quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

A minha amiga rádio


Numa altura em que a TSF atinge a maioridade, publicamos um texto escrito ainda antes do seu aparecimento. As anotações defendem a urgência de uma mudança no panorama da rádio em Portugal, em prol da evolução: social, política e mediática.

Texto e fotografia Dina Cristo

Que mais é a vida do que uma comunicação? Contactos, expressões, sentimentos, sinais, desejos, relações... Como ser racional que é o Homem apenas sobrevive comunicando, transmitindo os seus saberes, experiências adquiridas.
Com toda a energia imposta pela evolução da sociedade, emergiu uma necessidade profunda: a da actualização. A felicidade depende agora da cultura, não do bem material. Daqui nasce o sentimento de realização (d)e paz consigo próprio, uma harmonia entre o interior e o exterior do ser humano. Daí a necessidade de bons meios para fazer cidadãos cada vez mais felizes.
Desenvolve-se a tecnologia, aperfeiçoada às novas exigências, numa relação directa com a sociedade, que pede rapidez na transmissão de conhecimentos, sejam eles em forma de história, acontecimentos ou futurologia. Transformam-se, então, as sociedades, culturas, mentalidades.
Mas, com maior poder, foi a rádio o meio que atingiu a primazia quanto à actualidade informativa. Em qualquer instante algo de importante é susceptível de estar a acontecer: catástrofe, sorteio inesperado, declarações perfeitamente polémicas. E a que meio recorrerá a pessoa atenta senão à rádio para saciar a sua sede de actualização, cada vez mais sentida?
Mas nem tudo são “flores”. A necessidade de rapidez tem os seus contratempos: a informação deixa de o ser, passa antes a meras especulações na tentativa desesperada da confirmação que não acontece e recorre-se, em última instância, à primeira mão, que não passa de um véu sombrio, onde apenas se vislumbram algumas expressões verídicas. A continuar assim, vamos de certo parar a um mau caminho. Há, pois, que parar e pensar; há que preservar a qualidade da notícia e especialmente guardar ao sol um lugar pertencente ao jornalismo.
Torna-se urgente preservar a natureza de um meio que só por si desperta o senso da criatividade, a imaginação, o poder da sensibilidade de uma forma comunicativa única. É necessária a mudança não esquecendo os limites, quantas vezes ultrapassados por vedetas “mal trapadas”. Onde iremos parar? Investimento a curto prazo e, depois, como fazer voltar a qualidade? Como progredir com falsos meios? Lamentam então o crescente incremento das rádios locais?
Rádios juvenis
Elas representam a força de uma expressão - a de que "a união faz a força", aquela que é peculiar de jovens - uma arte singular na transmissão de conhecimento, hoje com o seu espírito e proporções atingidas, tantas que começa a ser alvo de críticas, de receios escondidos nos escombros de um discurso mal humorado e de sabor amargo.
É sabido de todos que a boa imagem não possui na maioria das vezes a qualidade respectiva. No entanto, distinguem-se excepções brilhantes, de alto gabarito, e com grande prestígio, pelo seu valor, mérito e todo o empenho em dar o melhor que corre nas suas veias ao ouvinte. Mas porquê tanta qualidade desconhecida do grande público, aquele que sabe aplaudir as grandes vedetas?
É certo que a fama não é tudo (se chegar a ser alguma coisas), mas também não é menos verdade que se torna num valor de gratidão, algo de muita satisfação, uma alegria serena de ver palpável, de forma intensamente sentida, a recompensa de trabalho muito árduo, quantas vezes de dedicação durante a maior parte da vida, numa entrega de alma e coração.
Humildade acima de tudo e, principalmente, em comunicação social. Mas o cerne da questão encontra-se na falta de oportunidades – o erro da mentira, a manipulação pondo à frente dos negócios interesses particulares, impedindo o livre e natural progresso de uma sociedade unida (em interesses gerais).
O pior de tudo é que sofrem de uma “cegueira” que se torna tanto mais aguda quando nem sequer se pensa nas consequências: criminalidade, tão grande, de jovens com talento, a auto-recriminação, uma vida frustrada por um desejo recalcado, o desânimo completo. Tanto mais grave ao saber da desistência de tanta capacidade, com quantas ideias inovadoras para uma sociedade mais democrática.
Comunicação jovem
O caso piora ao analisar a situação racionalmente. O futuro adivinha-se negro, as possibilidades de resposta são mínimas quando a deslealdade toma o lugar da sinceridade.
Por fim, a injustiça, aquele “osso” que se torna o mais difícil de roer. Se, para alguns, se fecham as portas, para outros são abertos os portões e por espírito santo de manhas e artes se apresentam no auge. É necessário tirar as máscaras, revelar as verdades mais graves, aquelas que se encobrem com uma ilusão transcendente aos nossos sentidos.
Há que pensar nas graves repercussões sociais: a monotonia, uma passividade, que se opõe ao progresso social - apenas discursado. Nas acções instala-se o retrocesso, porque se torna bem mais cómodo coroar as “estrelas” que lhes são mais fiéis e que pagam à risca o preço da subida.
Tudo então se torna seguro: os resultados são previstos pelo requerente e a aventura de viver a vida como simplesmente ela é fica esmagada e apenas no sonho do jovem que já não acredita que a mudança seja possível.
Surge novamente a acusação, desta feita, de idealistas. É certo que sim (não cabe aqui abordar toda esta problemática) mas o certo é que se traduziriam em novos projectos, caso as “divindades” dessem espaço à comunicação juvenil.
Na comunicação social, a experiência torna-se uma “pedra” fundamental para o êxito final, aquele que transparece na satisfação de conseguir notáveis depoimentos.
Neste campo merecem todo o respeito os grandes jornalistas no cargo que ocupam com tanta distinção; serão, de certo, insubstituíveis, o seu lugar um dia ficará vazio, até porque como pessoas são seres diferentes, encarnam culturas e épocas distintas, modas de escrita e mesmo estilo jornalístico diverso.
Mas a tudo isso há que juntar a mudança, com novas preocupações. O certo é que o ensino é carente de estruturas, embora alguma coisa comece agora a ser revista neste campo. São já dados os primeiros passos, a própria classe começa a pôr-se em questão - talvez uma ocasião única para a generalidade do senso comum, que come 'gato por lebre' para não falar 'avesso pelo direito' ou o mesmo será dizer o 'aparente pela essência'.
Lei da (in)competência
Os jovens então acusados de falta de capacidade apenas e só porque não se lhes apresentavam as oportunidades de uma primeira experiência, assim cada vez mais restrita. Mas, no caso de uma porta aberta, as responsabilidades fazem-se sentir e vêm as hesitações, os nervos pelo meio, que não são contados - é a lei do mais forte a prevalecer.
Onde está então a dignidade de aceitarem a lei mais humana, visto que todos somos seres de carne e osso, com sentimentos, altos e baixos durante a nossa vida? Porque não optar pela lei da competência? Seria aí que as coisas se complicariam porque, subjacente à primeira lei, está outra de nome – o mais cómodo e estável - a lei da injustiça.
Mas com toda esta situação e bem ao jeito dos jovens, fazendo prevalecer ainda os seus valores, estes persistem em levar para a frente um projecto chamado "rádios locais". É a crítica indispensável a uma nobreza que começa a fazer prevalecer a sua força. Pois é e, em bonitos discursos onde prevalece a imagem de hegemonia, no íntimo das palavras reflecte-se um receio louco de que o poder lhes fuja das suas próprias mãos.
O importante é que os jovens estão a encontrar uma maneira muito peculiar de estarem na vida, num meio de comunicação que se identifica com o seu espírito de aventura, criatividade e uma grande dose de imaginação. Talvez nasça daqui uma nova felicidade juvenil!
Por enquanto não chegámos ao fim do “tacho”, mas forçoso é dizer que a concorrência provocada é um bem de salutar. Quem ganhará, já se sabe, é o ouvinte que, dispondo de uma grande variedade de programas, não se vai esquecendo de comentar e até de fazer uma crítica construtiva.
Ouvinte local
Será ele que viverá mais de perto todos os problemas da sua estação emissora, lhe dará contributos, participará e terá, além do mais, a programação do seu interesse acerca da vida da sua localidade.
Na rádio local serão abordadas as suas dificuldades, esclarecidos os diversos pontos e expostos os restantes correspondentes às várias perspectivas, alargando assim o horizonte do ouvinte mais humilde levado pela curiosidade de escutar no seu receptor a voz tão querida de um conhecido. Não somente estilos diversos e bem diferentes mas, além de tudo, novos moldes de fazer rádio, sob direcções, com objectivos desiguais e conteúdos bem diferenciados.
É a familiaridade cada vez mais enraizada nos hábitos populares. Até mesmo as crianças são despertadas com os seus programas especiais – o interesse de um brinde e a brincadeira já cheia de emoção de falar ao microfone, com o sabor agradável de um sorriso de contentamento.
No fundo, um meio que é ouvido por todos e em todo o lado. Ela, a rádio, vai connosco para os recantos mais íntimos da nossa casa, torna-se uma amiga imprescindível para o ser humano que sofre na amargura de uma solidão mal contada e ali encontra a resposta, uma forma de aliviar o problema e se tornarem os dias um pouco mais vivos com a alegria transmitida nas emissões. Em solidão, a mais profunda possível, o ouvinte toma contacto com o mundo girando a uma velocidade vertiginosa lá fora - a sociedade que chega subtilmente ao seu âmago.
Importante era contar com a taxa vergonhosa que Portugal tem no que se refere a analfabetismo. De grande função desempenharia a rádio na divulgação de programas especiais, de contactos verdadeiramente originais, melhor informação e menos descriminação, afinal pais e muitos avós da cultura actual, aqueles que sofreram na carne para que hoje pudéssemos desfrutar das regalias que a sociedade coloca à nossa disposição, têm todo o direito de se identificarem como Homens que são; no fundo, de reconhecer em si uma fonte inesgotável de capacidades que não foram desenvolvidas.
Mas não é tarde para educar indivíduos que podem vir a ser excepcionais. Seria toda uma emoção ver deslizar uma lágrima de alegria pela apreensão das primeiras letras e a satisfação de uma realização interior, um espaço que foi preenchido e há tanto tempo tinha permanecido vazio. Com certeza não queremos ver morrer à beira de um oceano seres quasse mortos de sede de água que regue um pouco as flores de um “jardim” interior que se encontra(va) repleto de canas secas...
Caldas da Rainha, 1986

Etiquetas: , ,

1 Commentarios:

Anonymous Anónimo disse...

Um título e um texto maravilhoso. Quando eu era pequenino, era a rádio que me ligava ao mundo e pensava que ele estava dentro dessa caixa miraculosa. Que existiam dentro dela pessoas, pequeninas é certo, que falava, como quem nos conta um segredo a um ouvido. A autora deste texto e doutros afins é uma deusa da escrita e do pensamento. Quem será? Seria interessante também saber mais acerca da autora. Parabéns

quarta-feira, 25 fevereiro, 2009  

Enviar um comentário

<< Página Inicial