, unidade dos seres vivos - concepções que facilitam o (re)surgimento do princípio da cooperação.
Actualmente editor do site de Filosofia Esotérica desenvolve a sua presença ao longo da evolução humana. Desde as tribos, passando pelas aldeias livres de povos como os Celtas, até às cidades-livres na Idade Média ou mesmo aos cantões da Suíça. Em comum, a vida comunitária, autónoma, baseada na co-gestão, co-operação e entre-ajuda, na decisão e construção colectiva - paciente, humilde e anónima. Um modelo democrático, abafado pela sociedade industrializada e burocrática, da série e dos números, que parte do princípio de que o Ser Humano é mau e o mundo não presta, correspondente ao dos deuses-Céu, de Jean Shinoda Bolen, assente no medo e na coação.
Olhando para os problemas globais, o autor propõe uma transição, pacífica, construtiva, de baixo para cima, no âmbito da responsabilidade individual, como salienta Johannes Hasenack, em posfácio. O objectivo é gerar confiança na capacidade colectiva de transformar a realidade, devolver a esperança e mobilizar para a acção efectiva, aqui e agora. Ensaiar experiências de novos modos de vida, mais humanos, desde o quintal ao local de trabalho, passando pelo bairro, correspondentes ao emergir do paradigma dos deuses-Terra, da referida autora, apoiado no amor, na coragem, na liberdade e na solidariedade.
Antes de mais a alteração da premissa para a abundância de recursos: há terras disponíveis suficientes para que todos tenham uma dieta adequada. A fome é resultado de uma capacidade alimentar má distribuída e não motivada por constrangimentos técnicos, como enfatiza actualmente o Projecto Vénus. Os países do Terceiro Mundo, ao produzir o que interessa às grandes potencias, descuraram a agricultura de subsistência. África, onde há milhões de pessoas a agonizar, possui mais de metade das terras cultiváveis sem utilização da Terra.
A resposta está, segundo Carlos Aveline, na descentralização da produção. Uma escala mais próxima, ao nível local e regional, municipal ou comunitário, que permita a identificação entre produtor e produto, evite os meios de transporte e produza mais e melhores alimentos. As hortas têm um papel de destaque. Caseiras, comunitárias, escolares ou hospitalares, os horticultores actuam simultaneamente ao nível da agricultura, da saúde, da educação e da alimentação; o excesso é doado, a outros grupos, ou escoado para as cooperativas, estruturas essenciais no sistema comunitário, algumas fundadas pelos antigos trabalhadores de fábricas falidas. As empresas familiares, como as fazendas europeias, também são revalorizadas.
Economia solidária
Trata-se da retoma da produção doméstica, trabalho - e não emprego - que se conjuga com lazer e prazer, devolvendo não só ao homem mas também às crianças, às mulheres e aos velhos liberdade, criatividade, tempo e significado daquilo que fazem. Resultados mais eficientes e uma atitude mais construtiva, sustentável, solidária e também mais simples, em que a pobreza é vista como a via moderada e desejável, entre a miséria e o luxo.
Praticando uma agricultura natural, localizada e de subsistência garante-se a saúde, o sustento e a preservação do meio ambiente. O reequilíbrio ambiental através, sobretudo, da reflorestação, nomeadamente com árvores nativas, sementes locais e pomares colectivos, e da remineralização, designadamente com pó de cascalho rico em minerais das rochas formadas durante a última Era Glacial. Com o solo esgotado por falta de minerais «(…) as florestas, que além de purificar o ar, evitam a erosão, conservam o solo, regulam o clima, dirigem o ciclo de evaporação e precipitação das águas (…)» enfraquecem, secam, ficam mais vulneráveis aos incêndios e não conseguem eliminar o CO2 da atmosfera.
Funções agrícolas, de protecção ambiental e também de assistência social, como é o caso do Exército da Paz do Sri Lanka, podem passar a ser a actividade normal dos exércitos, que se devem tornar, primeiro, populares, como no caso da Suíça, e, depois, serem reconvertidos para actividades produtivas. Organização autoritária, perigosa e inútil, à volta da guerra, sangue coagulado da ferida da violência, o exército é castrador de jovens, fiéis à Mãe-Pátria e fonte de insegurança internacional, defende Carlos Aveline, para quem a paz se atinge pelo Bem-Estar geral e segurança mútua e não pelo armamento.
Em causa está a revalorização do pensamento de Gandhi, renascido no Movimento Gramdan, liderado pelo seu discípulo Vinoba Bhave, e depois recuperado por A.T. Ariyaratne, através do Sarvodaya Shramadana, um movimento de libertação ao qual estavam associadas, nos anos 80, cerca de dois milhões de pessoas. O desafio é reconstruir a sociedade à margem das instituições burocráticas e do aparelho estatal centralizado. Voltar a viver a virtude, a simplicidade voluntária, o desenvolvimento local, com base na cooperação, no amor e na unidade, sob o princípio da diversidade, da inclusão e da participação.
Hoje parecem-nos naturais, mas estas ideias foram percepcionadas há 25 anos em plena corrida ao armamento e ao capital financeiro internacional. A Economia Solidária, budista como então lhe chamava o autor, teósofo, afirma o valor da vida e reinventa-a de forma mais proveitosa, reduzindo o desperdício, a poluição, as doenças, os acidentes, devolvendo às pessoas a esperança, a confiança, a criatividade, a autonomia, a alegria e a acção. Uma oportunidade para ultrapassar o pensamento bi-polar, superar os modelos europeus ou norte-americanos e fazer a síntese integradora, numa sociedade grupal que exerça o poder (de agir) com o outro, exalte a afinidade e amizade e recupere a unidade profunda com a Natureza, preservando a individualidade entretanto conquistada.

i AVELINE, Carlos Cardoso – Aqui e Agora – para viver até ao século XXI, Editora Sinodal, 1985, pág. 36. ii Idem, pág. 116. iii Idem, pág. 62.

Etiquetas: , ,

domingo, 25 de julho de 2010

A Ciência da Polis IV



Hoje - quando festejamos exactamente três anos de existência - publicamos a quarta parte do habitual ensaio mensal, com sugestões para a elaboração de um Código Deontológico Político.

Texto José Luís Maio fotografia Dina Cristo

Não há necessidade de se recorrer à explicação exaustiva da constituição interna ou oculta do ser humano para se compreender que a actividade política deverá ser lúcida e esclarecida para que possa cumprir os seus reais desígnios, pois afigura-se demasiado óbvio que os níveis superiores (porque eternos) de consciência – 1.vontade espiritual, 2.intuição (ou amor/sabedoria búdico ou crístico) e 3.mente superior ou abstracta - ou 1.atma, 2.buddhi e 3.manas – estimulam-nos, na nossa acção concreta, para o Bem Comum e para a Unidade (a unanimidade livre e consciente, não o unanimismo) entre os homens, enquanto que os níveis inferiores (porque efémeros) de consciência, pelo contrário, induzem-nos à concretização egoísta dos nossos desejos, interesses e caprichos mesquinhos, nem que daí resulte prejuízo para os demais.
Seja-me permitido fazer aqui uma pequena observação a respeito do conceito “intuição”. A maioria dos indivíduos que utilizam no seu discurso esta palavra, nomeadamente os nossos agentes políticos e a “elite” social, económica e financeira, usam e abusam desta palavra sem fazer a menor ideia do seu real significado. Para eles, a intuição confunde-se com palpite, pressentimento, presságio. Ora, a estes conceitos está subjacente o nosso quarto princípio, o duplo emocional-mental inferior (kama-manas na terminologia sânscrita), de natureza egoísta e pessoal. Assim, um pressentimento possui quase sempre a influência egocêntrica ou individualista do nosso eu mortal, também chamada personalidade (de persona, a máscara que os actores gregos usavam nas suas peças), ou quaternário inferior.
A intuição [dos étimos tueri (ver) e in (em, dentro), isto é, acção de ver directamente, ou dentro de], pelo contrário, “permite apreender, por comunicação directa, a verdade ou natureza íntima dos seres, dos fenómenos, das situações ou das coisas, e vivenciar um amor transpessoal, desinteressado, inegoísta e dirigido ao Todo em cada uma das suas partes – e não apenas a algumas partes ou pessoas”. Assim facilmente compreenderemos por que se chamou “Cristo” a Jesus e “Buda” a Siddartha Gautama; é que eles, por esforço individual, adquiriram, no seu percurso evolutivo, a “consciência crística, búdica ou intuitiva”.
Assim, “os partidarismos sectários” deverão estar ausentes dessa tão nobre e digna actividade, pois, os agentes políticos, deixando-se conduzir por um “emocionalismo cego”, arriscam-se a ficar com a sua razão lúcida (a “razão pura” kantiana, intuição) gravemente toldada e afectada.
Para tal, na ausência de uma urgente e lúcida politica educativa e visto que ninguém nem nenhuma instituição suprapartidária – uma analogia da “selecção nacional” da política – detém legitimidade para avaliar e fazer cumprir os objectivos (programas) que os representantes dos eleitores submeteram a sufrágio nas campanhas, parece fazer sentido instituir-se uma espécie de Código Deontológico do Político.
Será fácil descobrir uma fórmula que vincule os seus destinatários, os agentes políticos de facto empenhados em servir o Bem Comum, pois é a Lei do Sacrifício (dos étimos “sacro” e “ofício”, ou “trabalho sagrado”, que nada tem a ver com a criminosa Inquisição, o “Santo Ofício”) que deve reger os sujeitos da actividade política; e a resistência de alguns denunciaria imediatamente o egoísmo, o mercenarismo, o oportunismo, ou o dolo a que ainda estão escravizados: “…Os políticos deveriam encarar o seu trabalho, estritamente, como um esforço altruísta e desinteressado – abdicando (sacrificando), pois, das conveniências, comodismos e vaidades pessoais, em prol do contributo para o Bem Comum” (1).
O surgimento de cidadãos imbuídos de uma consciência altruísta, lúcida e empenhada e animados de uma vontade espiritual inquebrantável na defesa dos legítimos direitos de cada cidadão aglutinaria todas as boas vontades de um modo surpreendentemente simples. Por exemplo, já decorreram mais de dois milénios desde que o “divino” Platão nos legou um conjunto de normas, princípios e valores, que, a serem postos em prática (salvaguardadas as devidas e inexoráveis transformações civilizacionais e “revoluções” psicológicas, económicas, etc., entretanto ocorridas), contribuiria decisivamente para a implantação de uma democracia participativa (em vez de uma obsoleta e meramente representativa). Desde o planeamento social, em todas as suas vertentes, como a natalidade, a educação e a instrução, até à sabiamente hierarquizada institucionalização dos departamentos sanitário, judiciário, político, produtivo e comercial, nada foi deixado à mercê da mediocridade, do oportunismo e mesmo daquele velho acaso ou azar que nunca protege todos os cidadãos.
Desde a “utópica” (?) obra “A República” – ainda hoje, apesar de tudo, pedra angular do que de mais elevado e digno encontramos nas constituições e organizações mundiais (de acordo com investigadora portuguesa de Estudos Clássicos, Maria Helena da Rocha Pereira) – até às “Leis” – apogeu da notabilíssima herança platónica, seu último e inacabado trabalho, enriquecido por uma vida longa, fecunda e repleta das maiores aventuras e desventuras –, os políticos tocados pelo lampejo intuitivo que sempre esteve ao serviço dos grandes vultos da história universal encontrarão pistas e sugestões para as suas mais nobres reflexões, decisões e acções.
Ética política
Para elaboração do Código Deontológico do Político, adiantam-se algumas sugestões, retiradas do tema supra, “A Política”:
1. “É inadmissível e aviltante que alguém possa considerar a possibilidade de exercer um cargo governativo ou de direcção de um movimento político como uma forma de preencher e melhorar o seu curriculum pessoal ou de ampliar a sua fortuna material.”
2. “Quase identicamente inaceitável é que alguém se recuse a prestar a sua colaboração numa actividade governativa (que, de qualquer modo, não é mal remunerada em nenhum país do mundo) pelo facto de ser mais bem pago numa (outra) profissão – e não por se discordar da orientação vigente, por se reconhecer menos capaz para desempenhar aquelas funções, ou por estar empenhado noutra esfera de trabalho que igualmente concorra para o progresso da Comunidade”.
3. “O mesmo postulado de sacrifício por um Bem Maior deve implicar a coragem de propor ou executar as medidas mais convenientes à realização dos valores mais elevados e globalizantes, mesmo correndo o risco de serem mal interpretados por alguns – ou muitos –, numa apreciação imediatista ou superficial”.
“Não é fácil ter essa coragem. Sim, parece bastante difícil ter vistas largas, evitar uma excessiva susceptibilidade às críticas (sem, ao mesmo tempo, incorrer num processo de indiferença), não valorizar demasiado um julgamento imediatista. Especialmente assim é quando, num regime democrático, se está não só dependente de resultados eleitorais como, também, condicionado pela força da opinião crítica dos meios de comunicação social e pressionado pelos diversos grupos que integram o tecido social, com as suas diferentes perspectivas e os seus diferentes interesses. A concepção democrática de exercício do poder político é, em si mesma, generosa, digna e cheia de virtualidades ainda por desenvolver. Antes de tudo, o grande passo em frente que representou, no evoluir da história das ideias políticas, é o reconhecimento do valor, da respeitabilidade e da igualdade fundamental de cada ser humano, do que decorre a noção de um todo participado pelas unidades que o constituem. Contém desde logo, é certo, um problema de raiz: a uma igualdade de direitos (nomeadamente, o direito de votar), não corresponde uma igualdade de níveis de consciência, de esclarecimento, de lucidez, de amadurecimento interior, de sentido e capacidade de responsabilidade. Por isso, como resulta evidente, muitas “opções democráticas” podem ser relativamente cegas e, de um certo ponto de vista, pouco recomendáveis (em todos os casos, porém, correspondendo a uma autodeterminação colectiva). Numa outra perspectiva, todos os chamados sistemas democráticos necessitam de amplíssimas reformas, quer no sentido de explorar as referidas virtualidades, quer no sentido de superar inúmeros vícios que os distorcem (começando no condicionamento que, na prática, existe quanto à possibilidade de certas ideias e propostas serem generalizadamente conhecidas). Esse caminho reformista deve pautar-se, sempre que possível, por um ritmo prudente e seguro. As atrocidades monstruosas, os crimes contra a Humanidade praticados num passado recente – e até hoje – em sistemas totalitários não podem, de modo nenhum, ser esquecidos. Recomendam, por isso, um caminho de especial equilíbrio e bom senso, para que não sobrevenham convulsões excessivas, que possam ser aproveitadas pelos violentos (e até certo ponto perigosos) estertores das ideias ditatoriais, racistas e fundamentalistas”.
4. “Devem os agentes políticos explicar serena e lucidamente as suas opções, substituindo o populismo fácil e demagógico pela necessidade de que todos compreendam a dificuldade das escolhas, quando nelas se tem de sacrificar alguma coisa – e sempre assim acontece”.
“Na verdade, a actividade política representa uma via de unificação – ou seja, de implementação de impactos globalizantes sobre estratificações diversas – que, implicando constantes e renovados nivelamentos, sempre descontentará os interesses imediatos e superficiais de algumas partes do todo sobre que incide. Tais interesses particularizados ou sectoriais devem ser respeitosamente ponderados e, dentro de princípios de justiça relativa, concatenados da forma mais correcta e equilibrada possível; mas onde se tem de distribuir bens ou recursos quantitativamente relativos, não pode deixar de haver abdicações relativas. Mas elas serão melhor compreendidas e mais facilmente aceites se forem explicadas com clareza e acompanhadas da desassombrada ideia de que, para além dos aparentes sacrifícios parcelares, são todas as partes que acabam por beneficiar quando o todo, globalmente, se potenciar”.
5. “A função governativa não se deve considerar esgotada com a tomada de decisões e sequente aplicação de medidas concretas, no uso de um poder de autoridade. Tal deve ser ideal e substancialmente complementado pela apresentação de propostas de verdadeiro progresso – assentes na solidariedade activa e voluntária, numa ampla fraternidade, numa ética feita de inegoísmo pessoal ou grupal – que sejam deixadas à consideração íntima dos cidadãos e à sua livre escolha individual. A filantropia generalizada, inteligente e continuada (não uma pequena e ocasional caridade esmoler) deve ter lugar proeminente”.
6. “Também à imprensa cabe uma enorme responsabilidade no aperfeiçoamento do processo político”.
A imprensa, “antes de tudo, deve questionar-se acerca da legitimidade em reclamar uma conduta eticamente credível, quando não exige de si própria esse mesmo requisito. Deve igualmente questionar-se sobre se, à limitação do poder político, não se deve suceder uma limitação do poder da imprensa. Não se trata de restrições à liberdade de imprensa ou à liberdade de informar, mas sim o direito de todos os cidadãos a serem informados de modo rigoroso, sério, verdadeiramente pluralista e, no que respeita à objectividade dos factos, efectivamente imparcial.
A liberdade de imprensa é uma liberdade importante, mas não deve ser absolutizada, a partir do momento em que possa pôr em causa outros direitos e outras liberdades (do mesmo modo como, num exemplo máximo, a liberdade de acção de cada um deve cessar no ponto em que ponha em causa o direito à vida de outrem). Seguramente que não contribui para o aprofundamento (e necessária renovação) da democracia o facto de os critérios economicistas (de audiências e tiragens) condicionarem ou impedirem a possibilidade de algumas ideias se darem a conhecer (sequer como existentes) e serem suficientemente explicadas – em contraste chocante com as amplíssimas oportunidades que a outras se concedem. Tão-pouco é justo que tal aconteça em nome de critérios jornalísticos. Podem até eles estar bem fundados nas regras estritas da correspondente profissão; todavia, esta é apenas exercida por uma escassíssima minoria de cidadãos. Assim, num mundo crescentemente mediático…, importa conciliar a formulação de leis (e de necessárias compensações) com uma consciência mais universalista dos responsáveis pelos meios de informação, para que exista uma efectiva democraticidade e pluralidade.
Numa outra perspectiva, é indubitável que um jornalismo que coloque digna e elevadamente as questões globais – em vez de alimentar a baixa política e à custa dela prosperar – representa um importantíssimo contributo para sanear e aperfeiçoar a vida política. Esse aperfeiçoamento incide, indissociavelmente, quer nos sujeitos activos da política, quer no público em geral, pelo que maior relevância assume ainda”. Importa ainda considerar “a necessidade de se atenuar a exagerada ênfase dada à actividade política e aos seus protagonistas predominantes. Tal não deve ser substituído por frivolidades mas pela justa e adequada atenção a outras esferas de acção, de conhecimento, de criatividade e de construtividade do ser humano.
Evidentemente que a intervenção política pode significar uma relevante forma de se contribuir para o progresso humano e a participação nessa esfera torna-se mesmo um dever (na medida de cada um) quando estiverem em causa valores fundamentais, como, por exemplo, impedir o avanço das ideias ou das práticas de racismo e xenofobia; porém, não constitui o único meio digno e credor de reconhecimento de se intervir na sociedade ou de se expressarem e proporem ideias e conceitos, ao contrário do que quase se pretende fazer crer. A nova atitude a propor não contribuirá apenas para fomentar uma abertura (e impedir um estreitamento) da aplicação da inteligência humana; tenderá também a diminuir o apelo que a actividade política exerce junto de inescrupulosas ambições e desenfreados oportunismos”.
7. “O grande objectivo a assumir pelos estadistas e políticos de todo o mundo deve ser o da gradual mas progressiva integração e solidária unificação entre os diversos estratos populacionais que constituem cada nação e entre as diversas nações que constituem a Terra”.
“Tal implica, necessariamente, o esbatimento do desnível entre os privilégios de uns e as privações de outros; implica o esbatimento de classes económicas e sociais, de nacionalismos separatistas e antagonismos de toda a espécie. Deve, entretanto, ser feito com o máximo de respeito possível pela liberdade própria de cada indivíduo, de cada região, de cada país e sempre com uma atenciosa consideração pelas especificidades próprias de cada um. Em muitos casos, a melhor forma de contribuir para a unificação e a solidariedade global (evitando o irromper de rivalidades e ódios recalcados mas não superados) pode ser, justamente, o reconhecimento mais formalizado e institucionalizado dessas especificidades, correspondendo a uma ideia de descentralização. De resto, jamais a verdadeira unificação mundial pode ser atingida através da dominação, da tirania, do esmagamento e da opressão económica ou militar. A unidade de que falamos é uma unidade baseada na liberdade e na participação; na soma enriquecedora de diversidades e não na sua eliminação (menos, ainda, por meios impositivos ou artificiais). Não preconizamos um mundo a uma só cor mas, sim, uma harmónica policromia”.

(1) In As Novas Escrituras, vol. IV, “A Política”, do Centro Lusitano de Unificação Cultural, 1996.

Etiquetas: , ,

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Ética comunicacional em Salazar?


A quase quarenta anos depois da morte de Salazar, publicamos um artigo, escrito há 14, sobre a entrevista “Panorâmica da política mundial” dada a Serge Groussard e publicada no jornal “Le Figaro”(1).

Texto Dina Cristo

A qualidade ética comunicacional pressupõe a existência de simetria, de reciprocidade e do argumento pragmático-transcendental.
De acordo com o primeiro pressuposto, a simetria, os falantes possuem o mesmo nível de informação bem como a mesma capacidade cognitiva. Estas duas condições, embora se possam admitir enquanto idênticas, sugerem um nível de aceitação mais complexo.
Não obstante se concorde com uma análoga dimensão intelectual por parte do, então, presidente e do jornalista, torna-se mais problemático afirmar que as suas capacidades são as mesmas, quer a nível intelectual quer a nível informativo.
Quanto à informação, não é fácil admitir que ambos possuem o mesmo nível, se a entendermos no sentido mais vulgar, de transmissão de dados.
Salazar tem um conhecimento de background e dos últimos factos relativos à nação portuguesa, inerentes às suas próprias funções. Serge Groussard demonstra, no entanto (até pela natureza da sua profissão) um conhecimento informativo do que se passa em Portugal e nas colónias portuguesas. O jornalista francês questiona a ‘tranquilidade’ das “possessões portuguesas” em África e na União Indiana, a ditadura e a censura, entre outros problemas pertinentes, o que leva Salazar a elogiá-lo: “Pelo que vejo, já está informado” (2).
É provável a legitimidade para supor um nível informativo semelhante, mas duvidoso se substituirmos o mesmo adjectivo por igual. É improvável que o nível de informação, por mais próximo, não seja diferente. Assim, quer relativamente à quantidade quer em relação à qualidade da informação, não são igualmente dominadas pelos dois interlocutores.
Quando Groussard informa o leitor que declarou a Salazar que a leitura do Livro Branco, publicado pelo governo português após a II guerra, lhe permitiu compreender a relação próxima entre Portugal e a Inglaterra durante o conflito (3), bem como o momento em que se refere à recordação da experiência do seu pai, enquanto coronel, na sua passagem por Lisboa (na página seguinte), revela um determinado nível de informação necessariamente diferente de Salazar, uma vez que a percepção da realidade e do contexto são diversamente assimilados por cada indivíduo.
Como afirma Adriano Duarte Rodrigues, o mundo cognitivo é constituído por um vasto conjunto de fenómenos nem sempre percepcionados da mesma forma. Nem tudo é igualmente manifesto aos interlocutores e pode não o ser no mesmo grau.
Este problema que conduz à improbabilidade da comunicação, abordada por autores como Luhmann, foi assim descrito por Sperber & Wilson: “O fato que a comunicação conheça fracassos é normal; aquilo que é misterioso, o que precisa ser explicado, não são os fracassos da comunicação, mas os seus sucessos” (4).
Nesta perspectiva, é essencial distinguir entre o papel da informação (alguém torna conhecido do seu interlocutor algo que até então este não sabia) e da comunicação (troca de conhecimentos já previamente partilhados): “Enquanto a informação visa à constituição de um mundo cognitivo ou de um saber comum, a comunicação pressupõe a existência prévia de um mundo cognitivo ou saber mútuo” (5).
Reciprocidade
De acordo com o segundo elemento de uma comunicação com qualidade ética, qualquer pessoa pode participar no discurso. Esta concepção, desenvolvida por Jurgen Habermas, concede possibilidade a qualquer indivíduo, que deseje participar no discurso, de o fazer, expressando as suas opiniões, desejos e necessidades, problematizando alguma afirmação ou introduzindo uma nova declaração.
Neste que não é um discurso "tout court", o conceito de Habermas é susceptível de uma análise, mas com uma aplicação restrita, à situação particular da entrevista, feita com a presença de duas pessoas (6). Neste caso, só o entrevistador e entrevistado podem, de facto, atingir um desempenho participativo. Quando Salazar afirma a Groussard que “somos uma pequena potência colonial”, o jornalista problematiza de alguma forma lembrando que as “(…) possessões ultramarinas se elevam a 2.160.000 quilómetros quadrados, com 12 500 000 habitantes” (7).
Groussard introduz novas afirmações, nomeadamente quando contrapõe: “A situação é diferente no que respeita às antigas colónias, de imigração, como os actuais Estados Unidos ou a Austrália. Nestes países, foram os colonizadores que se separaram da mãe-pátria; botões que desabrocharam noutros céus” (8).
Nesta entrevista, Serge Groussard vai mais longe e expressa mesmo as suas opiniões: “Julgo que as pequenas nações já não ficam silenciosas nem ignoradas nos debates internacionais” (9). O jornalista francês apresenta traços físicos, psicológicos e intelectuais de Oliveira Salazar, ao mesmo tempo que retrata as suas reacções (10).
Salazar é parte essencial neste acto discursivo particular, até pelo seu papel peculiar de alguém que está numa determinada situação espaço-temporal para que as suas opiniões possam ser ouvidas. Ele utiliza, pelo menos, as regras da razão referidas por Robert Alexy (11).
Oliveira Salazar expressa as suas convicções, nomeadamente as de que não se considera um ditador, não reconhece o direito à greve, não acredita na liberdade mas nas liberdades, tal como não crê na igualdade mas sim na hierarquia.
Se se considerar o conceito de que qualquer pessoa pode participar no discurso, numa acepção mais lata, torna-se irrealizável. De facto, neste caso só as duas pessoas envolvidas na entrevista podem intervir, ficando a participação dos demais limitada a uma leitura posterior.
Pragmática transcendental
O terceiro pressuposto da qualidade ética comunicacional é o argumento de autoridade. Convenção e evidência são elementos que António Oliveira Salazar integra no seu discurso. A tradição, por um lado (12), e a prova de autoridade natural, por outro (13), estão presentes intensivamente ao longo da entrevista.
Segundo a teoria do discurso, de Robert Alexy, a predisposição para o debate está estritamente ligada à tolerância. A prontidão para uma certa discussão, se entendida enquanto questionamento, rejeita uma associação com “potenciais consequências totalitárias”, refere o autor. De acordo com a mesma teoria, as declarações normativas (julgamento valorativo e /ou obrigatório) são justificáveis e susceptíveis de avaliação sobre a sua verdade ou falsidade.
O princípio da não contradição, da sinceridade e o terceiro, segundo o qual cada interlocutor deve usar todas as expressões com o mesmo sentido, constituem as regras básicas da referida teoria.
O primeiro princípio, relativo à lógica, e que tem no discurso racional um objectivo fundamental, é cumprido durante a entrevista, sendo os argumentos expostos de forma coerente. É o que sucede ao considerar Portugal um país pequeno e com pouca influência (14).
Já o princípio que asseguraria a sinceridade (15) é de difícil averiguação tendo somente como base o documento. No entanto, num discurso realizado em 1940 sobre “Fins e necessidade da propaganda política”, Salazar prenuncia a sua crença na opinião pública como um elemento fundamental da política e da administração do país (16).
A regra que estabelece o uso (por diferentes locutores) de expressões com um sentido único não é cumprida, na íntegra. Durante a entrevista ambos os intervenientes explicitam qual o significado que atribuem a uma expressão (17) ou a uma palavra (18). Com visões do mundo distintas, os dois interlocutores utilizam verbos com sentidos diferentes, tentando, no entanto, durante o “acto discursivo” chegar a um determinado consenso (19).
Prática ideal

Os diversos elementos até agora descritos remetem, assim, para uma “situação discursiva ideal” de que fala Habermas: a procura da igualdade, universalidade em discursos sem coação. Habermas – tal como Apel – argumenta que é possível a existência de ética numa comunidade ideal de comunicação.
Contudo, as condições são susceptíveis de questionamento. No campo factual, por exemplo, é impossível que todos os virtuais falantes discutam todos os assuntos, sem qualquer tipo de restrições.
A entrevista do presidente Salazar ao “Le Fígaro” contém várias características que apontam para uma qualidade ética comunicacional, embora relativa. O documento corresponde, na maior parte das vezes, ao exigido para adquirir tal estatuto.
As afirmações normativas (julgamentos valorativos e obrigatórios) estão implícitas ao longo de todo o texto. Apesar de não estar expresso verbalmente, subentende-se o que é considerado bom – como o nacionalismo, o colonialismo e a propaganda – e o que se deve fazer: o imperativo de lutar pelo desenvolvimento das colónias. Tudo é justificável e sujeito a comprovação da sua veracidade ou falsidade. Contudo, não existe participação no discurso, que é praticamente um monólogo transmitido a um destinatário, que não possui o mesmo nível de informação (20).


(1) SALAZAR, António Oliveira - Panorâmica da política mundial in Discursos e notas políticas, Coimbra Editora, vol.V. (2)- Idem, p.28. (3)- Idem, p.34. (4)- RODRIGUES, Adriano Duarte - As dimensões da pragmática da comunicação, Rio de Janeiro, Diadorim, 1995, p.142. De acordo com Sperber & wilson, a intenção comunicativa é uma intenção informativa de segunda ordem, pois além do saber comum, implica o saber mútuo - saber que o locutor dabe que o alocutário sabe... (5)- Idem, p.148 (6)- De acordo com a definição proposta por Orlando Raimundo, a entrevista é um encontro de um jornalista com uma pessoa em particular para recolher as suas opiniões e reflexões, as quais só têm sentido e importância quando ditas por ela. (7)- SALAZAR, António Oliveira - Panorâmica da política mundial in Discursos e notas políticas, Coimbra Editora, vol.V. 2, p.10. (8)- Idem, p.15. (9)- Idem, p.8 (10)- Um extracto, na página 11, elucida sobre essa concretização: "As sobrancelhas espessas do Prof. Salazar franziram-se ao de leve. Dizem que é muito nervoso, como aliás todos os pensadores que amam a solidão. Contudo, até este momento nada denunciara nele uma quebra de serenidade. Dir-se-ia que algo de hermético se oculta através da sua aparente impassibilidade. O seu olhar sombrio parece frio e um pouco enovoado". (11)- ALEXY, Robert - A theory of pratical discourse in The Communicative Ethics Controversy, Cambridge, MIT Press, 1990, p. 166 (2.1. e 2.2.). (12)- "Marinheiros, que sempre fomos, exploradores e grandes caminheiros através do Universo, figuramos entre os primeiros colonizadores do mundo e, apesar de pouco numerosos, a nossa obra neste domínio é incomparável". (13)- "Em Junho realizaram-se as eleições à presidência da República. Em face da candidatura do almirante Américo tomás (...) surgiu uma alvoroçada candidatura de oposição. Ora sucede que quatro quintos dos cidadãos portugueses se pronunciaram livremente pelo almirante Tomás", p.43. (14)- "Sabemos que não é a superfície que dá o poderio" (p.9.) e "Elevar a voz não significa que se tenha influência" (p.8) são apenas casos exemplificativos. (15)- Não dizer o que se pensa que é falso ou aquilo de que se tem razões suficientes para julgar como tal são máximas da qualidade, formuladas por Grice, no âmbito do princípio geral de cooperação entre os interlocutores, que apontam igualmente para a necessidade de se afirmar aquilo em que se acredita. (16)- "Ainda que todos os esforços da educação na família e na escola convirjam hoje para a mesma finalidade geral da cultura do patriotismo, alguma coisa mais se exige e é necessária a cargo de organismo próprio que pela propaganda e actividade específica crie e alimente a consciência pública e forme o escol político capaz de conduzir e realizar os imperativos nacionais", p.201. (17)- No caso da potência colonial (p.109, Salazar sublinha que "Não há possessões portuguesas, mas pedaços de Portugal disseminados pelo mundo. Em Lisboa, em Cabo Verde, em Angola ou em Moçambique, em Goa, na Guiné, em Timor ou em Macau é sempre a Pátria". (18)- Enquanto o entrevistador lembra que colónia, em latim, significava "estabelecimento criado em terra estrangeira", Salazar responde: "E colonus - que deu colono - queria dizer cultivador! De que se tratava? De que se trata ainda? De criar", p.12. (19)- De referir que a significação difere do sentido, cujo significado depende, nomeadamente, do contexto em que é utilizado. Wittgenstein que no "Tratado Lógico-filosófico" defende que só uma 'linguagem ideal' corresponderia à realidade, vem depois, nas "Investigações filosóficas" afirmar que o mais importante na linguagem não é a significação mas a sua utilização. Entender uma palavra passa sobretudo por saber como funciona dentro dos vários jogos de linguagem. (20)- No caso de "Fins e necessidade da propaganda política", em 1940, são os presentes na reunião das Comissões da União Nacional de Lisboa, enquanto no discurso "Sobre a indústria das conservas de peixe", de 1931, se trata de um relatório de uma visita aos centros conserveiros de então.


Bibliografia: AAVV - Ética e comunicação, Revista de Comunicação e Linguagens, nº15/16, Lisboa, Cosmos, 1992. ALEXY, Robert - A theory of pratical discourse in The Communicative Ethics Controversy, Cambridge, MIT Press, 1990, p.151-192. APEL, Karl-Otto - Is the ethics of the ideal communication community a utopia? On the relationshipo between ethics, utopia and critique of utopia in The Communicative Ethics Controversy, Cambridge, MIT Press, 1990, p.23-59. SALAZAR, António Oliveira - Panorâmica da política mundial in Discursos e notas políticas, Coimbra Editora, vol.V. RODRIGUES, Adriano Duarte - As dimensões da pragmática da comunicação, Rio de Janeiro, Diadorim, 1995. MORA, José Ferrater Mora - Diconário de filosofia, Lisboa, Dom Quixote, 1992, 5ª edição. DUCROT, Oswald - De Saussure à la philosophie du langage in Théorie des actes de langage, Paris, Hermann, p.7-34. GRICE, H. P. - Logic and conversation in Pragmatics, New York, Oxford University Press, 1991, p.305-315.

Etiquetas: , ,

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Como fazer IS


Em Junho de 2007, na preparação do A&A, realizámos uma (tele)conferência sobre Informação Solidária (IS). De Brasília, Carlos Cardoso Aveline orienta sobre que temas tratar e que meios usar. Conselhos sistematizados para todos aqueles que queiram seguir esta corrente, recuperados num mês em que se assinala o nosso terceiro ano de publicação regular.



Texto Carlos Cardoso Aveline fotografia Débora Cunha



Áreas temáticas típicas:

Notícias do dia, contextualizadas e vistas do ponto de vista de uma nova ética;
Auto-conhecimento e como chegar a ele;
O desdobramento diário e mensal da crise ecológica;
Ações práticas de economia solidária e a proposta solidária em seu conjunto;
Vida simples, simplicidade voluntária;
Ações de reflorestamento e preservação;
Mudança climática em escala global e local;
Ética em cada aspecto da vida diária;
Alimentação natural;

Cooperativismo;
Ética na política e na administração pública;
Democracia participativa;
Outros campos temáticos que reforcem o mesmo compromisso solidário.


Instrumentos e modos de ação:


Pequenos jornais e revistas, em papel;
Revistas eletrônicas;
Websites combinando temas cotidianos e notícias do dia, com questões perenes, com linha editorial aberta às questões planetárias;
Os websites podem ter apoio de boletins impressos e de boletins eletrônicos cuja função é levar seus temas de destaque para um universo significativo de pessoas, a que se pode chamar de “área de expansão da influência”.
Uma vez reconhecidos pela comunidade, os websites podem obter o patrocínio de empresas não poluentes e com um compromisso de ética social. Além disso, podem vender ou conceder espaços de anúncios e propaganda, especialmente para empresas e ações de economia solidária.
Na sequência de uma experiência em pequena escala, não é impossível organizar uma cooperativa de jornalistas e estudantes de comunicação social. Essa cooperativa pode reunir tanto produtores como consumidores de informação.
Nos meios convencionais de comunicação social, pode-se estimular políticas participativas como conselhos de redação - reunindo os jornalistas – e conselhos de leitores/ouvintes/telespectadores. Os conselhos de consumidores de informação podem opinar e discutir o rumo dos meios de comunicação.


Segredo da ação durável:


Desde o início, é preciso lembrar, ao organizar-se uma iniciativa prática de comunicação social solidária, que as relações solidárias de produção não significam necessariamente uma ausência de liderança. Ao contrário. Deve haver lideranças claras; mas elas devem responder pelo que fazem; devem atuar com transparência; devem saber ouvir; devem dar um exemplo de ética e de motivação nobre. Caso contrário, lutas psicológicas pelo poder criarão “relações neuróticas de produção”. Nessa situação, a competição destrutiva interna transforma a solidariedade em um mero jogo de aparências, em uma fachada para enganar o público e obter prestígio imerecido.
A qualidade interior da motivação das pessoas é, pois, um tema gerador que necessita ser observado e trabalhado individualmente, mas também pode ser estimulado e discutido (impessoalmente) em grupo. Cada um sabe de si. Ninguém é juiz dos outros. Mas ações erradas devem ser discutidas e avaliadas do ponto de vista ético.
O processo de motivação e a sua clareza e eficácia interior é determinante do êxito ou fracasso no mundo. Não basta uma motivação forte: ela deve ser elevada e legítima. Não basta uma motivação elevada: ela deve ser intensa, e capaz de contagiar no tempo adequado mais pessoas ― talvez em grande parte pelo exemplo.
É preciso plantar a boa semente e perseverar no plantio até que as sementes germinem em seu próprio ritmo. Não há germinação saudável que ocorra instantaneamente. O que está destinado a durar surge sem qualquer noção de pressa de curto prazo, embora possa ter grande intensidade, em algumas ocasiões.

Etiquetas: , , ,

quarta-feira, 7 de julho de 2010

5º poder

Ao aproximamo-nos do nosso terceiro aniversário folheamos um livro que nos mostra como perante a degeneração do quarto poder é urgente criar um quinto, que liberte o jornalismo das garras do mercado e o regenere da falsificação em que se foi transformando.

Texto Dina Cristo

Com a privatização iniciou-se a transferência do quarto poder mediático para o económico. O controlo informativo deslocou-se do campo político para o da economia e passou a ser exercido pelas (normas das) grandes empresas. O grande segredo profissional: «Em todas as redacções de qualquer meio do mundo penduram cartazes invisíveis. Graças a esses cartazes, que cada jornalista tem bem guardados no seu cérebro, trabalha-se com normalidade e anda-se perfeitamente orientado»1. Placares dispensáveis para as novas gerações, educadas pelos “media”, cujas regras ocultas as invadiram ao ponto de não as questionarem.
Talvez, por isso, para a cobertura de informação delicada são encarregados estagiários ou redactores contratados. Os melhores jornalistas são saneados, castrados ou afastados e a memória é removida: «(…) os patrões dos jornais não gostam de pessoas incómodas», declarou à autora Baptista Bastos. Um sistema de laisser-faire ao dispor de quem, sob pretexto democrático, se serve do sistema para os seus interesses e negócios, como afirmou Philippe Breton 2.

Novas censuras
Embora não sendo administrativa nem visível, existe uma nova forma de censura subliminar: «Hoje, os coronéis da Comissão de Censura, mesmo da Comissão do Exame Prévio, foram ultrapassados por elementos que têm por missão fazer valer as razões de grupo económico onde anteriormente a vantagem era das chamadas razões de Estado» 3, explica Manuela Espírito Santo. César Príncipe, em depoimento à autora, lembra como são hoje os proprietários dos jornais que seleccionam directores, editores e jornalistas.
Miguel Sousa Tavares, lembra a autora, escreveu em “O massacre do jornalismo”, que a actual geração é a mais abusada de sempre: «São censurados todos os dias, não por um coronel da Censura, mas pelo seu editor sentado na mesa ao lado. Os seus textos são manipulados, virados do avesso, reescritos em busca do grão de escândalo que possa ser puxado para título e atrair as atenções e as vendas» 4.
Uma censura actuante, através de pressões ou influências pessoais para impedir a transmissão de algo (indirecta), instruções precisas para o tratamento conveniente de determinados temas (directa) ou uma ordem expressa quer para um tratamento tendencioso quer para a proibição de abordar dado assunto (comunicada), conforme categorizado por Xosé Soengas.
Para além da auto-censura, o filtro selectivo mais interiorizado e cruel, segundo Manuela Espírito Santo, existem outras formas de controlar a informação. No caso da censura parcial «Não se oculta, mas não se oferece uma versão plural. Eliminam-se os pontos de vista que não interessam» 5, refere aquele autor espanhol; oblitera pormenores ou, pelo contrário, exagera-os.
O excesso é, aliás, outra das tácticas (mais) usadas. Um autêntico aluvião informativo, baseado no choque da imagem, em que praticamente tudo se perde – é modo neo-liberal para “afogamento”. Uma sobredosagem, um autêntico arsenal informativo com descargas de informação contaminada, em doses concentradas mas dispersa, fragmentada e ruidosa.
Tudo técnicas que escondem «(…) as intenções perversas da narrativa sob a aparência de discurso plural (…)» 6 e a desinformação que entretém, mas poucos sabem o que fazer com ela, transformou-se numa arma, que prende e influencia milhões de pessoas. Uma informação ofensiva, chocante, espectacular, mercantil, servil, bloqueada, viciada, amnésica, apática, comodista, propagandística, manipuladora e censurada, para eliminar, neutralizar ou evidenciar e, portanto, ilegítima.
Poder civil
Face a este quarto poder que se uniu ao(s) anterior(es) e esmaga o cidadão, é cada vez mais necessário criar um quinto que denuncie o comportamento dos grandes grupos que dominam o mercado da informação, como proferiu Igacio Ramonet no seu discurso como doutor honoris causa: «É preciso elaborar uma ecologia da informação e descontaminá-la. Importa regressar à verdade porque esta constitui a legitimidade da informação e por isso propus a criação do Observatório Internacional dos Media (...)» 7.
Este quinto poder, alternativo, cidadão, interventivo, conforme concebido por Roger Silverstone, na CartaCapital nº 227, de 2003, propõe a alfabetização mediática como uma forma de vigiar o quarto poder e prevenir a intoxicação informativa, a que diariamente o cidadão se expõe: é fundamental saber ler os produtos mediáticos e questionar criticamente as suas estratégias. Sobretudo para as crianças, que vêm televisão cada vez mais cedo, é indispensável a mediação de um adulto significativo que opine, limite mas sobretudo discuta, para uma compreensão crítica dos programas.
Trata-se de um novo poder que desafie o anterior. A autora acredita que «(…) há espaços de actuação para quem quiser furar o cenário do sistema (…)» 8, ou seja, a norma; através da cultura, da contextualização, da libertação das fontes e do mercantil e que produza uma informação despoluída, atenta, deontológica e virtuosa.
Num tempo de «(…) democracia política e ditadura económica (…)» 9, como afirma César Príncipe à autora, em que «(…) o controlo da informação vem do mesmo sítio que se controlam as armas e a economia (…)» 10, estudar os “media” é um modo de prevenir a censura, a propaganda, a manipulação, a desinformação, o controlo da opinião pública e facilitar uma informação mais livre, independente e diversa.

1 SANTO, Manuela Espírito - Por um quinto poder em defesa do futuro cidadão - combate à nova censura através da educação para os media, Intervir/Arcadasletras editora, 2006, p.39. 2 Idem, p.26/27. 3 Idem, p.21. 4 Idem, p.20. 5 Idem, p. 23. 6 Idem, ibidem. 7 Idem, p.32. 8 Idem, p.31. 9 Idem, p.17. 10 Idem, p.18

Etiquetas: , ,