quarta-feira, 15 de abril de 2009

Vida simples


No próximo Sábado começa a Semana Internacional de Downshifting, um movimento que propõe, há 14 anos, a simplicidade como modo de vida: decrescer, desacelerar e viver mais com menos; ser simples por fora e rico por dentro.

Texto e desenho* Dina Cristo

Num momento de crise, em que se continua a insistir nas políticas de crédito, consumo e crescimento económico, a simplicidade voluntária (re)surge com uma visão alternativa para a solução dos problemas gerados na sequência do excesso de produção e consumo da era industrial, nomeadamente os ambientais.
Recuperando de tempos ancestrais a ideia de despojamento material, os adeptos e teóricos deste movimento sócio-cultural propõem a sua aplicação nos nossos dias, nomeadamente na Austrália, Brasil, EUA ou Grã-Bretanha.
Desde Lao Tsé, S. Francisco de Assis, até Thoreau ou Gregg**, vários têm sido os autores a proclamar que o dinheiro não traz felicidade, pelo contrário. Há cerca de 30 anos foi a vez de Duane Elgin escrever “simplicidade voluntária”. De então para cá o movimento cresceu e desenvolveu-se. Em “Jardim da simplicidade”, o autor actualiza a concepção de vida simples e descreve dez áreas onde é influente.
São vários os dinamizadores das atitudes simples. Vicki Robin ensina a não gastar dinheiro e a calcular o salário real (subtraindo todas as despesas que acarreta e o tempo efectivo que consome), Jorge Mello lidera as acções no Brasil e Tracey Smith, fundadora da Semana, então nacional, de Downshifting, ocupa-se (a aconselhar indivíduos, empresas e escolas) em reduzir os desperdícios e transformar o lixo em recurso. Algumas das suas sugestões passam por desligar a televisão, largar o cartão de crédito, dar alguns dos seus bens ou cozinhar.
Hoje, este modo de viver melhor com menos é praticado por empresas como a Simple Living Network, pessoas comuns, ou publicamente conhecidas enquanto meios de comunicação tradicionais vão-se adaptando às últimas desta vontade de simplificar a vida.
Decrescer
O movimento assenta em cinco valores básicos: simplificação material, escala humana (pequeno é belo), auto-determinação, consciência ecológica e desenvolvimento pessoal. A sua atitude passa por desprender-se de tudo o que não é essencial e não contribui para a felicidade. Desta forma, por vezes, trocam empregos de prestígio e bem pagos por outros onde auferem menos salários mas gastam menos tempo obtendo maiores níveis de satisfação.
Dispensam salários bem remunerados em carreiras de sucesso, mas plenas de stress e em áreas que não os realiza, para despenderem de mais tempo, necessitando de menos recursos económicos, em actividades de lazer, criativas, vida familiar e auto-conhecimento.
Trata-se de uma opção, consciente e voluntária (ao contrário das vítimas de uma pobreza inesperada e indesejada, os chamados novos pobres), de troca de dinheiro por tempo. Estes homens e mulheres, com uma atitude mais amiga do ambiente, de consumo mais responsável e consciente, acabam por ter menos necessidades a satisfazer e, portanto, menos gastos a realizar. Prescindem do estatuto social em troca de mais tempo que dedicam a si próprios, aos seus e à sua comunidade.
Têm por princípio que ter menos é (poder) ser mais. Um dos objectivos é harmonizar o trabalho com a vida, o crescimento exterior, objectivo e materialista, com o desenvolvimento interior, mais subjectivo e espiritual, os valores masculinos com os femininos.
A proposta que corre mundo e se popularizou é, pois, menos trabalho, dinheiro, abuso de recursos de todo o género, luxo, consumo e pegada ecológica por mais tempo, lazer, liberdade, paz, relaxamento, realização, iluminação, independência e, enfim, uma vida com qualidade e significado.
Abnegação
Enquanto uma parte se preocupa em recuperar rapidamente da crise económica, lutando para repor os níveis de desperdício e ostentação material, estes humanos despem-se da luxúria e ocupam-se em focar no essencial, o que para cada um tem valor, sentido e significado e o faz sentir bem, satisfeito e feliz. Em vez de acumular (mais) bens, desfazem-se deles.
Escolher uma vida simples não significa, no entanto, optar uma vi(d)a pobre ou ascética. Como explica Duane Elgin o objectivo é atingir um nível intermédio, entre a carência e o excesso, que seja adequado para a pessoa. Decidir-se por uma vida simplificada exteriormente não significa sacrifício mas gratificação, pois há uma exploração em direcção ao interior humano. Tal implica maior profundidade e, nesse sentido, maior abundância e plenitude.
Livres dos pormenores que (dis)traem, estas pessoas focam-se no que é importante e básico para si. Ficam também com mais “espaço” para os outros. Encontrada a sua intimidade essencial estão disponíveis para a vida cívica e comunitária, como o trabalho voluntário.
Há uma espécie de religação entre o seu ser profundo ao âmago do universo e de todos os seres. Sentem-se, portanto, mais completos, livres e realizados. O seu “apelo” é, pois, em prol de um decrescimento exterior, de uma desaceleração, de ter o suficiente para viver, o adequado para si, aquilo que, em consciência, lhes é apropriado e indicado.

Menos é mais

Preferem o menos ao mais, a qualidade à quantidade, o mais pequeno ao maior, o simples ao complexo, a vontade de ser ao vício de ter, o relaxamento aos nervos, o desenvolvimento ao crescimento, a ajuda à exploração, o desapego ao desejo – que distinguem de necessidade, tal como o sucesso da realização. Elegem a riqueza da simplicidade à pobreza da complexidade (nomeadamente a burocrática).
Trabalham para viver em vez de viver para trabalhar. Privilegiam produtos duráveis (e não descartáveis), belos e úteis. Defendem a tecnologia intermédia (e não a alta tecnologia), a (est)ética, a responsabilidade, a cooperação, a conservação e a natureza. Propõem a redução da actividade, velocidade e intensidade e princípios como o equilíbrio, a moderação, o respeito (por todos os seres e gerações), a reflexão, a redução, a frugalidade, a tolerância, a diversidade são uma presença constante.
Prescindir do supérfluo, reduzir o desperdício, limitar o consumo ao essencial eis um novo modelo de atitudes e comportamentos numa nova era mais ecológica e solidária. Optar, conscientemente, por viver de forma despojada, mais livre e despreocupada, recuperando a qualidade de tempo e de vida, numa trilogia - ecologia-saúde-frugalidade - que os partidos ecologistas têm vindo a propor.
Uma ideia estudada e posta em prática em Portugal por pessoas e empresas que no dia-a-dia tornam efectiva a mudança para o modo de vida simples, baseado no fundamental, dezassete anos depois da tomada de posição e avisos de cerca de 1600 cientistas.

* Anos 70
**Alguns livros: CALLENBACH, Ernest – Living poor with style. DeGraaf – Affluenza: the all-consuming epidemic. DOMINGUEZ, Joe; ROBIN, Vicki – Dinheiro e vida. Cultrix. 2007. ELGIN, Duane – Voluntary simplicity. 1981. ELGIN, Duane – A garden of simplicity. GREGG, Richard – The value of voluntary simplicity. 1936. KINGSOLVER, Barbara – Animal, vegetable, miracle: a year of food life. MONGEAU, Serge – La simplicité volontaire: plus que jamais. POWYS, John Cowper – A philosophy of solitude. ROBERTSON, James – A new economics of sustainable development. SALT, Henry Stephens – simplification, the saner method of living. SCHUMACHER, E. F. - Small is Beautiful. 1973. SMITH, Tracey – The book of rubbish ideas. TIMOTHY FERRIS – 4-hours workweek: escape 9-5 THOREAU, Henry David – Walden. 1854

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