quarta-feira, 31 de março de 2010

Estrela



Na véspera do dia das mentiras abordamos o sonho e a imaginação, a ilusão e a fantasia, o fascínio e o devaneio amorosos.


Texto e desenho Dina Cristo

«Estrela - afável e carinhosa
Estrela tu que foste um brinquedo
Tu que estiveste em mim
Que viveste e sentiste
As mesmas emoções
Porquê me deixas nas trevas
Tu estrela – que me iluminaste
Tu guiaste já minha vida
Estrela
Que bom era se me conduzisses
E um pouco só me iluminasses
Ai! E se desses vida a um sonho
Me cobrisses com teus pedaços
Estrela
Não fiques mais no céu
Desce à terra onde te conheci
Deixa, pára
Fica só comigo
Num dia de Domingo
Estrela, minha estrela
Que és tão bem formada
De uma cor simples, transparente
Singela e tão complicada
Estrela
Estiveste tão perto… e não acreditava
Agora distante digo que és real
Que és formosa e só minha
Estrela
Por quem eu passei
A paz de pôr-do-sol
O namorado ao pé do mar
Tu foste a única a presentear
Diz-me estrela
Porque tudo mudou
Cresceste, em mim aumentaste
E ao teu reino enfim voltaste?»
S/d

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quinta-feira, 25 de março de 2010

Telefonia de sessenta V

Nesta quinta parte espreitamos o funcionamento da rádio em Angola.


Texto e fotografia Dina Cristo

Na década de 60 existem, no território angolano, três tipologias de rádio. A Emissora Oficial de Angola (EOA), que grava os noticiários da Emissora Nacional e os transcreve tal e qual e, depois, os relê; a Rádio Eclésia – Emissora Católica de Angola, que volta a ler os noticiários da EOA, mas com uma voz da casa, e os Rádios Clubes, particulares, de carácter mais ou menos sócio-recreativo, que retransmitem as notícias da EOA.
As notícias têm apenas uma perspectiva: a do Governo. “Quando foi o 4 de Fevereiro de 1961, a Emissora Oficial de Angola ficou em silêncio, à espera de ordens do Governo. Portanto não havia notícias e muito menos reportagem. A reportagem quando havia era oficial – o suposto repórter com a tropa, por exemplo. As coisas não tinham o mínimo tratamento em Angola”
O tom ao microfone era “cinzento”, reforçado pelo alinhamento rígido “país-estrangeiro-desporto”. Na EOA, as ordens são para escrever rigorosamente o que se ouve da EN, pelo que as notícias em Angola começam com as novidades da metrópole e só depois vêm as angolanas. De qualquer forma, o noticiário sobre Angola é quase inexistente ou então limitado a fontes oficiais, como comunicados do Governo, Secretarias Providenciais ou Serviços Públicos.
A consciência político-social dos que vêm de Portugal permite, excepcionalmente, dentro do sistema, desagravar a carga propagandística. António Jorge Branco conta que “De vez em quando, havia certas notícias, que vinham de noticiários da EN, que eram tão propaganda, tão propaganda que eu “esquecia-me” de as escrever. Ao menos não eram lidas em Luanda”
No final dos anos 60, houve algumas tentativas no sentido de refrescar a rádio, com uma postura ao microfone mais descontraída e menos formal. O ténue arejamento, ao nível de conteúdo, começa com a chegada de alguns rapazes de Portugal: António Macedo, Artur Queiroz, Manuel Fonseca e Emídio Rangel.
Poder radiofónico
Zeca Afonso, José Mário Branco ou Adriano Correia de Oliveira, então na lista dos músicos proibidos, são difundidos em Angola. Os censores, tal como os profissionais brancos que ali tinham crescido e vivido, não compreendem as mensagens subliminares das letras das músicas de intervenção. «Ao fim de cinco meses de se passar “Venham mais cinco”, aparecia um papel a dizer que era proibido passar aquele disco. Então começava a passar-se Sérgio Godinho e acontecia o mesmo, pelo que a censura não tinha efeito. Eles eram incapazes de perceber»

O censor, em Angola, era o director dos correios, que delegava, de forma cúmplice, nos directores da estação. “A rádio feita em Angola, naquela altura, não sabe nada do que se passa em Angola. Das questões de fundo, não sabe. Mas não vai a uma aldeia de negros saber como é a vida deles. Não tenta saber o que está a acontecer na guerra. Não pode. Não a deixam! Não a deixariam”[4].[5]. A rádio está naturalmente controlada, dominada à partida, porque está alinhada pelo próprio regime. Ao contrário da imprensa, que é controlada, mais externamente (a acção governamental sobre os meios de comunicação escritos é, ao contrário, essencialmente defensiva e censurante) na rádio o domínio – já assegurado internamente – é fundamentalmente ofensivo e de propaganda[6].[7].[8].

Na metrópole, a rádio serve os interesses do Governo, propagandeia a sua ideologia. E todas as estações o servem, de uma forma ou de outra, umas mais que outras, ao ponto de a rádio representar, em certa medida, o próprio poder [1], afirma António Jorge Branco, para quem a rádio não preocupou o regime.[2]. Outras vezes, chega a passar à frente, ‘despercebidamente’, algumas páginas, ‘ultrapassando’ a propaganda oficial.[3].
A “Rádio Mocidade”, programa emitido semanalmente na EN desde 1941 e produzido pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa, é o local próprio para a promoção das suas ideias. O programa é constituído por “(…) uma nota sobre os ideais ou sobre os motivos que levaram a criar a organização, em que se dá a conhecer a cada um o que é e o que vale a Mocidade Portuguesa; em episódio radiofónico, narrando um facto histórico, uma data, contando uma biografia, citando um personagem ilustre ou, simplesmente, transportando a diálogo um facto ocorrido num acampamento e em outra actividade de rapazes; um “placard” de noticiário, em que se leva ao conhecimento do dirigente e do filiado uma resenha dos factos ocorridos dentro da Organização durante uma semana; por último, a encerrar o programa, um comentário sobre uma actividade ou sobre uma notícia, escrito e dito, normalmente, por um jornalista”.
Em 1961, as oposições são silenciadas ou distorcidas. É o caso do Santa Maria e da tentativa de golpe de Estado de Botelho Moniz, que a revista do ano, emitida no programa “Meia Noite”, do Rádio Clube Português, relembra, tendo por base o ponto de vista governamental: “Dia 23. Anuncia-se que no mar das Caraíbas, um grupo chefiado por Henrique Galvão apoderou-se do paquete Santa Maria. Foi morto a tiro o terceiro piloto, João Nascimento Costa, e ferido gravemente o praticante oficial, José António Lopes de Sousa. Este caso provocou em todo o país a maior excitação. Entretanto, em São Paulo, Humberto Delgado dizia que foram ordens suas que levaram à apreensão do paquete português”.
No dia 13 de Abril, é apenas referida a troca de lugares. “O senhor presidente do Conselho assumiu as funções de ministro da Defesa Nacional e foram substituídos os ministros do Exército e do Ultramar e os sub-secretários de Estado do Exército e da Administração Ultramarina, transitando este último membro do Governo para a direcção do Ministério do Ultramar. Foram também substituídos o chefe do Estado-Maior, General das Forças Armadas, o governador militar de Lisboa e o comandante da segunda região militar”.
Portugal mascara-se de heroicidade. “Vivemos mais um ano bem cheio de factos de transcendente importância, particularmente para nós portugueses. Grandes acontecimentos, que só terão paralelo com os vividos em meados do século XIV, estão a processar-se como consequência da forte personalidade de que demos provas durante um passado não muito distante. Dir-se-á que os avós foram grandes demais para que haja hoje netos que os possam continuar. Mas nada disso. O povo de Portugal tem dentro de si próprio a solução para os seus grandes problemas motivados, insistimos, pela sua grandeza como povo que, deslumbrado, talvez, com tanta força em corpo tão pequeno, parecerá não saber encontrar o caminho em época menos propícia. Mas encontrá-lo-á, temos a certeza. Um novo e grande caminho eterno como a sua história passada e futura”.


[1] Entrevista a António Jorge Branco, que trabalhou na Emissora Oficial de Angola e no Rádio Clube de Malange. [2] Idem. [3] Entrevista a Carlos Brandão Lucas, que produziu o programa “Equipa 1” e fez informação na Rádio Eclésia. [4] Entrevista a Carlos Brandão Lucas. [5] Quando Júlio Botelho Moniz prepara o golpe militar previne dois batalhões de Infantaria para avançar sobre Lisboa. Um deles destina-se a cercar a Emissora Nacional. [6] TEIXEIRA, João Luís Arruda et all “A rádio em Portugal”. Trabalho executado no âmbito da cadeira “História dos Media”, coordenada por Francisco Rui Cádima. Policopiado. Lisboa. 1988. Vol. I, pág. 85/86. [7] “Rádio e Televisão” – Rádio Mocidade – vinte anos de actividade aos microfones da Emissora Nacional. 30 de Dezembro de 1961, pág.17. De notar a inovação ao introduzir-se dois conceitos fundamentais para a produção informativa: o termo ‘jornalista’, e já não redactor ou repórter, e o facto de este profissional de informação fazer ambas as tarefas: escrever o texto auxiliar e depois dizê-lo ao microfone. O facto de ser empregue a expressão “falar ao microfone” em vez de ler um papel testemunha a actualização juvenil relativamente à especificidade da linguagem radiofónica. [8] Comentário inserido em “O mundo em parada”, rubrica de retrospectiva do ano de 1961, emitida no programa “Meia Noite”, do Rádio Clube Português, no dia 31 de Dezembro daquele ano, sob a coordenação de Fernando Graça Gil.

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quarta-feira, 24 de março de 2010

Hora do planeta



Texto e fotografia Dina Cristo


Sábado, às 20h 30m (hora portuguesa), desligam-se, durante sessenta minutos, as luzes eléctricas. Um gesto ao alcance de todos, apadrinhado por figuras públicas. Uma atitude simples, simbólica e eficaz de responsabilidade ambiental.
A iniciativa foi promovida pelo Fundo Mundial para a Natureza, pela primeira vez, em Sydeny, em 2007. Aderiram ao apagão dois milhões de pessoas. Um ano depois, em 2008, eram 50 milhões.
No ano passado a acção cativou 88 países, 4 mil cidades, 11 das quais portuguesas. Este ano os municípios, monumentos nacionais, empresas e particulares que irão, voluntariamente, ficar às escuras são vários. Todos juntos, numa hora pela Terra.

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quarta-feira, 17 de março de 2010

Limpar Portugal



Texto e fotografia Dina Cristo


Sábado é Dia L. Após a iniciativa na Estónia, e vários anos depois da primeira campanha "Limpar o mundo", é a vez de em Portugal se lançar "mãos à obra" para retirar 70 mil toneladas de detritos, sobretudo da floresta.

Para remover o lixo ilegal são necessários 100 mil voluntários. Entre os apoios contam-se entidades como a Protecção Civil, o Exército Nacional e o Presidente da República.
Dar um exemplo de cidadania, reflectir sobre o desperdício e a necessidade de preservar as matas limpas estão entre os principais objectivos do movimento cívico

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quinta-feira, 11 de março de 2010

Fados


Dedicamos a nossa terceira Primavera ao fado, mais ou menos tradicional - destino da alma portuguesa.


Fotografia e selecção Dina Cristo

SOARES, Emanuel - Roseira, botão de gente:




CAROLINA, Ana - Vida tão estranha:
ZAMBUJO, António: Nem às paredes confesso: MADREDEUS - Haja o que houver: GUERREIRO, Kátia - A voz da poesia: FÉ, Maria da - Fado errado: HOJE, Amália - Foi Deus: PONTES, Dulce - Fado português: PEDRO, Magina - Samaritana: TAVARES, Raquel - Fala da mulher sozinha: CARMINHO - Escrevi teu nome no vento: BOBONE, Maria Ana - Sabe-se lá: MOURA, Ana - O que foi que aconteceu:
MARIZA - Chuva:SOARES, Emanuel: Fado da sina: RODRIGUES, Amália - Lágrima: MOREIRA, Cidália - Os meus 20 anos:

CARMO, Carmo - Por morrer uma andorinha:

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quarta-feira, 10 de março de 2010

(Des)contos

Antes do Dia Mundial dos Direitos do Consumidor publicamos um artigo sobre os cartões de pontos, escrito há mais de dez anos - ainda no tempo dos escudos.

Texto e fotografia Dina Cristo

Comprar livros e receber um extracto com pontos. Pôr gasolina e receber um cartão, que regista os pontos acumulados. Adquirir manteiga, usar o cartão de crédito, voar, enfim… vários actos de consumo servem hoje para as empresas presentearem os seus estimados clientes com alguns pontinhos. A actuação não é nova, mas ultimamente tem-se vindo a modernizar. A sofisticação deste aliciamento tem-se verificado nos catálogos apresentados e na actualização dos cartões, onde são registados os pontos acumulados.
Se recebe em casa algum extracto com o saldo dos pontos que possui em dada empresa ou transporta na sua carteira algum cartão de acumulação de pontos, saiba que aderiu a um clube de consumo. Quase nem deu por isso… não se alarme, saiba então o que o espera.
Não se inscreveu em nenhum programa de promoção de pontos, mas recebe os extractos mensalmente? Não se consuma. É o marketing de relações que o tenta seduzir a tornar-se fiel a uma empresa. Sente-se tentado com as ofertas que lhe prometem, através da acumulação de pontos? Está prestes a aderir? Eis a desvantagens da implicação. Fidelizar é a ordem.


Pontos. São a nova moda entre as empresas. O objectivo é presentear um cliente pelo facto de escolher os seus produtos e/ou serviços e não os da concorrência. Fazem-no principalmente as gasolineiras, mercado onde não há distinção de preço. Mais do que conquistar novos clientes, os esforços concentram-se na preservação dos que se mantêm. É, além de tudo, uma luta pela criação de hábitos de consumo que continuem para além das campanhas de promoção, em que os pontos se inserem.
Para as empresas, trata-se sobretudo de fidelizar os clientes; ultrapassar a relação comercial ocasional e estabelecer laços que a tornem duradoura – fortalecer a proximidade e a intensidade da relação. Tudo para que esta ultrapasse a fase inicial de compra esporádica satisfatória e atinja o grau de fidelidade. Serve, no fundo, para garantir que um dado cliente continuará a adquirir os produtos/serviços daquela marca, sejam quais forem as alterações na própria empresa e nas concorrentes. É o estádio imediatamente anterior à lealdade, em que o cliente defende a empresa perante os outros. Está em causa transformar um consumidor esporádico num verdadeiro cliente, com elo forte à empresa.
Para os clientes é, sobretudo, a sensação de ser presenteado com algo que lhe poderá dar acesso a um produto, com descontos. É a satisfação pelo facto de obter algo no imediato (os pontos) que, em caso de acumulação, lhe dará direito a outros produtos e serviços, com redução de preço.
A sedução é quem comanda e o consumidor adere. Não está seguro do que poderá vir a obter nem em que condições, mas sente-se bem, pelo facto de, naquele instante, receber x pontos. «Onde vivo», explica um consumidor, «tenho três bombas. E de facto, entre três, há uma que eu vou sempre, porque eles me deram o cartão, cartão esse que continuo a acumular pontos e… não sei se alguma vez vou acabar por comprar… mas continuo a acumular e é àquela que eu vou». É o início da ilusão.
A lógica é a de quanto mais gastar mais pontos pode ganhar. Logo, mais descontos o cliente poderá obter. Comanda o incentivo à acumulação de pontos, que o mesmo é dizer à compra sistemática num dado estabelecimento comercial. Mas não só. Ao aderir a uma dada empresa promotora o consumidor entra num clube de consumo. São os parceiros, cada vez mais e diversificados, que criam, em conjunto, autênticos blocos comerciais, onde se pode consumir continuamente com desconto. Ao aderir a dada promotora, o consumidor tem acesso a uma cada vez maior escolha de empresas, em cujas compras lhe aumentam o número de pontos, e onde pode também rebater os que já possui.
Diversidade de oferta esconde escassas vantagens

Ao cliente são, à partida, oferecidos os pontos, os descontos, as vantagens, os prémios. É o que as empresas indicam nos seus catálogos. E na prática, em que se traduzem? As vantagens não são tão claras. Os prémios adquirem-se mas são coisas simples (uma bola de futebol, uma cassete de vídeo) e que exigem um consumo, no caso da gasolina, por volta dos vinte mil escudos mensais, durante um ano. Com esta média de consumo, terá ao fim de quatro anos uma máquina de depilar; no final de seis uma de barbear ou, no final de dez anos, um conjunto de malas de viagem ou um leitor de CD.
O que é mais fácil de adquirir e não implica o desembolso de mais escudos ainda são, regra geral, produtos publicitários. Em relação aos descontos, só são acessíveis em caso de o consumidor decidir efectuar uma compra adicional. Ou seja, para atingir o almejado desconto obriga-se o consumidor a fazer uma nova compra, seja na empresa promotora seja num dos parceiros. É a regra do leve dois e pague um, só que agora em novo formato. Para ter acesso aos descontos de um dado produto terá de adquirir outro de igual valor ou superior. Estimula-se o consumo intensivo. Para levantar o “prémio” obriga-se o consumidor a… consumir mais.
Mas não ficam por aqui as reticências. Na maior parte dos casos os descontos estão repletos de limitações: às características do produto/serviço, ao número de lojas aderentes ao programa de promoção, aos dias a que pode ser adquirido, ao “stock” existente, não sendo acumulável com outras promoções. Os descontos são efectuados, mas apenas nos casos em que o consumo adicional o justificar, ou seja, as empresas levam os consumidores a adquirirem exactamente o que elas pretendem. Uma ocultação desfocada através da diversificação dos catálogos (e parceiros). Por outro lado, as limitações estendem-se ainda ao próprio valor acumulável (num máximo de três cartões, no caso da BP, e num tecto de 90 mil pontos, no exemplo da Galp).
Prémios significativos levam mais de uma década

As armadilhas ao consumidor prolongam-se, ainda. É necessária precaução para que os pontos não se tornem presentes envenenados. Os prémios que, de facto, valem a pena, como vídeos, televisores, apresentados como chamariz, são, para o consumidor comum, praticamente inatingíveis. Conseguir obter uma aparelhagem sonora implicava consumir uma média de vinte mil escudos mensais em gasolina, durante vinte anos. Ora na altura em que o cliente atinge um volume de pontos significativo é quando o risco do cartão se tornar inválido é maior. No ClubSmart, «o saldo de pontos existente num cartão expirado e/ou substituído por outro, poderá ser anulado 3 meses após a sua substituição e/ou expiração»[1].
Ao contrário do que salientam os directores, os regulamentos são feitos à medida dos interesses da empresa e não do consumidor. No clube de consumo da Shell, «O saldo de pontos Clubsmart poderá ser anulado aos membros que não efectuem transacções de carregamento de pontos Clubsmart durante um período consecutivo de 6 meses»[2]. O consumidor é utilizado, através de palavras-chave (como grátis, desconto, vantagens), para o rentabilizar ao nível de um maior número de empresas, que em troca dos apregoados descontos (só efectuados mediante uma compra pelo menos no mesmo valor) ganha novos clientes.
Ao desfragmentar o discurso, fazendo contas, o cliente verificará que os descontos são irrelevantes. Obter descontos de 1%, como acontece em relação ao Visa Universo (mil escudos após um consumo de cem contos), por exemplo, é, diríamos, o mínimo que qualquer estabelecimento faria. Para tal, não seria necessário aderir a tal promoção (neste caso realizada toda ela com base nos descontos, mas com o mesmo fim, a fidelização). Está é a forma moderna e actualizada da velha “atençãozinha” que o antigo comerciante sempre dispensou aos bons clientes. O que será mais actual são as despesas a que actualmente incorre. E que são, no caso do Visa Universo, mal ultrapasse o prazo de pagamento, a penalização de mil escudos, o juro de mora, o imposto de selo, a que se deve juntar o custo da anuidade.
Nos casos em que o consumidor colecciona, quase religiosamente, transformando-se num autêntico aforrador de pontos, estudando estrategicamente os estabelecimentos comerciais no intuito de rebater os pontos acumulados, sendo levado a fazer uma despesa extra, será essencialmente desvantajoso; pelo menos em termos económicos, já que se não “suasse” para ter acesso ao desconto não efectuaria nova compra. É, como afirma um consumidor em relação ao antigo sistema do Unibanco, um impulso para fazer uma nova compra: «Eu pego no meu cartão, vou à discoteca x e, depois, dão-me só três meses para utilizar aquele cartão. Como quero ganhar (que a filosofia é sempre a mesma), como quero aproveitar aquele desconto, vou, e em três meses, mesmo que não tenha nenhum disco que queira comprar, tenho aquela oportunidade e não vou desperdiçar. E estou sistematicamente a entrar num ciclo vicioso de compras».
Caça aos pontos é (in)frutífera
Contudo, há situações em que o sistema de pontos pode ser vantajoso para o consumidor. Trata-se sobretudo quando este, independentemente da promoção, planeia adquirir dado produto ou serviço numa promotora ou parceira comercial. Nesse caso, já que o irá adquirir de qualquer forma, aproveitar o desconto será um benefício. O mais difícil será acertar com o bem disponível: uma sessão de cinema mas só de Terça a Quinta-Feira, uma pizza mas de média ou grande dimensão, com vários ingredientes e sem serviço domiciliário, um hotel vago…
Os descontos são maioritariamente insignificantes face ao investimento previamente feito na aquisição contínua e prolongada de um determinado produto ou serviço. Terá um bilhete de cinema gratuito caso mantenha numa determinada conta de um banco 500 contos de saldo durante mais de um ano; obterá alguns objectos grátis (agendas, cadernos, bolsas) se desembolsar durante cerca de um ano uma média de vinte mil escudos em gasolina.
As empresas esforçam-se por atrair clientes mais fiéis e estes para o serem. Para o serem e ambas, procura e oferta, mostram estar disponíveis a pagar por isso. Mas a prática revela que os consumidores são mais fiéis… a várias marcas. Porque o que lhes importa mesmo é agora a qualidade e acessibilidade em relação às promoções mais do que em relação aos produtos. Uma campanha de promoção de pontos não chega por si só pata tornar um cliente fiel. Serve sim, se for conjugada com outros factores, como a qualidade, rapidez e eficiência, para o motivar e aprofundar a relação com a empresa. É disso que se trata, de estabelecer relações mais individuais e fortes, entre empresas e consumidores. O que parece não estar a ser conseguido.
Diz-me como rebates os teus pontos…

Segundo um estudo de mercado relacionado com os pontos, os consumidores não estavam tão satisfeitos como à partida se poderia pensar, dada a proliferação de cartões de acolhimento de pontos, extensíveis hoje a diversos ramos de actividade, desde as gasolineiras aos bancos. Os descontos em gasolina, situação mais desejada, não se verifica e as considerações sobre os produtos oferecidos não são animadoras: «Será interessante ter presente que, de uma forma geral, as avaliações produzidas sobre a qualidade e o interesse dos produtos/serviços actualmente em oferta
[3] não foram muito positivas – pelo menos em parte».
O estudo tipifica os vários consumidores em relação à forma como se relacionam com o seu cartão de acumulação de pontos. Há os que possuem cartão mas não o usam ou usam muito pouco, sendo considerados não utilizadores, e que inclui os que acabam de abandonar o sistema; os que preferem utilizar os serviços (como a lavagem de carro, o aluguer de vídeos), estando neste grupo os que seleccionam com um objectivo específico, nunca acumulando pontos de forma prolongada; os que aplicam em produtos, que correm o risco de desistir «Até porque», refere o mesmo estudo de mercado, «normalmente, os pontos necessários são excessivos para os consumos feitos o que eventualmente implica que a pessoa nem sequer chegou a tempo, ou porque a promoção não existe ou porque já se esgotou» e ainda os consumidores intensivos, que têm muitos pontos para aplicar (caso dos camionistas).

Círculo de consumo


No Círculo de Leitores, os 120 pontos de uma colecção não chegam para conseguir uma t-shirt, mesmo que dê mais 950$00, a não ser que seja cliente há mais de um ano e aí tem direito a mais uns cinco pontinhos que lhe dão direito à camisolita, mas não chegará para adquirir um produto exclusivo como o guarda-chuva, para o qual serão precisos mais 60 pontos e ainda mais 1800$00. E se após mais de uma centena de pontos o leitor quiser liquidar os seus ditos prémios? Tem de se limitar à oferta da empresa. E se não encontrar nada que goste? Ou escolhe um menos-mal, liquida os seus pontos e esvazia ainda mais a carteira ou vai esperando.
Na verdade, o que salta à vista dos mais desprevenidos é que as compras valem pontos e estes prémios. Ora por prémios entende-se normalmente algo (objecto ou dinheiro) que se recebe como recompensa. Aqui recebem-se alguns descontos, ou seja, ao fim de gastar mais de 60 mil escudos e mais 20 pontos (o que equivale a uma acumulação de mais de 10 anos como leitor fiel, com compras regulares em todas as revistas) obtém-se um desconto de dois mil escudos (2150$00) desde que… se desembolse mais cerca de dois mil escudos (1800$00).
No caso do programa do clube de pontos BES (In) directo - contrariando toda a sua filosofia, assente na comunicação oral, realizada através do telefone (veículo utilizado quer para a adesão quer para o desenvolvimento do programa, como a consulta de saldos, o pedido de vales, etc.) – estipula a obrigatoriedade de, no caso do consumidor pretender pôr fim à sua participação no concurso, para o qual não foi ouvido, ter de efectuar uma notificação por escrito, dirigida ao banco. Só nesse caso será eliminado o saldo de pontos e estes deixarão de ser contabilizados em transacções posteriores. Ainda, se o consumidor não obedecer às regras impostas será punido – se fechar a conta pretendida ficará sem nenhum ponto.
Cartilha do coleccionador de pontos

- A “recompensa” que o consumidor tem por comprar numa dada empresa (excepcionando os prémios simples ou publicitários) é ser incentivado a comprar mais.
- O consumidor “tropeça” na criação de um ambiente de sedução que o induz a coleccionar. São apregoados prémios, benefícios, ofertas e vantagens. As maiores de todas são para as empresas, que fidelizam os clientes e os rentabilizam entre os parceiros.
- As limitações das vantagens para o consumidor são várias. No exemplo da conta do BES, em caso de um saldo superior a 500 contos terá sempre o mesmo número de pontos: 50 por mês.
- As empresas são, em geral, generosas quando pretendem aliciar o cliente a aderir a um determinado produto ou serviço, para o qual o pretendem canalizar (caso das contas bancárias, seguros), oferecendo inicialmente uma quantidade de pontos significativa. Só depois vêm os custos da continuidade.
- Pontos rima com contos, mas só porque quanto mais pontos quiser ganhar mais contos terá de gastar. Um ciclo em que o consumidor… se consome.
- É mais a ilusão do que a vantagem real. De outra forma, em relação aos pequenos prémios que vai recebendo, se fizer as contas ao dinheiro que já gastou verificará que é apenas uma “atenção” perfeitamente comum.
- Tem de adquirir vezes sem conta um dado produto ou serviço para que no fim tenha um gratuito. Mas aqui não há novidade nenhuma. Qualquer empresa o faria. E para ter direito a um prémio é preciso ter consumido bastante.
- Os pontos traduzem-se na oferta de produtos publicitários, em pequenas ofertas, descontos ou na aquisição de produtos adicionais. Não são convertíveis em dinheiro, mas em descontos, se fizer… novas compras. A sua acumulação é limitada pelo número e validade dos cartões.
- As vantagens efectivas dependem do grau e da intensidade da aquisição de dado bem. Os descontos interessantes são para os bons clientes, como o caso dos passageiros frequentes, pacote personalizado de telemóveis.

Fontes: AAVV – Enciclopédia internacional de marketing, Porto editora, Porto, 1998. BRITO, Carlos Melo – Da segmentação dos mercados ao marketing das relações. Marketeer, nº11, pág.88-93. CÒDIGO DA PUBLICIDADE – Código da publicidade. Instituto do consumidor, 1995. OLIVEIRA, Carlos Manuel – O marketing de relação e os programas de fidelização. Marketeer, nº36, pág. 20-25. MACHADO, Rui Telo – Data base marketing – novos horizontes da revolução. Marketeer, nº13, pág.74-78. MASCARENHAS, Rui – Os negócios da Shell – a propósito do cartão smart. Marketeer, nº12, pág.56-60 TEIXEIRA, Jorge – Bases de dados no mercado europeu – como atingir o alvo certo. Marketeer, nº13, pág.48-51.
[1] Revista do ClubSmart, nº44, pág.66. [2] Revista do ClubSmart, nº44, pág.66. [3] Início de 1998.

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quarta-feira, 3 de março de 2010

Renascer das saias

Ao aproximar-se o Dia Internacional da Mulher, folheamos um livro* que nos fala da urgência em recuperar os valores femininos, o lado mais íntimo, suave e contemplativo da vida. Vamos saber porquê.

Texto Dina Cristo

O microcosmo, o Ser Humano, como o macro, o Universo, está dividido entre o pólo yang, masculino, extrovertido, criativo e cheio (Espírito, Ar, Fogo) e o pólo yin, feminino, meditativo, gestativo e vazio (Alma, Terra e Água). Quer o homem quer a mulher possuem aquele lado, mais forte, solar, diurno e poderoso, e este, mais fraco, lunar, nocturno e carente.
Ambos devem assumir, experimentar e exprimir ambas as polaridades, sem, no entanto, adulterar a sua essência: o homem é essencialmente expansivo, representa a fraqueza do poder (com o seu corpo vital negativo) e a mulher, que simboliza o poder da fraqueza (com um corpo vital positivo) é predominantemente receptiva.
A história desenvolveu uma cultura ocidental masculina, que pressionou a mulher a aderir a valores masculinos como o poder, a força, a afirmação, o sucesso, o dinheiro ou a produtividade. Ao longo do século XX ela afirmou a sua dimensão afirmativa (como ele a passiva) e passou a avaliar-se pelo seu contrário. Ao afastar-se da sua vida interior, perdeu a visão interna e a inspiração.
Efeitos
Homem e mulher não podem alterar as suas verdadeiras naturezas, sob pena de se desencontrarem de si mesmos, de não se reconhecerem nem a si nem aos outros e de viver em desordem, desarmonia, desamor e incompreensão, num caos emocional, deserto amoroso, secura emotiva ou desertificação interior, pelo excesso de acção sem pausas.
Este é o estado da sociedade actual, que vive num mal-estar colectivo com indivíduos doentes, sós e infelizes, porque não vão no sentido da expansão da consciência e da aprendizagem do amor. É necessário revalorizar a vida da alma, terminar com a pobreza da uniformidade, abrir portas à riqueza da complementaridade, entre o pólo positivo e o pólo negativo, de onde provém a energia, e (fazer) renascer uma cultura com valores femininos.
A mulher é o espelho - oposto - de que o homem sente falta. É imperioso que a "mãe" se reconheça para que também o "pai" possa recuperar a sua identidade.
*MONSARAZ, Maria Flávia – O retorno do feminino, Hugin, 2000.

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