quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Telefonia de sessenta IV


Nesta quarta parte, abordamos a estrutura radiofónica enquanto aliada do regime.

Texto Dina Cristo

Ao relatar os acontecimentos mais significativos de 1961, a rádio portuguesa adopta uma atitude propagandística. Num país ditatorial, com a interiorização da censura, a ‘habituação’ da polícia política e a interdição partidária (para além da União Nacional, do Governo), a circulação do pensamento e ideias limita-se à realidade clandestina.
Com o conflito em Angola, a censura passa, a partir de 1961, a alargar-se também ao noticiário internacional. A nova circular interna dos Serviços de Censura incute um maior rigor censório[1] sobre os jornais.
A rádio, por outro lado, estava controlada à partida. “Em Portugal o poder encontra na radiodifusão um poderoso instrumento de propaganda. Salazar não só controla directamente a Emissora Nacional, como encontra na RR e no Rádio Clube Português fiéis e úteis aliados”[2].
Na Emissora Nacional, o dono era o próprio Estado e, portanto, a selecção de funcionários era, na generalidade, baseada na ideologia política perfilada. “Os próprios colaboradores dos órgãos de comunicação social só podem expressar-se sendo do regime, já que a opinião diferente é impedida”[3]. São as regras. Olga Serra Cruz, testemunha dos dias da rádio portuguesa nos anos 60, confirma a governamentalização da rádio. Os repórteres «eram escolhidos a dedo para dizer o que ‘deviam dizer’»[4].
Na Rádio Renascença, a Igreja está comprometida com os valores do regime. É, aliás, liderada pelo cardeal Cerejeira – um aliado fundamental do Presidente do Conselho – que defende a política do Governo junto da Santa Sé e do mundo Ocidental[5].
Cerejeira silencia-se aquando da repressão policial sobre os estudantes no início da década, aceita a limitação da liberdade de imprensa, usufruindo de absoluta protecção na comunicação social e na actividade editorial. Quando o bispo do Porto escreve, a 13 de Julho de 1958, uma missiva a Salazar, que o obriga a um exílio de dez anos, o cardeal não reage.
De acordo com José Barreto[6], o Estado Novo mantivera com a Igreja, ao longo de 40 anos, um relacionamento harmonioso, quase ideal, estabelecendo uma relação do tipo “alma e corpo” medieval.
O Rádio Clube Português era ligado ao regime, até mesmo por questões familiares, relacionadas com o seu fundador, Jorge Botelho Moniz[7].
A radiodifusão é, assim, usada como instrumento de propaganda política. No pós II Guerra Mundial, a rádio torna-se o veículo mais adequado à transmissão ou contraposição de uma (ou mais) ideia(s) para o exterior do país.
Em Portugal, o processo é acelerado nos anos 60, altura em que o país sofre ataques multilaterais e multiformes. Nesta altura, há muito mais uma radiodifusão do Governo do que do Estado.
Tudo remonta aos anos 40, quando para a criação do Gabinete de Coordenação dos Serviços de Propaganda e Informação, junto da Presidência do Conselho, se forma um Gabinete de Coordenação, constituído pelos directores do Secretariado de Propaganda Nacional dos Serviços de Censura e pelo Presidente da Comissão Administrativa da Emissora Nacional.
A EN está subordinada à Presidência do Conselho, quer em relação à propaganda quer aos programas, e os seus presidentes são da estrita confiança pessoal de Salazar, nomeadamente Henrique Galvão, António Ferro[8], António D`Eça de Queiroz, Jaime Ferreira e José Sollari Allegro.
Legalmente, o secretário nacional de propaganda podia ser, ao mesmo tempo, director do SNI e presidente da direcção da EN.
(Auto) censura
Na rádio, os censores estão dentro da própria estação, pelo que a censura faz-se quase automaticamente. «É notória a proximidade e dependência da Emissora Nacional em relação às mais altas instâncias do regime. A intervenção das entidades oficiais na EN opera-se directamente, através da reunião, do telefonema, da carta pessoal ao presidente da Estação, do despacho. Esta intervenção dispensa a censura, pois a EN é a “voz do dono”. A censura encontra-se assegurada pela própria estrutura orgânica da EN, na qual se integra o próprio poder. Não que os censores não existam. Porque eles estão lá, nomeados pelo Governo, cumprindo zelosamente a sua missão e as ordens recebidas, algumas emanadas directamente da própria direcção da EN, cujo presidente é um “censor-mor” (…)»[9].
Os censores são, na sua maioria, oficiais do exército reformados ou na reserva, geralmente com pouco zelo. Noutras ocasiões, com uma falta de sensibilização radiofónica, deixam transmitir textos escritos que, depois de ditos ao microfone, ganham um novo sentido. É a escrita radiofónica nas “entrelinhas” para fazer difundir uma mensagem diferente da que aparenta no papel.
A voz dos ridículos”, o programa mais antigo da rádio portuguesa, chega a “ironizar” com expressões como “estava o sol a dar”, “era só azar”. Era tudo uma questão de ouvido (homofonia). Nos ensaios, em presença dos censores podia representar-se uma peça de forma seca e fria, a mesma que dias depois, dita na rádio, se enche de vibração, entusiasmo e entoação.
Para esta equipa nortenha, havia censura prévia. Os textos eram continuamente levados ao estabelecimento comercial, na Rua de Santa Catarina, antes de irem para o ar. Algumas rubricas eram cortadas: “Houve programas que foram refeitos no espaço de horas”[10]. A empatia com o censor apenas podia fazer acelerar ou demorar mais o processo, obrigatório, contudo.
De qualquer forma, a auto-censura domina. Os profissionais são pessoas da confiança do Governo, têm como fontes os jornais, já filtrados, e a informação é quase sempre oficial, muitas vezes baseada em comunicados lidos tal e qual estão escritos, sem quaisquer adaptações radiofónicas.
Muitas pessoas são formadas nesse quadro político-social e é como se houvesse um "muro", para além do qual, nada mais se vê. Para a rádio, não há regras escritas. Mas elas funcionam em pleno. As reportagens permitidas são sobre factos anódinos, sem importância.
Para os trabalhos que escapam à (auto)censura, existe ainda a censura “a posteriori”. Eis um caso de suspensão: «Porque o “Diário do Ar” insistiu em transmitir espontaneamente estribilhos patrióticos acerca de Angola, a Rádio Renascença fez-lhe saber, sempre telefonicamente, e sem confirmação por escrito, apesar de haver um contrato que ainda não caducou, que resolvera cessar o “Diário do Ar” a partir de hoje, 16 de Junho de 1961, pois não podia tolerar as suas “piadas”. Seguiria uma carta»[11].
A missiva nunca chega e o programa é suspenso. No entanto, reaparece em três semanas, com equipa rejuvenescida, em novo emissor, o de Miramar, do Rádio Clube Português, e passa a chamar-se “Rádio Jornal: o seu diário do ar”.

[1] Alerta o documento que os jornais devem continuar a enviar as respectivas provas, acompanhadas de títulos e subtítulos, nomeadamente os referentes a assuntos militares de Ultramar e de ordem político-social. [2] TEIXEIRA, João Luís Arruda et all “A rádio em Portugal”. Trabalho executado no âmbito da cadeira “História dos Media”, coordenada por Francisco Rui Cádima. Policopiado. Lisboa. 1988. Vol. I, pág. 46. [3] Idem, pág. 63. [4] CRUZ, Olga Serra - “A rádio – anos 60”. Trabalho executado no âmbito da cadeira “História dos Media”, coordenada por Francisco Rui Cádima. Policopiado. Lisboa. 1986. Vol. I, pág. 15. [5] O cardeal Cerejeira fora um amigo pessoal de Salazar, desde os tempos de estudante no seminário. Salazar estudou em Viseu, de 1900 a 1908, e Cerejeira em Braga, desde 1906 e 1909. [6] José Barreto é autor da introdução e anotações da “Carta ao cardeal Cerejeira”, escrita por D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto, a 16 de Julho de 1968 e editada pelas Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1996. [7] “Júlio Botelho Moniz era um homem mais sólido e calmo do que o seu irmão Jorge, demasiado truculento”, afirma Mário Soares à jornalista Maria João Avillez (pág. 155). [8] Foram presidentes da Emissora Nacional Henrique Galvão, António Ferro, António D´Éça de Queiroz. Na década de 60, passaram pelo lugar Jaime Ferreira e José Sollari Allegro. [9] TEIXEIRA, João Luís Arruda et all “A rádio em Portugal”. Trabalho executado no âmbito da cadeira “História dos Media”, coordenada por Francisco Rui Cádima. Policopiado. Lisboa. 1988. Vol. I, pág. 88. [10] Entrevista pela autora a Júlio Couto, no Porto. [11] “Pensando tratar-se de um meio de intimidação e como à hora habitual não tivesse chegado qualquer carta, os produtores fizeram a ligação com o estúdio da Rádio Renascença para iniciar a emissão. Mas ao bater das 15 horas, a Emissora Católica Portuguesa, sem qualquer satisfação ao público, anunciou o seu programa da tarde com música, muita música e um dia memorável para os seus locutores” in “Rádio e Televisão”, 24 de Junho de 1961, pág. 3.

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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Liberdade em risco

Quando se analisa em Portugal o grau de liberdade de expressão publicamos, autorizados pelos autores, alguns dos 142 cartoons que integram a exposição “A liberdade é um risco”, que inaugurou, em Maio último, em comemoração do Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, na Biblioteca de Telheiras. A mostra, já exibida em Matosinhos, Lousã e Portalegre, é uma iniciativa da FecoPortugal – Associação de Cartoonistas em parceria com a Amnistia Internacional.

Selecção FecoPortugal

Kap - Espanha

Derkaoui Abdelah - Marrocos

Alexandrov - Rússia
Osman Suroglu - Turquia

Álvaro - Portugal
Bonil - Equador
Aung Min Min - Birmânia

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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Relatório MacBride


Faz Segunda-Feira 30 anos que foi entregue, na UNESCO, o documento original da Nova Ordem Internacional da Informação. O objectivo: corrigir os desequilíbrios entre os países do Norte, produtores massivos de informação, e os do Sul, demasiado limitados à recepção.

Texto Dina Cristo



Em período de guerra fria, um grupo de países afro-asiáticos reune-se em Bandung para reivindicar uma agenda 3 D: descolonizar, desenvolver e desarmar. A conferência de 1955 marca a entrada na cena internacional dos países não alinhados, nações do terceiro mundo que reivindicavam, com base nos princípios da co-existência pacífica, o Pan Shyla, o direito de se manterem equidistantes dos dois blocos antagonistas, os EUA e a União Soviética. A cartilha de Bandung – cidade símbolo indonésio da resistência à colonização holandesa – é o espelho da filosofia da neutralidade.

Dois anos mais tarde é fundada A AIIMI – Associação Internacional para a Investigação dos “Media” e da Informação. Ali se reunem académicos de todo o mundo em prol de um ideal: a promoção da liberdade de imprensa e de um mundo pacific(ad)o. Entretanto, as mudanças geo-políticas que se dão a nível internacional alteram a visão de jornalistas, políticos e público sobre os “media”, que ganham cada vez mais centralidade.

Nos anos 70, a política internacional informativa tem um avanço considerável através de diversos encontros internacionais. Em 1972 é a Declaração Política sobre a Informação dos Países do Pacto Andino; em 1973 a dos chefes de Estado dos Países Não-Alinhados; em 1974, a Nova Ordem Económica Internacional é aprovada na 6º sessão extraordinária da ONU; em 1976, é exigida, na 19ª Conferência Geral da UNESCO, uma nova estrutura de intercâmbio informativo e em 1977 o tema começa a ser debatido num colóquio internacional em Bagdade. Um ano depois, Portugal é admitido, como membro, na Federação Internacional e na Organização Internacional de Jornalistas.
No último ano da década de 70 ocorrem ainda três importantes acontecimentos: o debate, em Kuala Lampur, sobre as políticas de comunicação na Ásia e Oceânia, a VI Conferência dos Países Não-Alinhados e reunião de especialistas em Comunicação que aprofundam os princípios básicos da nascente Nova Ordem Internacional da Informação (NOII), que em 1980 tem um desenvolvimento considerável.
Precisamente nesse ano, organizações representativas de 300 mil jornalistas profissionais de todos os continentes aprovam, no México, uma declaração que reclama a urgência da NOII – uma necessidade reafirmada no 4º plenário do Conselho Intergovernamental de Coordenação para a Informação dos Países Não-Alinhados, com vista a salvagurdar a sua herança e cooperação cultural, e na AFRICOM, uma reunião de 25 países africanos nos Camarões, através da Declaração de Yaundé; em Paris DEVCOM é elaborado o “Programa Internacional para o Desenvolvimento da Comunicação” e, em Belgrado, na XXI Assembleia Geral da UNESCO, são apresentadas as resoluções preliminares do extenso estudo sobre os principais problemas mundiais da comunicação.
Documento A Comissão Internacional incumbida do Relatório, nomeada pelo Director-Geral da UNESCO, Amadeu Mathar M´Bow, é composta por peritos como Gabriel Garcia Marquez e Marshall MacLuhan, e presidida por Sean MacBride - Prémio Nobel da Paz, em 1974, Fundador da Aministia Internacional e antigo Ministro irlandês dos Negócios estrangeiros.
A Resolução, debatida em Outubro de 1980, reconhece o desequilíbrio do fluxo de informação e o direito de cada país informar a opinião pública mundial acerca dos seus interesses, aspirações e valores sócio-culturais, de qualquer indivíduo ou grupo aceder às fontes de dados, de todos os povos participarem nas trocas internacionais de informação e, assim, de forma mais activa no processo de comunicação.
Nos primeiros pontos que estabelecem as bases da NOII considera-se a eliminação dos efeitos de certos monopólios e concentrações excessivas, a defesa do pluralismo de fontes e canais de informação, a transmissão mais larga e equilibrada de ideias, a liberdade de imprensa e a responsabilidade dos jornalistas bem como a capacidade dos países em vias de desenvolvimento de melhorar, equipando-se, formando os seus quadros e aperfeiçoando as suas infra-estruturas com a ajuda sincera dos países desenvolvidos.
Portugal Nas conclusões do 1º Congresso dos Jornalistas Portugueses, sob o tema “liberdade de expressão – expressão da Liberdade”, realizado em 1983, o debate do desequilíbrio/necessidade de reequilibrar os fluxos de informação entre os países mais ricos e mais pobres faz-se notar. É o caso da dependência informativa de Portugal, da «(...) necessidade da criação de meios alternativos ao controlo da informação internacional» e do «(...) alargamento da rede de correspondentes portugueses no exterior»
[1].
Durante a reunião, efectuada na Fundação Calouste Gulbenkian, são várias as intervenções inspiradas em “Muitas vozes, um só mundo”. Fernando Correia retrata a desproporção: por um lado, uma meia dúzia de paises, de primeira, que funciona como centros internacionais difusores de informação – onde estão concentrados os grandes meios de comunicação, as quatro principais agências informativas (Associated Press, United Press, Reuter e France Press), os quadros humanos e as tecnologias – e por outro, a esmagadora maioria de países, de segunda, no papel de receptores passivos de informação.
O mesmo jornalista apresenta números do que designou por ‘imperialismo informativo’: «as quatro grandes agências citadas controlam, só por si, quase 80 por cento da informação que circula no mundo (...) do noticiário das grandes agências, apenas 20 a 30 por centro se refere aos países em vias de desenvolvimento, os quais no entanto abrangem três quartas partes da humanidade»
[2].

Fernando Correia
apontou igualmente o desequilíbrio qualitativo: «Os países de “primeira”, os que dominam a informação, inundam os outros com os seus êxitos, as suas virtudes, os seus costumes – também, claro está, as suas bebidas, os seus frigoríficos, os seus televisores, os seus automóveis... e os seus canhões. Dos países de “segunda”, aqueles apenas importam, para consumo interno – e para além das matérias-primas... – a chamada informação negativa, isto é, as calamidades, as guerras, os aspectos insólitos e folclóricos que nada adiantam, antes pelo contrário, ao conhecimento das realidades nacionais. (...) Dá-se notícia das guerras e dos desastres, das remodelações governamentais e das dificuldades internas, mas não se dedica uma palavra que seja, por exemplo, ao abnegado esforço popular na luta pela reconstrução nacional »[3].
A NOII insere-se, segundo o mesmo autor, na luta pela informação com base democrática, verdadeiramente independente, pelo desenvolvimento e progresso social. O papel de Portugal, defende, é duplo: o país podia ajudar a moderar os fluxos informativos, evitando a exploração informativa dos (novos) países africanos, por um lado, e de ser ele próprio vítima do que designou por “colonialismo informativo”: «A verdade é que os leitores, ouvintes e telespectadores portugueses sabem muitas vezes mais sobre os pensamentos e a acção dos senhores da Casa Branca ou as últimas movimentações na música “rock” anglo-saxónica do que, por exemplo, sobre a realidade social no Alentejo ou a actividade cultural das colectividades populares portuguesas»
[4].
«O colonialismo cultural administrado com violência pelas agências transnacionais de notícias, especializadas em desinformação e propaganda, é o que hoje fere mais profundamente»
[5], afirma Jorge Ribeiro, que fala de ‘terrrorismo informativo’, da informação como instrumento de domínio, das agências que designa como ‘centrais de mentira’, que preservam as estruturas de dominação, da ‘invasão de notícias’ que pôe em perigo a identidade nacional (citando o então presidente da Venezuela, Carlos Andres Perez), da exploração dos povos - bem patente em Portugal: «Folheie-se, ouça-se e veja-se quantas notícias por dia vão do litoral para o interior e quantas, por ano, chegam dos caminhos de cabras do interior aos gabinetes alcatifados em Lisboa»[6]. Para reequilibrar o fluxo de notícias, defende Jorge Ribeiro, há que romper com a dependência, abrir o diálogo Norte-Sul e criar uma circulação de notícias contra a corrente.
Fernando Semedo lembra que só as agências dos EUA controlam cerca de 65% do fluxo mundial de informação. Faltam, sublinha, afirmações profundas e correctas sobre a defesa da vida e da paz, os perigos e consequências do possível uso das armas e as alternativas disponíveis. Lembra igualmente a função social, cívica, moral, deontológica e intelectual do jornalista, por um lado, e das várias declarações e convenções que condenam não só o incitamento à guerra como defendem o empenho dos “media” ao nível do próprio desarmamento. «A Acta Final de Helsínquia, de 1975, defende que a cooperação internacional do domínio da informação deve contribuir para o “reforço da Paz e da compreensão entre os povos bem como para o enriquecimento espiritual da personalidade humana, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião»
[7] recorda.
Hoje

O relatório, lembra Carla Baptista, identifica a comunicação como um problema político estratégico, na definição da relação de poder entre países, atribui aos “media” uma grande eficácia na proliferação de sistemas económicos, sociais e culturais, reclama uma maior igualização nos fluxos trocados entre o Norte e o Sul e uma agenda mediática mais diversificada, justa e inclusiva das diferentes áreas geográficas. «O relatório recomendava ainda que se estimulasse o desenvolvimento do jornalismo de investigação, encarado como uma das feramentas de que a profissão dispunha para cumprir a sua missão de denúncia da corrupção,
das más práticas governativas e das violações dos direitos humanos»[8], lembra.
No início do séc. XXI, num mundo globalizado, cinquenta anos depois da criação da AIIM, aumenta a centralizadade da comunicação, a necessidade da co-regulação das redes comunicacionais e de uma prática mais multicultural, de inclusão e participação cívica, refere Carla Baptista. Na comemoração dos 25 anos do relatório, em 2005, o presidente da Comissão Internacional, mandatada pela UNESCO, recorda como então sentiu necessidade de reagir ao conceito de W. Randolph Herst de que “As notícias são aquilo que é interessante, não necessariamente aquilo que é importante”. Fica, também, a chamada de atenção de Jorge Ribeiro em congresso: «O facto de hoje noticiar um melhoramento na aldeia mais escondida, não porque é um benefício à população mas porque a “benfeitoria” fica à porta do cacique local, nada tem a ver com o diálogo Norte-Sul. Corre-se até um risco pior: se a atitude política que promove o acontecimento não for denunciada, é o campo da manipulação que se invade».

[1] AAVV – 1º Congresso dos jornalistas Portugueses – Conclusões , teses e documentos, Secretariado da Comissão Executiva ndo ICJP, p.18 [2] CORREIA, Fernando – Algumas questões sobre a Nova Ordem Internacional da Informação in 1º Congresso dos jornalistas Portugueses – Conclusões , teses e documentos, Secretariado da Comissão Executiva ndo ICJP , p.78 [3] Idem, p.78, 80. [4] Idem, p.80. [5] RIBEIRO, Jorge – Sobre a Nova Ordem internacional para a Informação in 1º Congresso dos jornalistas Portugueses – Conclusões , teses e documentos, Secretariado da Comissão Executiva ndo ICJP, p.85 [6] RIBEIRO, Jorge – Sobre a Nova Ordem internacional para a Informação in 1º Congresso dos jornalistas Portugueses – Conclusões , teses e documentos, Secretariado da Comissão Executiva ndo ICJP, p.84. [7] SEMEDO, Fernando – Da função intelectual e cívica do jornalista no elogio da vida e conquista da paz in 1º Congresso dos jornalistas Portugueses – Conclusões , teses e documentos, Secretariado da Comissão Executiva ndo ICJP, p.59. [8] BAPTISTA, Carla –A investigação em ciências da comunicação já tem uma história para contar in JJ, nº32, p.37. [9] RIBEIRO, Jorge – Sobre a Nova Ordem internacional para a Informação in 1º Congresso dos jornalistas Portugueses – Conclusões , teses e documentos, Secretariado da Comissão Executiva ndo ICJP, p.84.

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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Humberto Delgado

Faz, Sábado, 45 anos que desapareceu um homem que, em plena ditadura, ousou ser livre e desafiar o medo. Lembramo-lo hoje num texto lido aos microfones da Rádio Regional Sanjoanense, no programa "Espaço Boina Verde", da Associação de Pára-Quedistas das Terras de Santa Maria.



Humberto Delgado nasceu a 15 de Maio de 1906, na Aldeia de Boquilobo, perto de Torres Novas. Seguiu uma carreira militar e tornou-se num distinto e prestigiado General da Força Aérea Portuguesa. O destino perpetuou-lhe o nome de "General sem medo", fez do humanismo a base do seu comportamento e da sua filosofia.
Falar de Humberto Delgado é falar dos princípios da liberdade de pensamento; princípios esses, traduzidos no ponto de apoio da "alavanca" que devemos dirigir em proveito comum para a fortificação e progresso da Humanidade.
Foi politicamente um liberal democrata, fortemente influenciado pela cultura anglófona e pela sociedade americana.
Regendo-se pelo padrão do sentido do dever, toma a posição cívica em defesa dos mais fracos e dos mais oprimidos, contra a ditadura, pela defesa da liberdade de expressão.
O desprezo pela deslealdade entre os homens era um dos traços mais salientes e constantes do seu carácter incorruptível ancorado no seu cunho de valor moral e patriótico.
Ao longo da sua vida, nunca deixaria de associar a integridade e a coragem à virilidade, materializando-se no seu elevado grau de princípios.
Homem bom, dotado de fina e judiciosa integridade, sempre pautou a sua conduta pelos valores da nobreza de carácter, da coerência de ideias e da vontade de ser útil à sociedade, assumindo fortemente posições intransigentes na defesa do livre pensamento.
Auto-fidelidade

Corporizou o principal movimento de tentativa de derrube da ditadura através de eleições, tornou-se no homem que mais multidões congregou durante o regime salazarista.
De total frontalidade, dizia sempre o que pensava fosse a quem fosse. Numa famosa entrevista, um determinado jornalista pergunta-lhe que postura tomaria face ao Presidente do Conselho de Ministros, caso vencesse as eleições. Sem hesitar e fazendo ponto de honra à sua mais pura e legítima liberdade de pensamento, responde: "obviamente demito-o".
Foi a frase de declaração de guerra ao regime, reveladora de uma atitude indiscutivelmente corajosa.
Corria o ano 1958 e com ele as eleições presidenciais, que o levariam à derrota, graças à gigantesca fraude eleitoral montada pelo regime de então.
Sequência dessa derrota, vítima de represálias por parte da polícia política, pede asilo político ao Brasil, seguindo depois para a Argélia.
Nesse contexto, foi atraído a uma tramóia maquiavélica, previamente preparada, que resultou na sua morte às mãos da PIDE, no fatídico dia 13 de Fevereiro de 1965, na fronteira de Espanha, nos arredores de Olivença.
A luta que encetou até ao dia em que foi morto, reflecte-se na sua famosa frase: "estou pronto para morrer pela liberdade".
Coragem de ser livre
Foi um acérrimo combatente, indomável pela liberdade do seu País, a quem doou a sua própria vida.
O seu exemplo, leva-nos a personificar a ideia de que todas as derrotas são vitórias, uma vez que quando se morre por um ideal, vence-se sempre. Sensibiliza-nos ainda para o facto de que, sem memória, não existe história, assim como sem história, não existe memória.
A força e a coragem que empreendeu pela liberdade, pelo desenvolvimento e pela dignificação do nosso País, fez dele um cidadão que, sem hesitação, sempre sacrificou os seus interesses, aos ideais de uma sociedade mais justa e ao bem-estar do semelhante. Apostou sempre na mudança e na transformação da sociedade, num tempo em que, como sabemos, discordar era crime.
Presenteou-nos ainda com a "lição", de que o mundo gira à volta de dois grandes sentimentos: a vontade e o medo. A vontade, leva-nos a alcançar os objectivos traçados em consciência com o nosso livre pensamento, enquanto que o medo consentido dá a cobardia, ao contrário do medo vencido que nos dá a coragem.
Reflexo do seu glorioso exemplo, que nos deixou, e da "lufada de ar fresco que injectou" na sociedade portuguesa, tornou-se num verdadeiro precursor do 25 de Abril de 1974. Defendeu que a ditadura só cairia através da acção militar, o que viria a ser protagonizada pelas Forças Armadas, apoiadas pelo povo, o que aconteceu de facto nove anos após o seu assassinato.
Memória exemplar
Em 1990, esse grande vulto da democracia da nossa história contemporânea foi nomeado, a título póstumo, Marechal da Força Aérea e os seus restos mortais trasladados para o Panteão Nacional.
Humberto Delgado tornou-se numa das figuras mais marcantes do século XX, deixou o patriotismo aliado ao livre pensamento como traço marcante da sua personalidade. Pensamento esse, que sempre esteve no seu espírito e manteve muito bem guardado no âmago do seu coração. Assim seja acrisolado e herdado pelas novas gerações, por se tornar no bem mais precioso que a alma da democracia pode almejar.
Torna-se desta forma determinante, para que os princípios da liberdade, igualdade e fraternidade sejam respeitados à luz da declaração universal dos direitos do homem. Considerado um dos "pais" da nossa liberdade, e um mártir da resistência portuguesa, depois de morto ainda consegue mexer e, ao mesmo tempo, incomodar algumas mentes mais conservadoras.
Perpetuar a memória de Humberto Delgado é manter bem vivo o seu exemplo como homem, como cidadão e como lutador. De rara e forte coragem que, apesar de humilhado e perseguido, nada impediu de defender a excelência das suas convicções, e consequentemente as reformas sociais para a dignificação do ser humano.
Ficam aqui bem patentes e espelhadas as grandes virtudes no exemplo que esta gloriosa e ilustre figura Universal, nos deixou para a prosperidade; assim fica o seu merecido e honroso lugar na história.
Resta-nos agora saber honrar a sua memória, a sua coragem, a sua entrega às causas públicas e o amor à liberdade e à Pátria.

*Delegado da Fundação Humberto Delgado, Pára-quedista da Força Aérea Portuguesa e Sargento-Chefe da Guarda Nacional Republicana.

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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Fadista romântico


Dentro de um mês deverá ser lançado, em Peniche, o seu primeiro CD a solo. Chama-se “12 fados e uma canção”, é uma homenagem ao fado castiço e um hino ao amor.


Texto e fotografia Dina Cristo


A Associação Recreativa Penichense deverá ser o palco de lançamento do primeiro CD de Emanuel Soares, filho da terra, que conseguiu “levar o barco a bom porto” e ancorar nos estúdios António Bizarro onde acaba de gravar, acompanhado à guitarra portuguesa por Rudolfo Godinho, à viola por Francisco do Carmo e à viola-baixo por António Oliveira.
Trata-se de um disco compacto com temas maioritariamente tradicionais, como “Feira da ladra”, e alguns fados musicados, como “Roseira botão de gente”, – imortalizados por diversos fadistas, entre os quais Fernando Maurício, Alfredo Marceneiro. Todos os 13 temas são fruto da sua vontade e decisão autónoma, sempre que se sentiu suficientemente “enroupado”.
O disco abre com “É tão bom ser pequenino”, o seu fado de estreia e que o tem acompanhado nas diversas noites de fado, e termina como uma onda, uma canção cantada em espanhol. No meio fala-nos da “Feira da ladra”, da “Senhora do livramento”, da “Caravela da saudade”, da “Maria Lisboa”, da “Mansarda” e, num oceano de amor, da “Chuva”, do “Aniversário”, do “Jogo da sedução” e da “Incerteza”.

(A)mar o fado

Emanuel Soares, 40 anos, irmão de fadista, desde pequeno que ouve e canta fado. Primeiro em privado, depois nas festas em família e entre amigos. Durante quase uma década aprende a comunicar com o público, quando ainda adolescente começa a apresentar espectáculos, incluindo vários fadistas. A coragem para cantar publicamente e com acompanhamento veio apenas quando foi desafiado pelos colegas, já em Torres Vedras. Desde aí não mais parou. Sobretudo nas Caldas da Rainha as actuações multiplicaram-se e estenderam-se até às casas de fado nos bairros da capital portuguesa.
Mais recentemente a experiência de ser a voz masculina do projecto Abrilfadoatlântico, que se dedica à trilogia tango (Argentino) - morninhas (Brasileiras) - fado (Português), com meses de actuações diárias, e de viver alguns anos na Corunha, fê-lo sentir, em definitivo, o chamamento para o fado e a vocação para cantar o sentimento amoroso e a típica saudade portuguesa.
Dedica-se, nos seus tempos livres, à pesquisa de repertório tradicional, do chamado fado castiço, e tem como referências Amália Rodrigues, Ana Moura, Camané, Carlos Zel, Carminho, Cecília do Carmo, Kátia Guerreiro, João Ferreira Rosa, Maria Teresa Noronha, Pedro Moutinho, Ricardo Ribeiro, na voz, e Jorge Fernando,José Luís Gordo ou Mário Rainho, nos versos. Sedu-lo a sintonia entre fadista, público e músicos, quando “todos estão para o mesmo” e se atinge a comunhão, através de um silêncio precioso, onde só a voz fadista ousa penetrar - altura em que o fado acontece.
Com este CD, Emanuel Soares conta encetar uma nova etapa da sua “viagem pelo fado”, ir um pouco às suas raízes, cantá-lo sempre à sua maneira e deixar o seu toque pessoal. Apesar de bastante alegre, enérgico e comunicativo, encontra na expressão fadista o seu verdadeiro ser, mais calmo e tranquilo, quando interpreta a genuina identidade portuguesa e consegue, ao mesmo tempo, atingir o íntimo de cada um. Entre as figuras que classicamente estiveram ligadas à vida fadista - o vadio, o fidalgo e o marinheiro - identifica-se mais com o último ou não fosse filho de homem do mar e naural de uma península.
Como se lê em At-Tambur, «O fado não é apenas uma canção acompanhada à guitarra. É a própria alma do povo português. Ouvindo as palavras de cada fado pode sentir-se a presença do mar, a vida dos marinheiros e pescadores, as ruelas e becos de Lisboa, as despedidas, o infortúnio e a saudade. A grande companheira do fado é a guitarra portuguesa. Juntos, fado e guitarra, contam a essência de uma história ligada ao mar».

Destino fatal

O fado tem origens remotas. Está marcado pelos phatos das tragédias clássicas helénicas, pelas cantigas de amigo, amor, sátira, escárnio e mal-dizer, dos trovadores e jograis medievais, e pelo canto árabe (na Mouraria). Mas não só. Da sua história fazem parte as modinhas e o lundum afro-brasileiro, cuja fusão e introdução em Portugal se deve a Domingos Caldas Barbosa, no final do séc.XVIII.
O início do séc. XIX fica marcado pelo retorno da corte portuguesa do Brasil, após a desocupação francesa, os marinheiros que importam tais influências, e a introdução do cistro em Portugal, pela colónia britânica no Porto. O romantismo do século XIX havia de propiciar ainda a adesão à música cheia de «ais e suspiros» e as guerras civis da mesma centúria o estímulo à poesia dos bairros populares.
É assim que se desenvolve, após 1840, a primeira fase do fado, marcadamente ligada ao povo, à improvisação, à vadiagem, a uma vida amargurada e poesia humilde. Foi seu expoente máximo a Severa. Ficará conhecido como fado clássico, dos bairros populares de Lisboa. No último quartel do séc. XIX passa a ter mais notoriedade. É introduzido o piano, as letras de homens mais cultos e letrados e ascende aos salões palacianos, onde é ouvido pelas senhoras da elite social. Entra na sua fase aristocrática e fidalga.
No século XX, com o cinema, a rádio e o teatro de revista, o fado atinge uma difusão massiva. Censurado e licenciado torna-se controlado e objecto de uma espécie de indústria cultural com as suas estrelas de eleição. Aparece a primeira fadista internacional, Ercília Costa, o fado adquire um elevado estatuto social e atinge, nos anos 30 e 40, um período de ouro. Associado ao “Estado Novo”, após o seu derrube, cai em desgraça, nos anos 70 e 80.

Moda fadista

No início do século XXI o velho fatum, o destino, a melancolia, a saudade, as emoções profundas do povo português, voltam, renovadas, a serem choradas pelas guitarras e cantadas por homens e mulheres que o público aplaude com o seu tão raro silêncio.
O fado expressa a alma aprisionada de um povo que através dele comunica ao mundo as suas profundas angústias e sentimentos de dor. Além de uma vida tradicional (os bairros, a guitarra, o rio, o mar), o fado expõe os lamentos do coração, das perdas, desgostos, sofrimentos e (des)ilusões.
De um movimento inicialmente herético, nascido em tascas, tabernas e vielas, na voz de rufias e rameiras, o fado fundiu o popular (rural) com o erudito (citadino) e é hoje uma instituição nacional, que represente a identidade colectiva, nos top de vendas. Neste século XXI foi já objecto de colóquio internacional, roteiro, vários festivais, e rádios especializadas.
Tem sido recuperado desde há duas décadas com novas roupagens, instrumentos, vozes, posturas e reconhecimento internacional. O sucesso de Mariza, dos “Deolinda”, dos “Amália Hoje” ou do filme “Amália” são exemplos da redescoberta da canção urbana lisboeta e uma revalorização do mais lento, genuíno e tradicional, tal como reportado por Carl Honoré.

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