quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Comer animais?


A alimentação humana à base de carne está a cada dia que passa a ser posta em causa. Mas nem todas as pessoas estão em condições de mudar. Quando se assinala, este Domingo, o Dia Mundial do Respeito pelos Animais, vamos ver quem pode ou deve adoptar uma dieta vegetariana e porquê.


Texto e fotografia Dina Cristo



Criar e matar animais para depois os comer tornou-se um hábito ancestral, (muito) poucas vezes questionado. Sempre assim foi e há-de continuar a ser, diz o povo: “já a minha avó….”. Habituados à escassez aquando da Grande Guerra, os nossos antepassados viam na carne um luxo, algo apropriado para momentos de festa, aliado a uma certa ideia de estatuto económico-social. Mais tarde, com a produção industrial, o seu custo baixou consideravelmente e o acesso generalizou-se. Passou, então, a fazer parte da ementa quotidiana.
Chegámos, assim, ao ponto em que, nos primeiros anos deste século, cada português consome, em média, cem quilos de carne, por ano. “A maior parte das pessoas pensa que uma refeição sem carne está incompleta, pois, desde tempos imemoráveis, considera-se axiomático ser a carne o alimento mais revigorante que possuímos. Todos os outros alimentos são considerados como simples acessórios de um ou mais pratos de carne no cardápio. Nada mais errado (…)”, escrevia Max Heindel há cem anos.
Ao excesso de carne no prato tem vindo a opor-se um movimento (inter) nacional que chama a atenção para os malefícios do uso, e sobretudo do abuso, do regime alimentar carnívoro. Peter J. D´Adamo tem estudado a dieta mais adequada para cada tipo de sangue e conclui claramente a natureza vegetariana dos indivíduos de tipo de sangue A, ao contrário do tipo O, carnívoros, e do tipo B, que toleram bem a proteína animal, e do tipo AB, que precisam de conjugar a dieta carnívora com a vegetariana.
Os riscos para a saúde são uma dos três razões mais habitualmente apontadas. A carga hormonal e de antibióticos, a alimentação artificial e as condições cruéis a que os animais são sujeitos nas produções intensivas têm vindo a ser denunciadas um pouco por todo o mundo: «Na produção pecuária utilizam-se aditivos e medicamentos de toda a espécie (…) para acelerar o crescimento dos animais e para combater doenças que são, frequentemente, consequência directa da imobilidade, dos maus tratos e da alimentação incorrecta dos animais», escrevia Gabriela Oliveira, no Outono de 2002, na revista “Biosofia” (uma das candidatas ao Prémio Informação Solidária 2009)[1].
As doenças entre os animais abatidos para consumo humano, como a BSE ou actualmente a gripe das aves, são vistas não como um acaso mas uma consequência do tratamento atroz a que os animais são submetidos. O gado deixou de se alimentar livremente nos campos para passar a ser “inchado” em condições degradantes e sujeito às mais diversas técnicas de tortura para lhes aumentar a produtividade e, portanto, os lucros empresariais: «(…) desde que haja possibilidade de ganhar dinheiro com a carne ou com a pele de um animal, o homem perde todo o respeito por sua vida e se converte no ser mais perigoso da terra, alimentando-os e criando-os para ganhar dinheiro, impondo sofrimentos e tormentos a um ser com direito à vida, para amontoar ouro»[2].
Humberto Álvares da Costa denunciava, há dez anos, o problema da assimilação dos desejos animalescos: «(…) também a matéria dos animais é viva e inteligente, mesmo depois de os assassinarmos, e introduzir no nosso corpo os desejos e o modo de sentir dos animais. Quem quer libertar-se, necessita de abdicar de comer animais ou tudo aquilo que promova desejos exacerbados (…)»[3]. Se se juntar a capacidade de antevisão dos animais à sua ida para os matadouros, autênicos campos de concentração, teremos o quadro de animosidade humana, agressividade e ferocidade comum.
Os cadáveres estão impregnados de toxinas, não só pela forma como são crescidos intensivamente, mortos e também, depois, ingeridos: «É natural que desejemos o melhor como alimento, mas todos os animais têm em si os venenos da putrefacção. O sangue venoso está cheio de substâncias venenosas que ele vai adquirindo no seu caminho através de todo o organismo e que normalmente deveriam ser expelidas através da urina e da transpiração. Estas substâncias repugnantes se encontram em todas as partes da carne, e quando comemos esses alimentos enchemos nosso corpo com essas toxinas venenosas. Muitas enfermidades são devidas ao nosso emprego da carne»[4], expunha o autor de "Conceito de Rosacruz do Cosmo".
Num artigo que recentemente publicámos, Alberto Chang explica os mesmos perigos: «As proteínas animais consumidas em excesso deixam resíduos tóxicos nos tecidos, tais como as purinas e ácido úrico, que podem causar putrefacção intestinal, acidificação e diminuição do cálcio e magnésio no organismo. Muitas vezes consomem-se os hambúrgeres bastante fritos ou cozidos e o problema agrava-se mais, visto que ao perder a vitamina B6 e outros nutrientes dá-se o aparecimento de uma substância tóxica: a homeocisteína, implicada na origem da arteriosclerose. Por outro lado, a carne tostada vem a produzir uma substância extremamente tóxica: o benzo-alfa-pirene, implicado na formação de cancro»[5].
Além das incompatibilidades alimentares, da multiplicação de proteína (um dos erros mais comuns à mesa, como é exemplo o bife com ovo), e da forma incorrecta de os cozinhar (demasiado fogo que elimina os nutrientes), o seu excesso deixa, pois, um rasto de veneno pelo organismo: «A carne que se consome», afirma Gabriela Oliveira, autora do livro “Alimentação Vegetariana Para Bebés e Crianças”, «mais não é que um bocado de cadáver impregnado de toxinas e de emoções primárias, resultado de uma vida escravizada e de uma morte violenta»[6]. Daí a tendência das crianças vegetarianas, como sublinha, para ser «(…) mais equilibradas, calmas e afectuosas (…)»[7]

Nutrição vegetariana 

A dieta vegetal ou frugívora é mais saudável, sobretudo se for crua, pois mantém a vitalidade do alimento, e é, muita dela, um antisséptico natural em alto grau (caso do ananás, laranja ou limão), limpando e purificando o sistema orgânico e elevando as vibrações do corpo. «Não devemos, todavia, chegar à conclusão de que cada um de nós teria que deixar de comer carne e dedicar-se a comer vegetais crus. Em nosso estado actual [1909] de evolução são muito poucos os que podem fazê-lo. Temos que cuidar de não elevar muito rapidamente as vibrações de nossos corpos porque, para continuarmos nosso trabalho nas condições actuais, precisamos ter um corpo apropriado para as tarefas que devemos realizar»[8].
Na verdade, o maior poder alimentício não está na carne. A sua proteína requer muitas enzimas digestivas (que o tipo de sangue O dispõe), pelo que a parte não digerida, que fica retida nos intestinos, apodrece e provoca maior acumulação tóxica; acidifica o organismo, origina uma menor actividade, maior excitação e desgasta o corpo. Só as pessoas que a consomem sentem necessidade de um estimulante espirituoso que embriaga, o vinho. Pelo contrário, os vegetais são elementos de mais fácil digestão, fornecem mais energia e a sua nutrição é mais prolongada.
No Génesis (1.29), é referido que a humanidade se deverá alimentar de vegetais: «E disse Deus: Eis que vos tenho dado toda a erva que dá semente, que está sobre a face de toda a terra; e toda a árvore, em que há fruto de árvore que dá semente, ser-vos-á para mantimento». Uma alimentação para a qual está vocacionada: «Os seres humanos podem alimentar-se de todo o tipo de alimentos, mas possuem características digestivas fisiológicas mais próximas do herbívoro que dos carnívoros. Exemplo disso é o número dos dentes incisivos, molares e pré-molares, e um tracto digestivo longo, adaptado à digestão de legumes, frutas e cereais, e em menor grau à digestão de proteínas animais»[9].
Além do envenenamento, embrutecimento e várias doenças, há um “segundo” argumento a desfavor da alimentação à “base” de animais: o ambiente. O Partido pelos Animais, na Holanda, e o documentário “Uma verdade mais do que inconveniente” sublinham o responsabilidade da indústria da pecuária nas emissões de gases no mundo (18%), acima do impacto dos transportes (13%), e na degradação dos solos e da água. Cada quilo de carne de vaca consumido equivale a 16 mil litros de água gastos: «Neste contexto, adoptar uma alimentação tendencialmente de base vegetariana permite, para além de reduzir o impacte sobre o solo, sobre a biodiversidade, sobre a energia e sobre as alterações climáticas, poupar água»[10], relembrava a Quercus no início deste ano. A quantidade de árvores abatidas para dar lugar a campos de cultivo que sustentem alimentação para os animais é outro factor de risco ambiental planetário.
Matar é desumano A terceira “vaga” de contestação é ao nível ético. O ideal de respeito pela vida dos animais e a prática de uma alimentação vegetariana têm sido ensinados e defendidos pelos grandes vultos da nossa história (inter)nacional. S. Francisco de Assis, seu padroeiro, é um dos mais conhecidos. Mais tarde, Leonardo Da Vinci profetizava que dali a alguns séculos qualquer ser humano que matasse um animal seria (re)criminado e condenado tal como “hoje” acontece quando a vítima é um humano.
«Tanto a espiritualidade oriental como a ocidental têm tradições que favorecem o vegetarianismo como expressão de sensibilidade moral e espiritual. No Ocidente, a exclusão de produtos animais foi ensinada pelos antigos pitagóricos, por algumas austeras ordens religiosas medievais e pelos rosacruzes»[11]. Em Portugal, Agostinho da Silva foi um exemplo de inofensividade à mesa e a tradição religiosa nacional reserva as Sextas-Feiras da Quaresma, especialmente a Santa, para a abstinência carnívora.
Já no século XIX, Helena Blavatsky se indignava perante o sofrimento sobre os animais: « (…) a caça se tornou um dos entretenimentos mais nobres das classes superiores. Assim – pobres inocentes pássaros feridos, torturados e mortos aos milhões a cada outono, tudo em países cristãos, para a recreação do homem. Disso também surgiu a maldade, e frequentemente a crueldade a sangue frio (…) Em todos os países que o europeu passa a dominar, começa a matança de animais e o seu massacre inútil»[12].
No início do século XX, Max Heindel questinava: «Se tivesse que ir a esses lugares sangrentos, onde todos os dias se cometem horrores para poder satisfazer os costumes anormais e daninhos, que causam muito mais vítimas que a sede de álcool; se tivesse que manejar o cutelo impiedoso e mergulhá-lo nas carnes palpitantes de suas vítimas, quanta carne comeria? Muito pouca. Mas para fugir desse trabalho repugnante, obrigamos nossos semelhantes a trabalhar nos sangrentos matadouros, matando milhares de animais dia após dia»[13].

Animais sensíveis 

Um dos maiores combates de quem defende os animais é o reconhecimento do seu carácter senciente, ou seja, de seres capazes de sentir dor e de sofrer. «Torna-se hoje visível que muitos animais, se tiverem espaço/condições psicológicas e materiais, revelam um potencial imenso, demonstram verdadeira inteligência, sentimentos refinados e complexos, e impressionante sentido estético”[14].
Nos nossos dias, a contestação face ao tratamento dos animais como se fossem objectos ou coisas à mercê dos caprichos do Homem alastra conforme desperta a sensibilidade das crianças, homens e mulheres. Reflexo de uma renovada consciência que, por compaixão, pretende evitar o sofrimento desnecessário dos animais que, doravante passam a ser vistos como criaturas vivas, a quem se deve respeito e protecção.
Hábitos alimentares que até há pouco tempo foram vistos como normais - por indiferença, inconsciência ou desumanidade - são hoje cada vez mais considerados verdadeiras atrocidades, barbaridades, massacres, assassinatos, aberrações, tornando-se cada vez mais difícil justificar os cerca de 60 biliões de animais usados em quintas industriais e o crescente mercado negro (ilegal) de animais (selvagens).
Desde sempre seres humanos de elevada estirpe optaram por um regime vegetariano, mas ultimamente têm vindo a somar forças. Em Portugal, a Liga Portuguesa dos Direitos do Animal, a "Animal", associação criada há 15 anos no Porto, têm vindo a lutar pelos direitos dos animais, como o de não serem sujeitos à violência, à privação da liberdade física e de não serem mortos. A nível internacional, está a decorrer uma campanhaPara mim os animais importam”, que conta com quase dois milhões de assinantes. A nível governamental, cerca de 200 países assinaram um compromisso, decorrente da conferência da Manila, em 2003, tendo em vista uma Declaração Universal do Bem-Estar Animal.
Também os portugueses se mostraram mais sensibilizados com o sofrimento animal ao ponto de o “Aqui e Agora”, da SIC (outro dos nomeados para o PIS 2009) lhes ter dedicado dois programas, com elevados níveis de participação. Na Anadia, por exemplo, há um casal que tem como animal de estimação uma porca e a cada esquina vemos mais pessoas dedicadas ao convívio com os animais.
Tendo em vista o desenvolvimento humano será de esperar que a humanidade passe a etapa do carnivorismo, como já ultrapassou a do canibalismo. Com uma sensibilidade mais apurada, de acordo com Max Heindel, os seres humanos sentirão horror face a um passado que, então, encararão como bárbaro e tenderão, então, a sacrificar-se a si mesmos, em detrimento dos animais, e a criar, em vez de destruir: «(…) chegará o dia em que sentiremos profunda repugnância ante o pensamento de converter nossos estômagos em cemitério de cadáveres dos animais assassinados. Todos os verdadeiros cristãos se absterão de comer carne por pura compaixão e compreenderão que toda vida é a Vida de Deus e que é errado causar sofrimento a qualquer ser sensível»[15].

Mudança de regime alimentar? 

Max Heindel chama a atenção para a alteração repentina da base alimentar humana: «(…) Seria errado, no entanto, que se mudassem os hábitos alimentares usados durante anos, para seguir outro regime, sem análise prévia e cuidadosa do que melhor possa servir aos objectivos pretendidos. A simples eliminação da carne, da alimentação corrente das pessoas omnívoras, causaria certamente desequilíbrios na saúde da maioria. A única maneira segura de o fazer é, em primeiro lugar, estudar o assunto cuidadosamente e experimentar o novo regime»[16].
Quem tem o tipo de sangue A (de origem sedentária, quando o homem se tornou agricultor) pode fazê-lo e, no caso de aspirantes a uma vida espiritual, devem-no: “Nenhum indivíduo que mate consegue progredir alguma coisa no caminho da santidade. Note-se, todavia que, ao comer carne, agimos pior do que se matássemos. Com efeito, para evitar cometer pessoalmente essas matanças, obrigamos o semelhante, forçado por necessidades económicas, a dedicar a sua vida inteira ao assassínio. Essa actividade brutaliza (…) Matar, para um aspirante aos ideais elevados, seja pessoalmente ou por interpostas pessoas, é uma coisa completamente inaceitável. Contudo, podem ser usados vários produtos animais muito importantes, como o leite, o queijo e a manteiga»[17].

Alternativas 

Como refere Max Heindel no sub-capítulo "Ciência da nutrição", na sua obra máxima: «Em termos gerais, de todos os alimentos sólidos, os vegetais frescos e as frutas maduras contêm a maior proporção de substâncias nutritivas e a menor quantidade de substâncias nocivas»[18]. Devido ao seu grau de consciência (sono com sonhos), superior ao dos vegetais (sono sem sonhos), os animais tendem a individualizar-se, a resistir à sua assimilação e a libertar-se mais depressa, daí a decomposição rápida, pelo que a sua ingestão exige maior quantidade de comida e refeições mais frequentes.
Existem formas alternativas, mais éticas, ecológicas e saudáveis, de obter proteínas completas, ou seja, alimentos que contêm, nas proporções correctas, os aminoácidos essenciais (isoleucina, leucina, lysina, methionina, fenylalanina, threonina, tryptofan e valina) produzidos unicamente através da alimentação (e não elaborados espontaneamente pelo organismo, como é o caso dos 14 aminoácidos não essenciais). A combinação do arroz com feijão, favas, ervilhas ou grão, por exemplo, é uma das formas de o conseguir. Também há fontes unicamente vegetais de proteína muito rica, em qualidade e quantidade, como é o caso dos derivados da soja, desde que não geneticamente modificada, como o tofu.
Em “O livro essencial da cozinha vegetariana” são dados exemplos de como variar e combinar alimentos: “A mistura de leguminosas, cereais, frutos secos e sementes proporciona ao organismo os aminoácidos necessários para produzir proteínas completas: feijão encarnado com arroz, grão-de-bico com couscous, sopa de ervilhas secas com pão, hamburguer de lentilhas com pão, manteiga de amendoim com tosta, tostas com feijões guisados (…)”[19]. Também “Na maior parte das sociedades a cozinha típica inclui diversas formas de combinar as proteínas complementares”[20], como arroz com tofu, massa e queijo, muesli com leite ou feijões com legumes[21].
A dieta vegetariana, nos seus diferentes formas e graus, constitui uma solução para muitos dos problemas actuais; alia a via da não-violência, o desenvolvimento humano e uma vida saudável e será difícil argumentar que não é viável - «As nações vegetarianas do Oriente são um argumento incontestável contra os que defendem a dieta carnívora”[22] – ou exequível, pois a lista de restaurantes vegetarianos cresce não só pela região de Lisboa mas por todo o país.


[1] OLIVEIRA, Gabriela – Nascer e crescer vegetariano in Biosofia, Outono 2002, p.34. [2] HEINDEL, Max – Princípios ocultos de saúde e cura, Cap. X, p.9. [3] COSTA, Humberto Álvares – Vegetarianismo e o Novo Homem in Biosofia, Outono 1999, p.46. [4] HEINDEL, Max – Princípios ocultos de saúde e cura, Cap.X, p.8. [5] Editado pela Arte Plural em 2006. [6] OLIVEIRA, Gabriela – Nascer e crescer vegetariano in Biosofia, Outono 2002, p.34. [7] OLIVEIRA, Gabriela – Nascer e crescer vegetariano in Biosofia, Outono 2002, p.33. [8] HEINDEL, Max – Princípios ocultos de saúde e cura, Cap. X, p.9. [9] A importância da soja na alimentação humana, Rosacruz, nº 386, p.29. [10] QuercusAmbiente Janeiro/Fevereiro 2009, pág.29. [11] ROSACRUZ – A importância da soja na alimentação humana in Rosacruz, nº386, p.29. [12] Citado de http://www.filosofiaesoterica.com/ [13] HEINDEL, Max - Princípios Ocultos de Saúde e Cura (Cap.X). [14] ANACLETO, José Manuel – Animais in Biosofia, nº33, p.3. [15] HEINDEL, Max – Princípios ocultos de saúde e cura, Cap. X, p.10. [16] HEINDEL, Max - Método para adquirir conhecimento directo, p.352. [17] HEINDEL, Max - Método para adquirir conhecimento directo, p.351. [18] HEINDEL, Max – Conceito Rosacruz do Cosmos, p.350 [19] O livro essencial da cozinha vegetariana, Konemann, 2000, p.22/23. [20] O livro essencial da cozinha vegetariana, Konemann, 2000, p.20. [21] Outros exemplos. hummus com pão lavash, salada de feijão e tabouli, dhal com pão pita ou com arroz, felafel com pão pita ou feijões com milho. [22] HEINDEL, Max – Princípios ocultos de saúde e cura, Cap. X, p.8.

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domingo, 25 de outubro de 2009

Telefonia de sessenta I


Neste mesmo dia, há 84 anos, Abílio Nunes dos Santos Júnior dá início às emissões regulares de radiodifusão em Portugal. Em jeito de homenagem, iniciamos a publicação de um artigo, escrito em meados da década de 90, sobre a rádio nos anos 60. Começamos pelo ano de 1961, quando Henrique Galvão desvia o Santa Maria.

Texto Dina Cristo

Em Maio de 1961, os ouvintes têm à sua disposição, num só dia
[1], mais de 100 horas de emissão de rádio, repartidas entre a estação oficial e as particulares.
A Emissora Nacional (EN) recebe, em média, cerca de quatro mil cartas diariamente. Possui, além da programação do Emissor Regional de Coimbra, o Emissor Regional do Norte e o programa “B” (com a junção e desdobramento de emissores), a Lisboa 1 com 17h e a Lisboa 2, com uma interrupção, na qual se insere a programação da Rádio Universidade, com oito horas.
O Rádio Clube Português (RCP) dispõe de 20 horas (entre as 7h e as 3h), e o Emissor de Miramar. A Rádio Renascença (RR) preenche 19 horas, entre as 7h e as 2h – o mesmo horário que os Emissores Associados de Lisboa (EAL), a Rádio Voz de Lisboa, o Clube Radiofónico de Portugal e a Rádio Peninsular. Os Emissores do Norte Reunidos (ENR) preenchem 16 horas de emissão (entre as 9h e a 1h). A Rádio Ribatejo dispõe de mais oito horas de rádio.
No início de 1961, a televisão oferece dois períodos de emissão, num total de quatro horas. O primeiro entre as 18h30m e as 19h30m, e o segundo, entre as 21h e as 24h
[2].
Na década de 60, iniciam-se as emissões em estereofonia e generaliza-se o funcionamento da Frequência Modulada (FM) nas três principais estações. Em 1963, o RCP tem um novo emissor de FM (de Lisboa, com programação independente). Em 1965 e 1966 começam a funcionar os emissores de FM em Monchique, Valongo, Lousã e Mendro (no Alentejo). Em 1967 é a vez de Bornes e da Guarda inaugurarem os seus novos postos emissores
[3]. A RR inicia a montagem da rede de frequência modulada em 1964.
Em 1968 iniciam-se as emissões de estereofonia do RCP e da EN
[4]. Já em 1961, Máximo Esteves, director da Rádio Peninsular de Madrid, afirma que “o som estereofónico prestou provas que merecem uma acolhida entusiástica por parte dos ouvintes”[5].
O transístor, aparelho da rádio em miniatura e portátil, vem revolucionar os hábitos de escuta. A telefonia passa a ser mais económica e de acesso generalizado. “Essa invenção representa no campo que estamos a discutir uma tremenda revolução (…) no caminho de uma fabulosa difusão de rádio-receptores de pequenas dimensões e baixo preço”
[6].
Santa Liberdade

Os acontecimentos de 1961 marcam a década de 60 portuguesa. A política salazarista, autoritária e colonialista, é cada vez mais questionada, no interior do país, na clandestinidade, e além fronteiras, quer em territórios ainda dominados pelo Governo português, quer em instituições internacionais, tais como a ONU e a NATO, às quais se junta a oposição dos Estados Unidos, formalmente aliado de Portugal.
Em Janeiro de 1961, o capitão Henrique Galvão, com 66 anos, programa e realiza o assalto, e posterior desvio, do Santa Maria. Considerado a pérola portuguesa, o navio leva a bordo 600 turistas e 370 tripulantes. Pesa 27 mil toneladas.
O objectivo é atingido: chamar a atenção a nível internacional para a política seguida pelo Governo português. O assalto tem cobertura jornalística em vários países e repercussões internacionais. No Brasil, a eleição de Jânio Quadros é relegada para segundo plano. O Santa Maria torna-se o primeiro acontecimento da década a envolver um esforço suplementar para os homens com funções informativas.
De 22 de Janeiro de 1961, dia da captura do navio, a 16 de Fevereiro, altura em que chega a Portugal, passando pelo desembarque no Brasil, dia 2 de Fevereiro, a informação radiofónica passa dos 12 portugueses, 11 espanhóis e dois venezuelanos a imagem de piratas e criminosos, que atentaram contra a tranquila imagem de Portugal no estrangeiro. Para o Governo, os companheiros de Henrique Galvão não passam de assaltantes que ousam cometer um crime contra a própria pátria, sujando o seu nome além fronteiras. A rádio serve o regime.
O ângulo de visão é sobretudo de apoio indiscutível a Salazar. Nas reportagens são referidos sentimentos e pensamentos mesmo sem os intervenientes serem ouvidos. São legendadas imagens sonoras, previamente determinadas. Nessas peças são promovidas as ideias do Estado Novo, nomeadamente a de que Portugal é um país mulirracial e constituído por regiões ultramarinas. O repórter parece ser o personagem omnisciente de uma representação, várias vezes encenada.
A programação da Emissora Nacional prevista para a primeira semana do assalto consistia em dez blocos informativos. A estação começava a emitir às 7h e terminava às 24h. No entanto, a emissão torna-se ininterrupta logo no segundo dia da viagem do paquete e é prolongada por vários dias, num total de 140 horas suplementares. A EN faz deslocar Artur Agostinho, ao Recife, como enviado especial; recebe crónicas de Ferreira Costa e comentários de “jornalistas e outras individualidades de relevo na vida pública nacional”
[7]. Nasce um programa especial, “Verdades e mentiras sobre o caso de Santa Maria” e a informação da Onda Média é depois repetida em Onda Curta, para o estrangeiro[8].
Na Rádio Renascença, o Santa Maria é especialmente tratado no “Diário do Ar”, magazine dedicado à reportagem de rua e à cobertura de acontecimentos. Mas a estação que mais se salienta é o Rádio Clube Português. Esta emissora dá ao país a primeira notícia no dia 24 de Janeiro, às 2h12m. A partir daí, desenvolve-se um trabalho consecutivo de 270 horas, distribuídas por turnos de redacção, locução e reportagem, envolvendo mais sete funcionários e outros três em contacto com entidades de informação, no exterior. Além dos serviços normais de noticiários, o RCP transmite mais de vinte serviços extraordinários, por dia, interrompendo programas. O RCP chega a obter entrevistas exclusivas com o ministro da Marinha, Fernando Quintanilha Mendonça Dias, e o secretário nacional da informação.
No dia 29 de Janeiro, às 6h28m, chegam ao aeroporto de Lisboa, seis tripulantes feridos do paquete. O repórter cataloga antecipadamente o espírito dos feridos e excede-se em qualificativos. O relato foca, sobretudo, a perspectiva da filosofia patriótica do Estado Novo: «Senhores ouvintes, se posso transmitir-vos uma primeira impressão deste feliz regresso destes portugueses, que viveram a perigosíssima aventura, será a sensação de tranquilidade, paz, de conforto, que se espelha nas suas fisionomias. Graças a Deus, eles estão sãos e salvos em terra portuguesa, onde acabam de regressar. Nós estamos solidários com a sua felicidade, assim como estamos solidários com os riscos e com os perigos que ainda correm os outros tripulantes, assim como os passageiros que ainda estão a bordo do Santa Maria»
[9].
O repórter aborda alguns dos tripulantes de forma a “esclarecer convenientemente a opinião pública acerca da perigosa aventura, da criminosa aventura que viveram”
[10]. Carlos Alberto Carvalho responde que “o estado geral dos passageiros era de medo, era de terror, mas não podiam falar”, afirmando a inevitabilidade da rendição: “O nosso comandante, coitado, estava como de costume, com aquela sua cara, mas tristonha, uma cara tristonha, uma cara que, enfim, metia dó a nós próprios, porque ele teve que se render. Não podia fazer outra coisa”[11]. O tripulante afirma que a população portuguesa “foi coagida debaixo de armas a entregar…”, pois havia “metralhadoras e bombas de mão”[12].
Por seu lado, Henrique Galvão refere, no seu diário de bordo a 22 de Janeiro, o pavor em que estavam os homens do navio, mas sublinha a sua condescendência em excesso, que o desgostou: “No camarote encontrei um grupo patético, a maioria em pijama ou roupão de banho, com o capitão também em pijama, todos derrotados, sem a mais leve resistência, um deles chorando como um bezerro abandonado – autênticos produtos de Salazar, tornados invertebrados pelo regime”
[13].
Aquele que fora o director da EN, entre 1933 e 1941, propôs três formas de rendição, que podiam escolher livremente: “Quando acabei e vi a expressão desmoralizada em todas aquelas caras, ainda esperei que, num rompante de dignidade, escolhessem ser prisioneiros de guerra. Mas não. Depois de uma breve conferência com o capitão, todos juraram imediatamente, sob sua honra, obedecerem-nos com zelo e lealdade. A escolha demonstrava uma tal baixeza de carácter que tornava a palavra de honra desprezível (…). Sabíamos que poucos, talvez nenhuns, eram salazaristas: mas todos tinham no espírito o estigma de Salazar (…). O seu medo era enorme – e, para se sentirem mais seguros, acabei por lhes prometer que os defenderia nas declarações que fizesse, dizendo que só se tinham submetido coagidos pela força”
[14].
No dia 16 de Fevereiro, chega o navio Santa Maria ao cais de Alcântara, em Lisboa. A doca fica repleta de jornalistas, repórteres fotográficos, correspondentes estrangeiros e… cerca de 100 mil pessoas. A par de mais de um animador a incitar pela multidão, gritando “Salazar está quase a chegar”, Viva Salazar”, “Salazar, Salazar…”, o repórter da Emissora Nacional, Artur Agostinho, transmite a emoção da ‘consagração’ de Salazar: “À medida que se aproxima o momento da chegada aqui do Dr. Oliveira Salazar, assim aumenta a excitação patriótica desta gente que aguarda Salazar, que quer ver Salazar, quer vitoriar Salazar”
[15].
Pouco depois, quando aparece à multidão, Salazar é lacónico: “Temos o Santa Maria connosco. Obrigado portugueses”. São as suas únicas palavras à multidão que o aguardava.É uma oportunidade que o Governo não desperdiça para mostrar força e unidade, onde há laivos de fraqueza e divisão. “O regime serviu-se ao máximo do seu poder na imprensa, na rádio e na televisão para transformar a ocasião numa retumbante vitória política”[16].

[1] Tomemos o exemplo do dia 15 de Maio, Segunda-Feira, segundo a “Rádio Nacional”, nº 1242. [2] No dia 7 de Janeiro de 1961, o cartaz televisivo é constituído por quatro horas, de Segunda a Sexta-Feira (18h-19h e 21h-24h), cinco horas ao Sábado (abre às 17h) e cinco horas e meia no Domingo (transmite também entre as 12h30 e as 13h). A informação ocupa, por norma, três blocos de notícias: às 18h45m, às 21h30m e às 23h50m. [3] “Em 1967, tem-se a cobertura total do país em modulação de frequência, por intermédio de uma rede de emissores” in “História da Radiodifusão em Portugal – os contributos do RCP e da EN” de Aníbal Oliveira, trabalho executado no âmbito da cadeira “História dos Media”, coordenada pelo Prof. Rui Cádima, Lisboa, 1987, p.9 (policopiado). [4] “Assim, em Berlim, vários fabricantes apresentarão aparelhos estereofónicos com a novidade de dispensarem os altifalantes complementares que usualmente se colocam em posições diversas. Tudo ficará incorporado no próprio aparelho. Preço: sensivelmente dois terços do que é normal actualmente”, lê-se na crónica sobre a “Deutsche Rundfunk-Fernseh-und Phono-Ausstel`ung 1961” in “Rádio e Televisão”, 8 de Julho de 1961, p.8. [5] “Rádio e televisão”, 11 de Novembro de 1961, p.17. [6] “Rádio e televisão” – Do deslumbramento pelo “transístor” à luta pela sobrevivência da maravilha dita “estereofonia”, 8 de Julho de 1961, pág.8. [7] “Rádio e televisão”, 11 de Fevereiro de 1961, pág. 10. [8] A 14 de Outubro de 1961, as emissões internacionais da EN incluem noticiários para Angola, Moçambique, s. Tomé, Macau, Timor, Índia, Guiné, Cabo Verde, Brasil, EUA, Canadá e para a frota bacalhoeira. [9] Arquivo Histórico da RDP, 29 de Janeiro de 1961. [10] Arquivo Histórico da RDP, EN, 29 Janeiro de 1961. [11] Idem, ibidem. [12] Idem, ibidem. [13] “História contemporânea de Portugal – “Operação Dulcineia. O assalto ao Santa Maria – Henrique Galvão”. Direcção de João Medina, Ed. Multilar, pág. 130. [14] Idem, pág. 130/131. [15] Arquivo Histórico da RDP. EN, Artur Agostinho, 16 Fevereiro de 1961. [16] Elbrick, então embaixador americano em Portugal, citado por José Freire Antunes, em documento confidencial, em “Kennedy e Salazar- o leão e a raposa”, Difusão Cultural, 1991, pág. 152.

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quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Cinema comunitário


Em plena edição do Festival de Cinema Documental de Lisboa, reportamos uma outra sétima arte, a ambulante, que leva até ao Portugal profundo histórias animadas.

Texto e fotografia Sara Fidalgo

Dia Mundial da Criança. Pequenos e graúdos de mãos dadas, seguem para a Biblioteca Municipal de Montealegre para assistirem a um teatro em celebração do dia. Os mais velhos deixam a criançada “bem sentadinha e sorridente”. A calmaria é levada segundos depois. A directora Gorete Afonso* chega ao pequeno auditório, onde a pequenagem pedia para que os personagens chegassem depressa.

Simpática, protagonista de uma recepção calorosa e atenciosa, apresenta-se como a responsável do subprojecto do programa Leader Adrat, em vigor na União Europeia. Este plano trabalha sobre propostas inovadoras em prol de melhorias de vida e costumes das regiões em que actua.
Gorete Afonso adiantou que o ciclo de cinema e teatro não é um acontecimento agendado com grande frequência, no entanto, é um êxito certo sempre que se realiza. O projecto caseiro da biblioteca promete levar “som e imagem” junto dos mais novos, chegando (também) a quem deles toma conta.
Cada sessão funciona como novidade para a população. Os mais idosos afirmam que raramente viu filmes em tela, ou que a última vez que foram ao local foi a primeira vez que viram uma projecção. Novas visões do mundo, diferentes costumes e etnias são apresentadas a pessoas que raramente saíram da terra natal.
A interacção mantém-se entre os habitantes: deixam o sofá de casa para as pequenas, mas confortáveis, cadeiras das salas de projecção. Novos hábitos criados! José Santos, vindo da toma diária do cafezinho, adianta: "Deixamos os jogos de futebol de parte, porque neste país já não têm futuro. O melhor de tudo é podermos sentarmo-nos com os nossos parceiros, beber um suminho e provar as pipocas com caramelo. Menos mal que a cervejinha foi substituída, com menos barriga ficamos."
Cinema itinerante
A prática de levar o cinema de terra em terra parece algo rudimentar mas, na realidade, é uma iniciativa com largos horizontes para o tempo futuro. O material disponível, os altos níveis de interesse e o amor à camisola são os principais factores que tornam a acção comunitária algo tão honesto.
Helena Marta, uma senhora que costuma passear com o neto, perto da Biblioteca Municipal, deu-nos o seu parecer: "É bom poder juntar uma vila inteira para assistir a um acontecimento. É fantástico haver alguém que se preocupe connosco. Uma pessoa que vem, com a casa e o filme às costas, merecia que fizessem um filme sobre ela. Talvez a malta jovem siga a ideia dos mais velhotes!"
Os lucros são mínimos, o contentamento é massivo. Das salas saem sorrisos e palavras de aprovação. Dos bastidores não saem actores, sai quem apresenta, a um dos pequenos mundos do planeta Terra, clássicos e dá provas de bem-estar a um público (quase) estreante.
"Gosto muito de poder ver os diferentes rostos, ouvir as diferentes vozes, saber os diversos pontos de vista. Dentro e fora do filme. A cara dos meus vizinhos, as expressões dos actores. As conversas dos personagens e a fofoca das senhoras do mercado. Os pontos de vista que o sábio protagonista mostra ao principiante e os comentários dos mais novos”, diz António Marques que, enquanto passava pelo local, decidiu comentar o que ouviu de uma reunião de grupo espontânea.
Os patrocínios são indispensáveis para garantir o bom funcionamento dos meios de difusão de imagem. O café local ou a Câmara Municipal podem sempre dar um pequeno contributo para o projeccionista profissionalmente amador.
Há 15 anos, a fita, levada às costas, era posta a trabalhar num simples projector direccionado a uma parede das maiores casas da vila. Hoje em dia, numa sala acolhedora e com um projector ligado directamente a um computador, a dinâmica é acrescida ao tempo do filme.
Técnica
Durante anos surgiram novas tecnologias que evoluíram com uma visão pedagógica para um romance, thriller, uma comédia ou mesmo um filme de drama. Valter Carvalho, um dos simpáticos senhores de Montealegre comenta o assunto: "No meu tempo tínhamos a preocupação de cuidar da família. Os momentos em família eram passados a trabalhar ou às refeições. Graças a Deus que os nossos netos estão livres desses encargos e podem aproveitar o conhecimento e a prática do bom que o cinema lhes apresenta."
A mutação do cinema é matéria dos nossos dias. A história conta o cinema mudo e o falado, o preto e branco e a mistura de cores, a antiga tela e a pano imenso.
Actualmente, a tecnologia é algo confusa, um tanto desordenada. Este facto deve-se à ligação sinérgica entre as telecomunicações, informática, modos de produção de imagem e a sua distribuição.
Esta arte, a mais tecnológica de todas, torna-se especial por conseguir transpor o mundo da magia e o impossível para a realidade.
Existe uma vasta gama de públicos. A multiplicidade de filmes vai ao encontro de ideais antigos e novos aspectos que se pretendem cristalizar. Aqui se enquadram os idosos. À terceira idade estão direccionadas várias actividades, pedagógicas e lúdicas, que lhes permite aprendizagens e interacção.
O cinema e a vida contribuem para a criação de emoções, numa sala escura, junto de desconhecidos, onde o que atrai é o imaginário e a promessa de novas sensações.
*Directora da biblioteca em discurso directo:
A que público se dirige esta iniciativa? O cinema é dirigido para todas as idades mas mais concretamente para os jovens que procuram o espaço.
Qual o impacto das tecnologias no público em geral? As tecnologias têm quase um poder misterioso para os mais velhos. A receptividade é algo bastante positivo.
O que pode ser alterado na maneira de estar das pessoas? Normalmente não há grandes alterações no comportamento a não ser a nível intelectual, pois ganham conhecimento do mundo e crescem em cultura.

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quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Nutrição racional

A dois passos do Dia Mundial da Alimentação lembramos alguns princípios básicos para uma boa nutrição: comer alimentos não processados nem refinados ou contaminados com agrotóxicos, ingerir hidratos de carbono lentos, proteínas completas (com moderação e de forma variada), vegetais crus, sementes e grãos germinados, alimentos lactofermentados e probióticos. Agora mais atentos, devido à gripe A, comecemos pela necessidade de romper com os maus hábitos alimentares.

Texto Alberto Suarez Chang fotografia Dina Cristo

A nutrição é uma ciência completa e uma arte de usar os alimentos com equilíbrio. Com uma dieta carente de proteínas completas, hidratos de carbono, vitaminas e minerais, seria impossível estar livre de enfermidades e gozar de um óptimo bem-estar físico e mental. Para isso é fundamental saber a composição de cada alimento, as compatibilidades alimentícias, o modo adequado de prepará-lo e estar consciente de que a qualidade é muito mais importante do que a quantidade. Por exemplo, uma cenoura contém uma grande quantidade de betacaroteno, sobretudo se provém da agricultura biológica, porém esta pode diminuir se não for consumida rapidamente ou pode ser destruída completamente se for cozida mais de cinco minutos.
Os queijos, sobretudo se são de leite cru, são uma excelente fonte de proteínas, porém quando se abusa deles, podem estimular uma excessiva produção de mucos; se são consumidos junto com os doces podemos bloquear a absorção de proteínas e formar uma glicosilação. Este processo causa uma modificação anormal na estrutura e funcionamento de muitas outras proteínas de células e tecidos, acelerando, por exemplo, as complicações oculares dos diabéticos.
Todavia, apesar de termos uma alimentação razoavelmente aceitável, não conseguimos ter um aporte suficiente de vitaminas, minerais e outros nutrientes que nos permitam libertarmos a toxicidade ambiental, reparar o desgaste celular, reforçar o sistema imunitário e restaurar o sistema nervoso do stress da vida moderna.
Necessitamos urgentemente de incorporar na nossa dieta quotidiana certos alimentos com uma alta concentração de nutrientes essenciais, tais como a levedura de cerveja (rica em complexo B e aminoácidos), gérmen de trigo (vitamina E), pólen de flores, algas marinhas (iodo e ácido algínico), iogurte (proteínas e acidófilos), azeites polinsaturados de colza ou sésamo com pressão a frio (precursor de prostaglandinas E1), assim como aumentar o nosso consumo de frutas ricas em vitamina C, como o kiwi, a papaia, a toranja, o maracujá, também alhos, brócolos, repolho roxo e os abacates (excelentes fontes de antioxidantes sulfurados, selénio e glutatião).
Todos estes supernutrientes podem ser suficientes na maior parte dos casos porém, quando sofremos de um processo infeccioso ou degenerativo (como artrite) ou quando a quantidade de metais pesados e outros xenobióticos é alta no nosso organismo, necessitamos de uma suplementação extra de todos os nutrientes essenciais tais como os antioxidantes (vitamina E, C, selénio), minerais (magnésio e zinco) e o complexo B em doses mais fortes.
Infelizmente o preço da vida moderna e do progresso, nós mesmos temos que pagar pois as leis e as resoluções governamentais, que deveriam proteger o meio ambiente e o povo, são inexistentes.

Maus hábitos

A maioria das pessoas não se preocupa com o conteúdo alimentício do que consome. Só se interessa com a sensação hedonista que produzem certos alimentos do seu agrado. Isto leva, por um lado, a uma limitação de nutrientes e, portanto, a uma desnutrição e, por outro, a um excesso perigoso de certas substâncias, como as gorduras saturadas (carnes e lácteos), gorduras peroxidadas (frituras) ou, pior ainda, gorduras “trans” (como as margarinas usadas nos bolos), açúcar refinado (doces, gelados), produtos torrados (café) ou defumados (chouriço, presunto, salmão).
Muitas pessoas sentem que não podem funcionar apropriadamente sem tomar uma ou várias chávenas de café logo de manhã. Pensam que lhes dá energia. A cafeína é uma substância aditiva que estimula em exagero o sistema nervoso central e afecta a função de órgãos vitais como o coração, os rins e as supra-renais.
Aqueles que mudam os seus hábitos alimentares só o fazem quando têm graves problemas de saúde, outros inteligentemente compreenderam que uma boa nutrição é o melhor preventivo de enfermidades e a melhor maneira de aumentar a capacidade mental e o bem-estar físico.
Alimentos naturais
A maior parte dos alimentos que encontramos nos supermercados são desnaturalizados, desvitalizados e carentes de nutrientes essenciais devido em primeiro lugar a práticas lucrativas da agricultura convencional e em segundo lugar ao processo de industrialização que sofrem quase todos os produtos de consumo hoje em dia.
Comemos frutas, verduras, carnes e produtos lácteos com pesticidas e metais pesados que causam graves problemas de saúde a longo prazo. Por exemplo, os insecticidas organoclorados, como o lindane e aldrin, consumidos quotidianamente, produzem uma intoxicação crónica e podem provocar problemas neurológicos como dores de cabeça, com náusea, vertigem, confusão mental, perda de memória, ansiedade, astenia e mal-estar geral.
Outros insecticidas, os organofosfatados e os carbamates, bastante utilizados em quase todo o tipo de cultivo (legumes, árvores frutíferas, vinhas, etc.) são poderosos neurotóxicos devido à sua forte lipossolubilidade. Eles interferem com a acetilcolinesterase, a enzima que regula a acetilcolina, um neurotransmissor responsável por muitas e importantes funções, como a faculdade de concentração, aprendizagem, memória, movimentos musculares (tónus muscular), vasodilatação das artérias e capilares, reforço da contracção do tubo digestivo e a hipersecreção dos brônquios.
Em seguida, os alimentos são conduzidos a “armazéns” onde passam por um processo de esterilização com aditivos (preservantes anti-fúngicos) ou são irradiados. Com o bombardeio de iones radioactivos a fruta, os vegetais ou a carne podem preservar-se por mais tempo do que a putrefacção normal e, portanto, podem ser vendidos em lugares mais distantes. Todavia, com este processo, os alimentos, já contaminados e desvitalizados da primeira fase, sofrem mais problemas: durante a sua irradiação produzem-se “radiolitos” (que podem ser tóxicos para a saúde), os vírus e as bactérias podem mudar e chegar a ser mais resistentes, os micotóxicos, como a aflatoxina (poderoso carcinogénio) aumentam a sua toxicidade e, como se isto fosse pouco, a maioria das vitaminas são erradicadas.
O pão e as massas brancas são alimentos que perderam, durante o refinamento da farinha, a maioria dos seus nutrientes (pois a cutícula do trigo contém grande quantidade de complexo B e minerais).
As condições da vida moderna nas grandes metrópoles não nos permitem ter as condições para uma boa alimentação. Uma grande maioria dos que trabalham nas cidades têm de recorrer a restaurantes ou levar sandes para almoçar. Não são muitos os privilegiados que têm um jardim e todavia entre eles são poucos os que têm uma horta biológica. Então não temos outra alternativa do que encontrar um bom fornecedor de produtos biológicos certificados.
Hidratos de carbono lentos Os hidratos de carbono ou glúcidos assimiláveis estão divididos em três grupos: monossacarídeos - são a glicose, frutose e galactose; dissacarídeos - são a sacarose (molécula de glicose e frutose), maltose (duas moléculas de glicose) e lactose que está no leite (galactose e glicose) e glúcidos complexos – são moléculas mais complexas de glicose como os amidos (glúcidos vegetais) e em certa medida pelo glicogénio (glúcido animal).
Todos os glúcidos são transformados em glicose pela acção da digestão e na actividade hepática. A rapidez com que a glicose se torna utilizável depende de dois factores: o tempo que permanece no estômago e a velocidade com que a digestão se processa antes de passar no sangue. De referir que a velocidade a que decorre o esvaziamento do estômago (tempo gástrico) é um dos factores mais importantes.
Aquele tempo condiciona a velocidade de distribuição, no intestino delgado, da glicose previamente produzida no estômago. Estas duas operações devem efectuar-se o mais lentamente possível a fim de evitar a glicemia. O glúcido lento por excelência e aqueles que são ricos em glúcidos complexos são, por exemplo, as massas (97 minutos), arroz (86 minutos) ou pão (81 minutos). Para ser mais lenta pode incluir lípidos, como queijo, manteiga, azeite, nozes e outros polinsaturados.
Proteínas completas As proteínas são substâncias complexas com as quais se formam os músculos, os órgãos, as unhas, o cabelo, o colagéneo, as enzimas e toda a estrutura celular do nosso organismo. São constituídas por pequenas unidades, os aminoácidos. Existem 22 tipos de aminoácidos, dos quais 14 são elaborados no organismo, sendo os outros oito obtidos mediante a alimentação e, por isso, considerados essenciais. Eles são a isoleucina, leucina, metionina, fenilalanina, triptofano e valina.
Uma proteína é considerada completa quando contém os oito aminoácidos em proporção correcta. Por exemplo, os ovos, a carne, o peixe, os queijos e o iogurte. Sem dúvida, o peixe é a melhor forma de proteína completa, no sentido de que é mais digerível; é rico em ácidos gordos essenciais (ómega-3) e menos tóxico se comparado com a carne vermelha, que contém colesterol.
As proteínas animais consumidas em excesso deixam resíduos tóxicos nos tecidos, tais como as purinas e ácido úrico, que podem causar putrefacção intestinal, acidificação e diminuição do cálcio e magnésio no organismo. Muitas vezes consomem-se os hambúrgeres bastante fritos ou cozidos e o problema agrava-se mais, visto que ao perder a vitamina B6 e outros nutrientes dá-se o aparecimento de uma substância tóxica: a homeocisteína, implicada na origem da arteriosclerose. Por outro lado, a carne tostada vem a produzir uma substância extremamente tóxica: o benzo-alfa-pirene, implicado na formação de cancro.
Os ovos são fontes excelentes de proteína completa e lecitina. Devem ser cozidos na água, uma vez que perdem a lecitina quando fritos. Os queijos, porém, sobretudo o iogurte, contêm uma boa quantidade de proteínas pré-digeridas.
A quantidade de proteína depende de factores individuais. Assim, uma mulher em gestação ou que amamenta um filho, um menino em fase de crescimento, um atleta ou um trabalhador manual necessitarão de maior quantidade de proteínas do que outros.
Procure variar as fontes proteicas a cada dia. Por exemplo, um dia coma peixe, outro dia uma omeleta, no dia seguinte um assado de carneiro ou frango e, por último, outro dia só feijão com arroz. O feijão contém grande quantidade de proteínas, porém são incompletas, falta-lhes os aminoácidos triptofano e fenilalanina, que podemos encontrar no arroz e falta a este os aminoácido lisina e isoleucina, os quais se encontram em boa quantidade no feijão, de maneira que ao serem consumidos juntos se completam.
Outro ponto relacionado com o consumo de proteínas é a maneira de combiná-las com outros alimentos. O sistema digestivo adopta a sua secreção de acordo com as exigências de cada alimento. Os alimentos feculentos (como a farinha, o seitan) necessitam de uma secreção gástrica diferente dos alimentos proteicos. A pepsina, a enzima que reduz as proteínas nos seus elementos mais simples, necessita de um meio ácido para estar activa. Portanto, uma secreção gástrica ácida (ácido clorídrico) acompanha a ingestão de proteínas. Em troca, a ptialina ou amilase salivar, que se encarrega de decompor os almidones e polisacarídeos em monosacarídeos, necessitam de um meio alcalino. Então, o correcto para o nosso organismo seria consumir as proteínas e os amiláceos em comidas separadas.
Os alimentos intervêm sobre a nossa capacidade de atenção e memória. Existem numerosos estudos que põem em evidência a correlação que existe entre o melhoramento da atenção (e toda o desempenho mental) depois do consumo de proteínas e o surgimento de um estado sonolento após o consumo de glúcideos. O mecanismo biológico é complexo, porém podemos simplificá-lo assim: as proteínas induzem a uma competência entre vários aminoácidos neutros de cadeia larga como a leucina, valina, tirosina, fenilalanina e triptofano, acedendo a moléculas que serão transportadas ao cérebro através da barreira hemato-meníngea. Isto dá como resultado uma redução no fluxo intracerebral de triptofano e, por conseguinte, uma diminuição na síntese de serotonina, o neurotransmissor que regula o sono.
Por outro lado, o consumo de glucídeos activa o sistema monoaminérgico e serotoninérgico através da insulina, a qual permite uma entrada massiva no tecido muscular de certos aminoácidos neutros, porém pouco ou nada de triptofano. Este facto faz com que o triptofano aumente no plasma e passe a barreira encefálica para acrescentar o estado de serotonina de quem é precursor. Então, deveríamos comer proteínas ao pequeno-almoço e ao almoço. Pelo contrário, se comêssemos pão refinado com compotas doces e café teríamos um estímulo energético por algumas horas para em seguida cair num estado de sonolência.
Vegetais crus Pelo menos, 50% da nossa dieta deveria conter saladas de folhas verdes, pimentões, cenouras, etc. Os brócolos assim como a couve-flor e a couve-de-bruxelas só podem ser cozidos ao vapor apenas durante dois minutos, caso contrário, as suas propriedades vitamínicas e os “fitoquímicos” destroem-se parcialmente. A cozedura destrói enzimas, ácidos gordos polinsaturados, uma parte de proteínas e o valor nutricional da maior parte dos alimentos. Por exemplo, a boa quantidade de vitamina E, proteínas e ácidos polinsaturados das oleaginosas, como as amêndoas, avelãs e sésamo, são totalmente destruídas a temperaturas acima dos 90º.
Germinar grãos e sementes (trigo, soja, alfafa) é a melhor forma de potencializar a quantidade das suas vitaminas e minerais, assim como melhorar a qualidade das suas proteínas.
Probióticos A fermentação do ácido láctico através de leveduras, bactérias e outros microrganismos é um procedimento universalmente praticado para conservar naturalmente os alimentos, uma vez que, devido à sua acidez, impede o desenvolvimento de germes de putrefacção. Por outro lado, e talvez o mais importante, os alimentos lactofermentados, como chucrute, picles, miso e outros vegetais fermentados em ácido láctico, sofrem uma transformação no valor dos seus nutrientes. Por exemplo, na soja e noutros grãos sintetizam-se grandes quantidades de vitamina B12 e enzimas que favorecem a sua assimilação.
Outro alimento lacto-fermentado é o iogurte. Aqui as propriedades do leite são melhoradas pois as proteínas são pré-assimiláveis e, por outro lado, o iogurte feito com leite fermentado com lactobacilos acidófilos ou bifidobacterium bifidum tem propriedades terapêuticas e por isso se denomina “probiótico” (pró-vida).
Os lactobacilos acidófilos têm a capacidade de restaurar a saúde e promover o equilíbrio do nosso ecossistema intestinal intoxicado com bactérias de putrefacção e outras patogénicas, resultado da utilização de antibióticos, contraceptivos orais, demasiado uso de açúcar, seguido de consumo excessivo de carnes e lácteos contaminados com resíduos de antibióticos e esteróides. Recentes investigações demonstram que os lactobacilos acidófilos destroem também a E coli, uma das bactérias mais tóxicas do nosso tracto intestinal. Os acidófilos rompem a lactose em ácido láctico e neste meio é impossível a sobrevivência de bactérias que produzem gases e putrefacção.
Por outro lado, os acidófilos têm outro papel importante: o de sintetizar o “complexo B” no nosso sistema. Estimulam o sistema imunitário (desactivam bactérias patogénicas quando estão na presença de ácido fólico e riboflaviba), tratam e previnem a geração e propagação de “cândida albicans” e outras infecções micóticas, em casos de diarreias corrige a proliferação de bactérias gram-negativas, protegem contra infecções urinárias recorrentes, reduzem o risco de cancro do cólon, assim como em casos de asma, problemas hepáticos e má absorção de proteínas.

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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Quem deve governar a cidade?


Um monarca, timocrata, oligarca, democrata ou tirano? O melhor entre os mais velhos - filósofo, educado, justo, virtuoso e desapegado do poder - defende Platão, a quem recorremos para nos elucidar no voto, este Domingo, no âmbito das eleições autárquicas.

Texto Dina Cristo

Deve gerir a cidade quem melhor se governa a si mesmo, quem é capaz de ser Senhor de si próprio. Quando o Ser humano – homem ou mulher – atinge a Liberdade, ou seja, quando a sua melhor parte, a mais humana, superior, sensata, domesticada, a mais pequena, domina a pior, a mais animalesca, inferior, perversa, selvagem, a maior e mais corrupta. Tal atitude distingue um humano virtuoso - sábio, corajoso, moderado e justo -, dentro de uma minoria que identifica o bem com o saber, aspira à verdade e à salvação do mundo inteligível.
Um ser humano perfeito, com uma vida sóbria, tranquila e segura, que escolhe o melhor para os seus subordinados e se identifica com o Bem, o Bom e o Belo. É o que quer efectivamente ser bom (e não parecê-lo) e o que tem mais graça, ventura e felicidade: no caso de um filósofo-Rei será, segundo Platão, 729 vezes mais feliz que o tirano.
O filósofo, amigo do saber, é aquele que é capaz de contemplar o Ser, olhar para a verdade absoluta e julgar melhor. O que atinge o prazer real, sólido, puro e verdadeiro. Bem diferente do ambicioso, cujo prazer não passa de uma ausência de dor, de natureza colérica, irascível e violenta e que tende para dominar, vencer e ter fama. Mais distinto ainda do interesseiro, repleto de dor e com um apetite insaciável, caracterizado pela concupiscência e sensualidade, amigo do dinheiro, com desejos violentos e que olha para baixo.
O chefe deve ter tido uma educação equilibrada, para a alma, através da música, e para o corpo, através da ginástica - ambas simples. Baseada na dialéctica, geometria, astronomia e artes, de forma a olhar para as alturas e desenvolver o pensamento abstracto. O objectivo é atingir a contemplação da Ideia de Bem, paradigma a adoptar para ordenar a cidade, de acordo com a lei (como a piedade para com os deuses e os pais ou fazer silêncio e dar o lugar aos mais velhos).

Guardião

Desta forma o governante da cidade deverá ser um monarca, com acesso à contemplação do Ser, capaz de atingir o imutável e olhar para a essência, a verdade absoluta. Ao contrário do timocrata, amigo do poder, das riquezas e honrarias e do oligarca, avarento e dissipador do Estado, que despreza a virtude e a pobreza.
Também o democrata se torna perverso: ao ambicionar demasiado a liberdade e tornando-a excessiva abre caminho para a anarquia, quando os discípulos têm os mestres em pouca conta, os anciãos condescendem com os novos ou os cidadãos não se submetem às leis. Neste sistema, os trabalhadores, com mais poder, poucas vezes se reúnem, os ricos tornam-se parasitas e são os violentos que administram quase tudo. O protector do povo tornar-se depois seu tirano - o mais desgraçado, escravo, infeliz e injusto de todos e que acabará na pobreza, fuga ou mendicidade.
O guardião da cidade, que cuida e protege as leis e costumes, deve ser seleccionado entre o mais ágil (nos estudos e trabalho) até aos 20 anos, o mais sólido (nas ciências, guerra e leis) até aos 30, na capacidade dialéctica, de forma contínua e exclusiva, até aos 35 anos, e de experiência na caverna até aos 50. Serão enviados para os campos se ultrapassarem os dez anos na cidade e consagrar-se-ão à filosofia. Ensinarão outros a serem como eles e depois retirar-se-ão.

Qualidades


Será eleito entre os mais rectos, fortes, corajosos, generosos, livres, simples, verdadeiros, com memória, esforçados nos estudos e exercícios. O chefe da cidade é aquele que cuida do prazer da alma e será incompreendido e criticado pela multidão: «(…) são inúteis à maioria os melhores filósofos. Da sua inutilidade, manda, contudo, acusar os que os não utilizam, e não os homens superiores»
[1].

O filósofo-Rei será o melhor, entre os que procedem bem para com os demais, como no mito de Er, aquele que procura o melhor para os seus subordinados. O que despreza o poder político e o assumirá por necessidade e amor: (…) Ora a verdade é que convém que vão para o poder aqueles que não estão enamorados dele; caso contrário, os rivais entrarão em combate»
[2], escrevia Platão.
Fora do governo ficarão os viciosos, injustos, mal educados, ambiciosos, interesseiros, insensatos, cobardes, ricos, poderosos, perdidos, imoderados, ignorantes, lisonjeadores, invejosos, desleais, hostis, impiedosos, maldosos, opinativos, escravos, perversos, prisioneiros, desgovernados, fantasiosos, embriagados, violentos, insaciáveis, adúlteros, medrosos, irados, corruptos, orgulhosos, arrogantes, criminosos ou incapazes de actuarem em comum.

[1] Idem, p.274.

[2] PLATÃO – República, p.325. Bibliografia citada ao longo do livro pela tradutora, Maria Helena da Rocha Pereira: ARISTÓFANES – As rãs; ARISTÓFANES – As mulheres na Assembleia; ARISTÓFANES – As nuvens; CÍCERO – Tratado sobre a velhice; DIOFANTO – Aritmética; ÉSQUILO – Prometeu agrilhoado; ÉSQUILO – As mulheres de Etna; ÉSQUILO – Agamémnon; EURÍPIDES – Andrómaca; EURÍPIDES – As bancantes; EURÍPIDES – Os troianos; EURÍPIDES – Arquelau; EURÍPIDES – Alcméon em Corinto; EURÍPIDES – Ifigénia na Áulide; FERREIRA, J. Ribeiro – A democracia na Grécia Antiga, Coimbra, 1990. HESÍODO – Trabalhos e dias; HESÍODO – Teogonia; HOMERO – Ilíada; PEREIRA, Maria Helena da Rocha – Concepções helénicas de felicidade no além, de Homero a Platão; PÍNDARO – Ístmicas, SÓFOCLES – Ájax de Locros; SÓFOCLES – Rei Édipo; PLATÃO – Apologia; PLATÃO – Banquete; PLATÃO – Íon; PLATÃO – Fedro;

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