quarta-feira, 7 de julho de 2010

5º poder

Ao aproximamo-nos do nosso terceiro aniversário folheamos um livro que nos mostra como perante a degeneração do quarto poder é urgente criar um quinto, que liberte o jornalismo das garras do mercado e o regenere da falsificação em que se foi transformando.

Texto Dina Cristo

Com a privatização iniciou-se a transferência do quarto poder mediático para o económico. O controlo informativo deslocou-se do campo político para o da economia e passou a ser exercido pelas (normas das) grandes empresas. O grande segredo profissional: «Em todas as redacções de qualquer meio do mundo penduram cartazes invisíveis. Graças a esses cartazes, que cada jornalista tem bem guardados no seu cérebro, trabalha-se com normalidade e anda-se perfeitamente orientado»1. Placares dispensáveis para as novas gerações, educadas pelos “media”, cujas regras ocultas as invadiram ao ponto de não as questionarem.
Talvez, por isso, para a cobertura de informação delicada são encarregados estagiários ou redactores contratados. Os melhores jornalistas são saneados, castrados ou afastados e a memória é removida: «(…) os patrões dos jornais não gostam de pessoas incómodas», declarou à autora Baptista Bastos. Um sistema de laisser-faire ao dispor de quem, sob pretexto democrático, se serve do sistema para os seus interesses e negócios, como afirmou Philippe Breton 2.

Novas censuras
Embora não sendo administrativa nem visível, existe uma nova forma de censura subliminar: «Hoje, os coronéis da Comissão de Censura, mesmo da Comissão do Exame Prévio, foram ultrapassados por elementos que têm por missão fazer valer as razões de grupo económico onde anteriormente a vantagem era das chamadas razões de Estado» 3, explica Manuela Espírito Santo. César Príncipe, em depoimento à autora, lembra como são hoje os proprietários dos jornais que seleccionam directores, editores e jornalistas.
Miguel Sousa Tavares, lembra a autora, escreveu em “O massacre do jornalismo”, que a actual geração é a mais abusada de sempre: «São censurados todos os dias, não por um coronel da Censura, mas pelo seu editor sentado na mesa ao lado. Os seus textos são manipulados, virados do avesso, reescritos em busca do grão de escândalo que possa ser puxado para título e atrair as atenções e as vendas» 4.
Uma censura actuante, através de pressões ou influências pessoais para impedir a transmissão de algo (indirecta), instruções precisas para o tratamento conveniente de determinados temas (directa) ou uma ordem expressa quer para um tratamento tendencioso quer para a proibição de abordar dado assunto (comunicada), conforme categorizado por Xosé Soengas.
Para além da auto-censura, o filtro selectivo mais interiorizado e cruel, segundo Manuela Espírito Santo, existem outras formas de controlar a informação. No caso da censura parcial «Não se oculta, mas não se oferece uma versão plural. Eliminam-se os pontos de vista que não interessam» 5, refere aquele autor espanhol; oblitera pormenores ou, pelo contrário, exagera-os.
O excesso é, aliás, outra das tácticas (mais) usadas. Um autêntico aluvião informativo, baseado no choque da imagem, em que praticamente tudo se perde – é modo neo-liberal para “afogamento”. Uma sobredosagem, um autêntico arsenal informativo com descargas de informação contaminada, em doses concentradas mas dispersa, fragmentada e ruidosa.
Tudo técnicas que escondem «(…) as intenções perversas da narrativa sob a aparência de discurso plural (…)» 6 e a desinformação que entretém, mas poucos sabem o que fazer com ela, transformou-se numa arma, que prende e influencia milhões de pessoas. Uma informação ofensiva, chocante, espectacular, mercantil, servil, bloqueada, viciada, amnésica, apática, comodista, propagandística, manipuladora e censurada, para eliminar, neutralizar ou evidenciar e, portanto, ilegítima.
Poder civil
Face a este quarto poder que se uniu ao(s) anterior(es) e esmaga o cidadão, é cada vez mais necessário criar um quinto que denuncie o comportamento dos grandes grupos que dominam o mercado da informação, como proferiu Igacio Ramonet no seu discurso como doutor honoris causa: «É preciso elaborar uma ecologia da informação e descontaminá-la. Importa regressar à verdade porque esta constitui a legitimidade da informação e por isso propus a criação do Observatório Internacional dos Media (...)» 7.
Este quinto poder, alternativo, cidadão, interventivo, conforme concebido por Roger Silverstone, na CartaCapital nº 227, de 2003, propõe a alfabetização mediática como uma forma de vigiar o quarto poder e prevenir a intoxicação informativa, a que diariamente o cidadão se expõe: é fundamental saber ler os produtos mediáticos e questionar criticamente as suas estratégias. Sobretudo para as crianças, que vêm televisão cada vez mais cedo, é indispensável a mediação de um adulto significativo que opine, limite mas sobretudo discuta, para uma compreensão crítica dos programas.
Trata-se de um novo poder que desafie o anterior. A autora acredita que «(…) há espaços de actuação para quem quiser furar o cenário do sistema (…)» 8, ou seja, a norma; através da cultura, da contextualização, da libertação das fontes e do mercantil e que produza uma informação despoluída, atenta, deontológica e virtuosa.
Num tempo de «(…) democracia política e ditadura económica (…)» 9, como afirma César Príncipe à autora, em que «(…) o controlo da informação vem do mesmo sítio que se controlam as armas e a economia (…)» 10, estudar os “media” é um modo de prevenir a censura, a propaganda, a manipulação, a desinformação, o controlo da opinião pública e facilitar uma informação mais livre, independente e diversa.

1 SANTO, Manuela Espírito - Por um quinto poder em defesa do futuro cidadão - combate à nova censura através da educação para os media, Intervir/Arcadasletras editora, 2006, p.39. 2 Idem, p.26/27. 3 Idem, p.21. 4 Idem, p.20. 5 Idem, p. 23. 6 Idem, ibidem. 7 Idem, p.32. 8 Idem, p.31. 9 Idem, p.17. 10 Idem, p.18

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