quinta-feira, 25 de março de 2010

Telefonia de sessenta V

Nesta quinta parte espreitamos o funcionamento da rádio em Angola.


Texto e fotografia Dina Cristo

Na década de 60 existem, no território angolano, três tipologias de rádio. A Emissora Oficial de Angola (EOA), que grava os noticiários da Emissora Nacional e os transcreve tal e qual e, depois, os relê; a Rádio Eclésia – Emissora Católica de Angola, que volta a ler os noticiários da EOA, mas com uma voz da casa, e os Rádios Clubes, particulares, de carácter mais ou menos sócio-recreativo, que retransmitem as notícias da EOA.
As notícias têm apenas uma perspectiva: a do Governo. “Quando foi o 4 de Fevereiro de 1961, a Emissora Oficial de Angola ficou em silêncio, à espera de ordens do Governo. Portanto não havia notícias e muito menos reportagem. A reportagem quando havia era oficial – o suposto repórter com a tropa, por exemplo. As coisas não tinham o mínimo tratamento em Angola”
O tom ao microfone era “cinzento”, reforçado pelo alinhamento rígido “país-estrangeiro-desporto”. Na EOA, as ordens são para escrever rigorosamente o que se ouve da EN, pelo que as notícias em Angola começam com as novidades da metrópole e só depois vêm as angolanas. De qualquer forma, o noticiário sobre Angola é quase inexistente ou então limitado a fontes oficiais, como comunicados do Governo, Secretarias Providenciais ou Serviços Públicos.
A consciência político-social dos que vêm de Portugal permite, excepcionalmente, dentro do sistema, desagravar a carga propagandística. António Jorge Branco conta que “De vez em quando, havia certas notícias, que vinham de noticiários da EN, que eram tão propaganda, tão propaganda que eu “esquecia-me” de as escrever. Ao menos não eram lidas em Luanda”
No final dos anos 60, houve algumas tentativas no sentido de refrescar a rádio, com uma postura ao microfone mais descontraída e menos formal. O ténue arejamento, ao nível de conteúdo, começa com a chegada de alguns rapazes de Portugal: António Macedo, Artur Queiroz, Manuel Fonseca e Emídio Rangel.
Poder radiofónico
Zeca Afonso, José Mário Branco ou Adriano Correia de Oliveira, então na lista dos músicos proibidos, são difundidos em Angola. Os censores, tal como os profissionais brancos que ali tinham crescido e vivido, não compreendem as mensagens subliminares das letras das músicas de intervenção. «Ao fim de cinco meses de se passar “Venham mais cinco”, aparecia um papel a dizer que era proibido passar aquele disco. Então começava a passar-se Sérgio Godinho e acontecia o mesmo, pelo que a censura não tinha efeito. Eles eram incapazes de perceber»

O censor, em Angola, era o director dos correios, que delegava, de forma cúmplice, nos directores da estação. “A rádio feita em Angola, naquela altura, não sabe nada do que se passa em Angola. Das questões de fundo, não sabe. Mas não vai a uma aldeia de negros saber como é a vida deles. Não tenta saber o que está a acontecer na guerra. Não pode. Não a deixam! Não a deixariam”[4].[5]. A rádio está naturalmente controlada, dominada à partida, porque está alinhada pelo próprio regime. Ao contrário da imprensa, que é controlada, mais externamente (a acção governamental sobre os meios de comunicação escritos é, ao contrário, essencialmente defensiva e censurante) na rádio o domínio – já assegurado internamente – é fundamentalmente ofensivo e de propaganda[6].[7].[8].

Na metrópole, a rádio serve os interesses do Governo, propagandeia a sua ideologia. E todas as estações o servem, de uma forma ou de outra, umas mais que outras, ao ponto de a rádio representar, em certa medida, o próprio poder [1], afirma António Jorge Branco, para quem a rádio não preocupou o regime.[2]. Outras vezes, chega a passar à frente, ‘despercebidamente’, algumas páginas, ‘ultrapassando’ a propaganda oficial.[3].
A “Rádio Mocidade”, programa emitido semanalmente na EN desde 1941 e produzido pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa, é o local próprio para a promoção das suas ideias. O programa é constituído por “(…) uma nota sobre os ideais ou sobre os motivos que levaram a criar a organização, em que se dá a conhecer a cada um o que é e o que vale a Mocidade Portuguesa; em episódio radiofónico, narrando um facto histórico, uma data, contando uma biografia, citando um personagem ilustre ou, simplesmente, transportando a diálogo um facto ocorrido num acampamento e em outra actividade de rapazes; um “placard” de noticiário, em que se leva ao conhecimento do dirigente e do filiado uma resenha dos factos ocorridos dentro da Organização durante uma semana; por último, a encerrar o programa, um comentário sobre uma actividade ou sobre uma notícia, escrito e dito, normalmente, por um jornalista”.
Em 1961, as oposições são silenciadas ou distorcidas. É o caso do Santa Maria e da tentativa de golpe de Estado de Botelho Moniz, que a revista do ano, emitida no programa “Meia Noite”, do Rádio Clube Português, relembra, tendo por base o ponto de vista governamental: “Dia 23. Anuncia-se que no mar das Caraíbas, um grupo chefiado por Henrique Galvão apoderou-se do paquete Santa Maria. Foi morto a tiro o terceiro piloto, João Nascimento Costa, e ferido gravemente o praticante oficial, José António Lopes de Sousa. Este caso provocou em todo o país a maior excitação. Entretanto, em São Paulo, Humberto Delgado dizia que foram ordens suas que levaram à apreensão do paquete português”.
No dia 13 de Abril, é apenas referida a troca de lugares. “O senhor presidente do Conselho assumiu as funções de ministro da Defesa Nacional e foram substituídos os ministros do Exército e do Ultramar e os sub-secretários de Estado do Exército e da Administração Ultramarina, transitando este último membro do Governo para a direcção do Ministério do Ultramar. Foram também substituídos o chefe do Estado-Maior, General das Forças Armadas, o governador militar de Lisboa e o comandante da segunda região militar”.
Portugal mascara-se de heroicidade. “Vivemos mais um ano bem cheio de factos de transcendente importância, particularmente para nós portugueses. Grandes acontecimentos, que só terão paralelo com os vividos em meados do século XIV, estão a processar-se como consequência da forte personalidade de que demos provas durante um passado não muito distante. Dir-se-á que os avós foram grandes demais para que haja hoje netos que os possam continuar. Mas nada disso. O povo de Portugal tem dentro de si próprio a solução para os seus grandes problemas motivados, insistimos, pela sua grandeza como povo que, deslumbrado, talvez, com tanta força em corpo tão pequeno, parecerá não saber encontrar o caminho em época menos propícia. Mas encontrá-lo-á, temos a certeza. Um novo e grande caminho eterno como a sua história passada e futura”.


[1] Entrevista a António Jorge Branco, que trabalhou na Emissora Oficial de Angola e no Rádio Clube de Malange. [2] Idem. [3] Entrevista a Carlos Brandão Lucas, que produziu o programa “Equipa 1” e fez informação na Rádio Eclésia. [4] Entrevista a Carlos Brandão Lucas. [5] Quando Júlio Botelho Moniz prepara o golpe militar previne dois batalhões de Infantaria para avançar sobre Lisboa. Um deles destina-se a cercar a Emissora Nacional. [6] TEIXEIRA, João Luís Arruda et all “A rádio em Portugal”. Trabalho executado no âmbito da cadeira “História dos Media”, coordenada por Francisco Rui Cádima. Policopiado. Lisboa. 1988. Vol. I, pág. 85/86. [7] “Rádio e Televisão” – Rádio Mocidade – vinte anos de actividade aos microfones da Emissora Nacional. 30 de Dezembro de 1961, pág.17. De notar a inovação ao introduzir-se dois conceitos fundamentais para a produção informativa: o termo ‘jornalista’, e já não redactor ou repórter, e o facto de este profissional de informação fazer ambas as tarefas: escrever o texto auxiliar e depois dizê-lo ao microfone. O facto de ser empregue a expressão “falar ao microfone” em vez de ler um papel testemunha a actualização juvenil relativamente à especificidade da linguagem radiofónica. [8] Comentário inserido em “O mundo em parada”, rubrica de retrospectiva do ano de 1961, emitida no programa “Meia Noite”, do Rádio Clube Português, no dia 31 de Dezembro daquele ano, sob a coordenação de Fernando Graça Gil.

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