quarta-feira, 26 de março de 2008

Nova Era Glacial?


Vale glaciar na Serra da Estrela

Numa semana em que Al Gore, o político que colocou as mudanças climáticas na agenda mediática, completa 60 anos, apresentamos a ponta de uma nova meada ecológica: o arrefecimento da terra.

Texto e fotografia Dina Cristo

Carlos Cardoso Aveline (CCA) comparou as ideias de Al Gore às de William Judge, defendidas no final do século XIX, e viu como se identificavam: ambos apresentam uma perspectiva de mudanças tão profundas ao nível do planeta (a passar pela alteração das correntes marítimas) que podem indiciar uma nova era glacial.
Uma Idade do Gelo dura cerca de 100 mil anos, 10% dos quais corresponde a um período inter-glacial, relativo a uma época quente, como aquele que vivemos (potenciado pela poluição pós-Revolução Industrial) mas a aproximar-se de uma Nova Era Glacial, de que a extinção das espécies seria um dos primeiros sinais de alerta. Outros avisos seriam constituídos pelos terramotos, incêndios ou o degelo dos pólos.
As teses mais oficiais quanto às mudanças de clima são, contudo, contestadas a nível (inter)nacional. O chamado aquecimento global, afinal é, parcial (numas regiões a temperatura aumenta, noutras diminui) e, diversas vezes mesmo, um arrefecimento, contradizendo as previsões do IPCC. São exemplos da refutação, Luís Carlos Campos Nieto, jornalista que editou o livro “Calor Glacial”, e Rui G. Moura, climatologista, autor do blogue “Mitos climáticos”.
São muitas e variadas as interpretações sobre a natureza, o significado, a importância e os efeitos sobre o que está a acontecer ao nosso condomínio comum. O que é consensual é o aumento da subida de CO2. A discussão é se se trata de um efeito provocado pela acção humana ou de um reequilíbrio do Sistema Gaia e a sua (eventual) relação com o alegado aquecimento geral do planeta.

Religião-Ciência-Teosofia

Não deixam de ser curiosas as ligações temporais entre o Dilúvio (visão religiosa), a última Glaciação (visão científica) e o afundamento da Atlântida (visão teosófica), há mais de 10 mil anos. Por outro lado, cada uma destas áreas do conhecimento humano detém modelos, os quais remetem para uma continuação no tempo e no espaço: uma visão cíclica.
Para CCA, a degradação bio-química da terra não está isolada de uma decadência ética e moral. Defensor da ecologia profunda, acredita que as alterações chegaram a um ponto de não retorno e, embora devamos estar atentos, o melhor será não resistir à contracção das actuais estruturas económico-sociais e aproveitar, antes, para semear as bases de uma nova civilização saudável. Em vez de se passar da negação da realidade ao desespero, como salienta Al Gore em “Uma verdade inconveniente”, o mais útil será ter uma posição moderada, que pode passar por acções tão simples como plantar uma árvore (retendo CO2) ou ser vegetariano (evitando os desmatamentos) - atitudes ao alcance de qualquer mortal.

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quinta-feira, 20 de março de 2008

Jornalismo (e) audiovisual II


Habitualmente aliamos cinema a ficção. Mas desde o seu início, com Vertov, que a sétima arte persegue a (captação da) realidade.

Texto Dina Cristo

A ideia que mais espontaneamente está associada à sétima arte é a ficção – é a corrente predominante e a que permitiu construir a quinta indústria mais poderosa dos Estados Unidos da América.
O espectador comum considera o grande ecrã um “tubo de escape” em relação às preocupações e aos problemas do quotidiano; para ele, o cinema é uma fuga à realidade, é reencontrar-se com a fantasia, exercitar a imaginação e entrar num outro mundo, visitar, por momentos, um novo universo. Como escreve João Lopes, “(…) ir ao cinema é entrar noutro mundo, mesmo quando são imagens deste que nele reconhecemos ou reencontramos”
[1].
As próprias características de uma sessão de cinema, como o encantamento, a descontracção, a passividade do telespectador e a obscuridade da sala, remetem para uma realidade espácio-temporal quase mágica: a identificação com o sonho é imediata. Desejos conscientes ou recalcados (dinheiro, beleza, saúde, juventude, sexo) são projectados na tela.
Mergulha-se num mar de fascínio. Inventam-se personagens, produz-se ficção científica, utilizam-se efeitos especiais, criam-se ilusões, escrevem-se argumentos inverosímeis e fazem-se invenções fabulosas. Wim Wenders explica esta predisposição do público que não o deixa perceber a realidade que o cinema também transmite: «Entretanto, habituámo-nos de tal maneira ao facto, e consideramo-lo evidente, de que o cinema e a vida estejam separados que até paramos de respirar e estremecemos quando descobrimos, de repente, no ecrã, alguma coisa de verdadeiro ou de real, quer seja apenas um gesto de uma criança, quer seja um pássaro que atravessa, voando, o ecrã, ou uma nuvem que lança por um momento a sua sombra na imagem»
[2].
McLuhan chama ao cinema “o mundo real do rolo”. Em sua opinião, a projecção cinematográfica mais não faz do que enrolar “o mundo real num carretel para desenrolá-lo como um tapete mágico da fantasia”
[3]. O cinema, que se inspira e baseia na realidade, devolve-a mais tarde aos espectadores sob a ilusão de que se trata de pura imaginação.
Como tão bem sintetiza André Bazin, o ecrã reproduz “a nossa imaginação que se alimenta da realidade que projecta substituir”
[4]. “O irreal”, afirmou Edgar Morin, “tem arraiais assentes sobre o real, quotidiano e fantástico são um e a mesma coisa, com dupla face”. É o que de certa forma exprime Andrew Tudor: “Estamos preparados para admitir que o ecrã se abre para um mundo artificial desde que nele exista um denominador comum entre a imagem cinematográfica e o mundo em que vivemos (…)[5].
As personagens podem ser inventadas mas, muitas vezes, movem-se em contextos reais, situações verídicas, acontecimentos ocorridos na História, que marcaram uma época, que documentam o sentir, o ser e o estar de um povo num determinado período: os seus gostos, os ideais, as tecnologias disponíveis, as modas, os interesses, a cultura.
«Em contraste com o conteúdo intencional, os pormenores inintencionais (constituídos por pormenores de fundo como carros, cenas de rua, arquitectura, telefones, etc.) fornecem com frequência um quadro muito exacto da realidade quotidiana. Além disso, até mesmo os mais banais “filmes de bandidos” ilustram manias e modas correntes e expressam atitudes populares relativamente a sexo, religião, dinheiro e política»
[6].
João Bénard da Costa refere-se aos filmes dos anos 40 como “espantosos retratos sociológicos”: “A ficção que encenavam era a sua verdade”
[7], pois as personagens eram autênticos retratos sociais da época e a situação dos heróis desses filmes era a mesma da esmagadora maioria dos frequentadores das salas de cinema. Numa perspectiva idêntica, Luís de Pina escrevia em 1977: “(…) nos anos 20, não há dúvida que as reportagens de actualidade, os documentos cinematográficos deste período permitem reconstituir hoje a vida portuguesa que então se viveu”[8].
Como escreve João Lopes, além da mera evidência há um trabalho concreto com a realidade cuja forma clássica é o filme baseado em factos verídicos. Há filmes, como “All the president`s men”, que não apenas se apoiam em factos ocorridos, como lhes são extremamente fiéis ao ponto de atingirem um rigor milimétrico.
Outros filmes há que acabam mesmo por superar a própria realidade que veiculam. No seu extremo amor à verdade, ultrapassam o estabelecido e encetam uma luta na procura de “A Verdade”. Filmes como “J.F.K.” e “The thin blue line” investigam a própria realidade, analisam-na, descodificam-na e tornam a lançar os dados, desta vez com novidades. Quase que me arriscava a dizer que são filmes jornalísticos, no sentido em que não só transmitem uma determinada história como a interpretam.
A perseguição da realidade
Apesar da subjectividade das imagens (“Por mais fiéis que possam ser à realidade, as suas imagens representam e representarão sempre um mundo eleito, o seu [do realizador] mundo”
[9]), o cinema deu, por vezes, uma reprodução ‘fiel’ da realidade, quer em termos formais quer ao nível de conteúdo.
Pouco tempo depois da invenção do cinema, Tolstoi afirmava que o cinematógrafo deveria “exprimir a verdade russa sob todas as suas formas e da maneira mais exacta: deve registar a vida tal como ela é”
[10]. E as primeiras imagens projectadas no cinematógrafo são cenas da vida real, vistas panorâmicas do quotidiano: os operários a saírem da fábrica, o movimento das ruas com os cães, as bicicletas, as viaturas; estações de comboios e passageiros eram imagens habituais. “É a própria vida, é o movimento apanhado ao vivo!”[11].
“As pequenas cenas não são reconstituídas. Representam uma realidade que descobrimos como se fotografássemos através do buraco da fechadura; um rapaz que brinca, dois namorados que se beijam, um motorista que discute, um velho que dorme num banco. Não sabem que estão a ser filmados”
Vertov está na origem da noção de cine-olho que pretende captar a realidade, “apanhar” a vida de improviso sem recorrer a actores e argumentos. “Nesta grandiosa batalha cinematográfica, pelo nosso lado, não participa qualquer realizador, actor ou decorador – recusamos as facilidades do estúdio, varremos os cenários, a caracterização, o guarda-roupa”
O jovem cineasta estava perfeitamente convicto de que o ‘olho’ da câmara de filmar era mais perfeito do que o humano e o que o cineasta tinha a fazer era organizar o material, na montagem. Foi o que fez com muitas imagens arquivadas da vida agitada naquele tempo da Revolução Russa. Daí resultaram filmes que são autênticos documentários da época como a “História da guerra civil” de 1918 a 1921.
Para Vertov, o cine-olho era o meio de atingir a verdade; o cineasta pretendia no filme documental mostrar o homem vivo com o seu comportamento e emoções naturais, sem encenação. A propósito de uma participante num destes filmes, o próprio Vertov conta: «E, com efeito, as lágrimas brotam dos olhos da kolkoziana, lágrimas verdadeiras, lágrimas que não são fingidas, enquanto um sorriso ilumina a sua cara, parecendo o arco-íris. Esta sinceridade absoluta e evidente, o sincronismo total dos pensamentos, das palavras e das imagens, emocionam”
Vertov foi também o pioneiro dos jornais de actualidades cinematográficas soviéticos – documentos autênticos relativos aos acontecimentos quotidianos. De todo o material enviado pelos correspondentes nos diversos pontos de combate, Vertov organizava-os em filme, o mais depressa possível para que pudessem circular com rapidez. Eram imagens “frescas, ainda palpitantes de vida (…)”
Esforçando-se por dizer a verdade através dos meios cinematográficos, o “Kino-pravda” ou cinema-verdade apresentava em alguns números um tema a fundo, de tal modo que em alguns casos adaptava já as proporções de longas-metragens e servia, em Berlim, como fonte de informação à própria imprensa.
Com as actualidades filmadas surgem os repórteres cinematográficos, os homens que, de câmara ao ombro, arriscavam a vida: filmavam, além dos acontecimentos desportivos e desfiles militares, conflitos internacionais (como a guerra de Cuba em 1898 entre os EUA e a Espanha e a do Transvaal na África do Sul). “As imagens enviadas das frentes de combate estavam plenas de vida, marcadas por sacrifícios e dores incomensuráveis. Muitos operadores morriam em plena acção, norteados pelo objectivo de cumprir uma missão árdua e, simultaneamente, fascinante”
«O cinema-olho de Vertov e todas as grandes correntes documentais, de Flaherty a Grierson e Joris Ivens, mostram-nos, reciprocamente, que as estruturas do cinema nem sempre se vêm ligar, necessariamente, à ficção. E mais: talvez seja mesmo nos documentários que o cinema se serve ao máximo dos seus dons e manifesta as suas mais profundas virtudes “mágicas”»
Um dos resultados dos filmes de actualidades, no início do cinema, foi o documentário. O documento, o retrato vivo e espontâneo, dá lugar ao ordenamento e à sequência.
Em voga nos EUA no pós-guerra, o cinema documental caracterizava-se por filmagens em exteriores e um certo estilo de reportagem – uma escola fortalecida nos anos 30 com a série «“The March of Time” caracterizada pela utilização de material captado ao vivo ou “reconstituído” nos locais dos acontecimentos descritos»
“As subsequentes reportagens da expedição de Scott ao Antártico, de grandes viagens na Arábia e na Índia mantinham o interesse desse público (o que, apesar de desprezar o cinema, era atraído para o ecrã devido ao documentário)»
Igualmente em Portugal se regista a vida em directo: “O nosso primeiro cineasta, Aurélio da Paz dos Reis, foi também o nosso primeiro documentarista. E o filme que inaugurou o cinema português – “Saída do pessoal operário da fábrica Confiança” – revela também a tendência mais significativa do período inicial do documentarismo: a reportagem”
«Costa Veiga registou outros aspectos documentais da vida portuguesa: “Uma parada de alunos da Casa Pia”, “Uma tourada à antiga portuguesa”, “Exercícios de Artilharia no Hipódromo de Belém”, “Parada de bombeiros” e, em 1901, o regresso dos monarcas da visita aos Açores, que terminava na recepção no Arsenal da Marinha. A ele se devem as imagens das visitas a Portugal de Eduardo VII, de Afonso XIII, dos Duques de Connaugh, de Guilherme II, as imagens da implantação da República, das manifestações a Sidónio Pais em 1918, etc…”.
Com o movimento do neo-realismo, iniciado em Itália, continuaram-se, no filme de ficção, as orientações e procedimentos do documentário inglês, tendendo os seus seguidores para uma identificação do cinema com a realidade extra-filme. Com esta concepção dispensam-se actores profissionais, montagem e argumento, privilegiando-se os cenários naturais e o recrutamento a figuras ocasionais, apanhadas nos próprios locais da acção.
“(…) mesmo quando o essencial do argumento é independente da actualidade, os filmes italianos são em primeiro lugar reportagens reconstituídas. A acção não poderia desenrolar-se em qualquer contexto social historicamente neutro (…)”
Por outro lado, a introdução nos filmes artísticos de pedaços extraídos, primeiro das actualidades autênticas dos anos de guerra, como aconteceu com inúmeros filmes de Vertov, e mais tarde de excertos de imagens verdadeiras em contextos ‘ficcionais’, como em “Defense of the realm”, onde, por exemplo, se inserem imagens do congresso do partido de Margaret Thatcher, com a sua presença, têm também contribuído para afirmar uma certa realidade no cinema, nomeadamente no cinema de jornalistas, como veremos no próximo artigo.

[1] LOPES, João – Jogos realistas, p.55 R [2] WENDERS, Wim – A lógica das imagens, p.86. [3] MCLUHAN, Marshall – Os meios de comunicação como extensões do homem, p.319. [4] BAZIN, André – O que é o cinema?, p.64. [5] TUDOr, Andrew – Teorias do cinema, p.112. [6] TOFFLER, Alvin – os novos poderes, p.373. [7] COSTA, João Bénard – Histórias do cinema, p.71. [8] PINA, Luís de – Documentarismo português, p.9 [9] GRANJA, Vasco – Dziga Vertov, p.71 [10] Idem, p.18 [11] COSTA, Henrique Alves – A longa caminhada para a invenção do cinematógrafo, p.15 [12] GRANJA, Vasco – Dziga Vertov, p.70 [13] Idem, p.49. [14] Idem, p.52 [15] Idem, p.34 [16] Idem, p.31 [17] MORIN, Edgar – O cinema ou o homem imaginário, p.95 [18] FERREIRA, Manuel Cintra – Call northside 777/1948, p.1 [19] CAVALCANTI, Alberto – Filme e realidade, p.27 [20] PINA, Luís de – Op. Cit. [21] ALMEIDA, Manuel Faria – Op.Cit. p.23. [22] BAZIN, André – Op.cit., p.279

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quarta-feira, 19 de março de 2008

Proibido morrer?


Homenagem às vítimas de Entre-Os-Rios

Antecedendo a Páscoa e a Primavera (época propícia a depressões) abordamos a morte e o suicídio, os últimos tabus, na adolescência e nos "media". Antecipamos a saída do novo livro de Abílio Oliveira, "Ilusões Na Idade das Emoções - representações sociais da morte, do suicídio e da música na adolescência", editado pela Fundação Calouste Gulbenkian.

Texto e fotografia Dina Cristo

«Numa sociedade que corre apressadamente para um futuro, sempre inatingível, a melodia interior que nos deveria sintonizar e equilibrar com os ritmos da natureza, e o sentido da vida que gostaríamos de perfilar, parecem-nos meros conceitos, longínquos e desvanecidos. E há sempre quem, um certo dia, grite: Tempus Fugit!, notando em si um «estranho vazio», mal-estar ou desconforto, como referem os Pink Floyd no célebre Time»
[1], afirma Abílio Oliveira, no seu mais recente livro, prestes a ser lançado no mercado editorial.
Nesta obra, baseada na sua tese de doutoramento, acrescenta o autor ser natural que alguém que «precisa de tomar decisões importantes, procure, constantemente, o melhor caminho a seguir. Talvez apenas no seu íntimo possa encontrar algo de seguro. Talvez tenha que arriscar para se conhecer, também através do que o circunda. Ao conquistar uma maior consciência da vida, por vezes pelo contacto próximo com a morte, o indivíduo pode entender que o suicídio não é mesmo uma solução»[2].
Segundo o mesmo investigador, a alternativa passa por cada um reencontrar o equilíbrio perdido, sem ter receio de se olhar e de chegar próximo «do outro», de estabelecer laços de intimidade, com a consciência de que, ainda «que se tropece de vez em quando, que cada dificuldade pode constituir um desafio, uma oportunidade de aprendizagem, um convite para um novo passo, cada vez mais firme e seguro, capaz de o conduzir mais profundamente e mais longe na Vida»
[3].
A auto-agressão poderá revelar uma forma de aproximação à morte… como forma de redescobrir (o sentido de) a vida. «Quando um jovem, em desespero, pensa seriamente em suicídio e chega a tentar a sua própria morte, encontra-se oprimido no limiar da dor e da tensão julgadas insustentáveis. O gesto suicida apela à nossa ajuda e simboliza o desespero supremo ou a recusa da vida, mostrando-nos uma vontade firme de não ser ou, talvez mais correctamente, de desaparecer para o que se tem sido, e ser algo diferente. Mais do que morrer, o jovem quer testar-se (...) e, no seu íntimo, ainda que não o refira, espera sobreviver e saber viver, consigo mesmo e com os outros, encontrar um objectivo que lhe reacenda a esperança esmorecida (ou perdida), a confiança e um sentido real para a sua vida»
[4].
De acordo com alguns dos resultados obtidos na investigação que este livro também resume, «em geral, a morte é também objectivada nas suas causas, como um fim incontrolável e não como o fim, na esperança de que exista vida para além do desconhecido»[5].
Morte interdita
A morte, em especial por suicídio, continua a ser “proibida”, quer ao nível dos rituais, que devem ser discretos, quer ao nível da sua expressão, dos sinais de luto. Fica implodida, nomeadamente a sua dor, intensificada com a rejeição do fenómeno, não sem marcas. «O interdito da morte e do suicídio dificulta a familiarização com algo de estranho (…), como o suicídio, e o desenvolvimento psicossocial dos adolescentes, como seres humanos.»
[6].
Vivemos numa “época desmorteada”, como lhe chama Abílio Oliveira, numa sociedade obcecada pela juventude e pelo domínio da vida sobre a morte, necrófoba que nega, rejeita, esconde e dessocializa o fenómeno: «Ainda que aconteça num contexto social público (ou hospitalar), é vivenciada em isolamento, de forma impessoal. Ninguém a deve referenciar ou dar-lhe importância. Tecnicamente admitimos a nossa morte mas, no quotidiano, agimos como se fossemos imortais»
[7].
«A meta é adiar e combater a morte e o envelhecimento em cada minuto da vida, com o apoio da ciência médica, da indústria da saúde e da informação dos media»
[8], explica Manuel Castells, que acrescenta: «À atitude antiga, onde a morte é, simultaneamente, familiar próxima, suave e indiferente opõe-se cada vez mais a nossa onde a morte mete medo a ponto de não ousarmos mais proferir o seu nome»[9].
Origens do tabu
Mas de onde veio o medo, a vergonha, o tabu em relação a um fenómeno (tão) natural? Nem sempre foi assim. A actual “crise de morte” (espelho de uma crise da própria vida, como afirma Abílio Oliveira), iniciou-se no final do Séc.XVI, com a doutrina escatológica saída do Concílio de Trento, no âmbito da Contra-Reforma religiosa, onde aparece o medo do juízo final, o paraíso e inferno, que tornou a morte ameaçadora e angustiante, os ritos mais pesados, a separação dos cemitérios das igrejas e ‘impôs’ o isolamento e o silêncio.
Até ao Antigo Regime a morte era algo familiar, ainda que a esperança de vida não fosse muito além dos 50 anos. O ser humano vivia em contacto permanente com o desaparecimento físico, através da peste, da fome e da guerra. Este, não só era aceite - fazia parte da vida social, o ritual era público, com grande cerimonial, mas sem dramatismo, as próprias crianças entravam nele – como as pessoas se preparavam para ele e conduziam, até poderem, o próprio ritual, pedindo perdão às pessoas que se aproximavam do seu leito. A morte era percepcionada como uma passagem para uma nova fase existencial, extra-terrena, e, por vezes, até ansiada. Saber morrer era uma arte.
Com a melhoria das condições de vida e a diminuição da mortalidade, sobretudo a partir do Séc.XVIII, a morte torna-se tabu, separa-se então cada vez mais da vida e tentam apagar-se dela todos os sinais. No Séc.XIX, a intolerância social face à morte aumenta e com ela a dor (emocional) que atinge os ritos funenários. «Claro que a expressão da dor dos sobreviventes é devida a uma intolerância nova quanto à separação. Mas não é só à cabeceira dos moribundos ou à lembrança dos desaparecidos que se comovem. Basta a ideia da morte para os comover»[11].
O Séc.XX “mata” a morte. «Durante o longo período que percorremos, desde a Idade Média ao século XIX, a atitude diante da morte mudou, mas tão lentamente que os contemporâneos não se aperceberam. Ora, desde há cerca de um terço de século, assistimos a uma revolução brutal das ideias e dos sentimentos tradicionais; tão brutal que não deixou de chocar os observadores sociais. Na realidade, trata-se de um fenómeno absolutamente estranho. A morte, tão presente e familiar no passado, vai apaga-se e desaparecer. Torna-se vergonhosa e objecto de interdição»
[12].
Na ânsia de a controlar, os seres humanos hoje escondem-na. A morte hoje é “vivida” como uma falha técnica e os nossos adolescentes percepcionam-na com pensamentos e sentimentos de medo e tristeza e também a desafiam, através dos comportamentos de risco. O suicídio «surge como a segunda causa de morte entre adolescentes (…) e há a considerar muitas mortes que resultam de acidentes sobre os quais paira a dúvida de terem sido intencionais (…) Acrescente-se que cerca de metade dos adolescentes que questionámos já teve ideias de suicídio e, também quase metade, conhece alguém que morreu por suicídio ou que tentou matar-se»
[13].
Suicídio nos “media”
Interdita e intolerada socialmente, a morte é, no entanto, exposta nos "media" sobretudo no seu lado mais espectacular e longínquo. «A tendência dominante nas nossas sociedades, como expressão da nossa ambição tecnológica e no seguimento da nossa celebração do efémero, é apagar a morte da vida, ou torná-la inexpressiva pela sua repetida representação nos media, sempre como a morte do outro, de forma que a nossa própria morte seja recebida com a surpresa do inesperado. Ao separar a morte da vida e ao criar o sistema tecnológico para fazer com que esta crença dure tempo suficiente, construímos a eternidade durante a nossa existência. Tornamo-nos assim eternos, excepto por aquele breve instante em que seremos envolvidos pela luz»
[14], afirma Manuel Castellls.
E como é que é representada a morte, especificamente o suicídio, na imprensa portuguesa? Olga Ordaz Ferreira respondeu a esta pergunta e concluiu, no seu estudo em 1995, que há dois tipos de representação do fenómeno. Um primeiro, que inclui os jornais Semanário, Independente, Expresso, Público e Diário de Notícias em que há uma abordagem diversificada do fenómeno, dos personagens e das causas. Neste, caso, por exemplo, os jornais salientam, para além da falta de integração social, o estilo de vida e a auto-percepção. No segundo tipo, que integra os jornais Crime e Correio da Manhã, em que predomina uma visão mais uniformizada, ao nível das metáforas, da imagem do suicida e das causas do fenómeno, centradas na falta de integração social e num comportamento desviante.
Entre os vários tipos de morte (natural, por doença ou acidente), a ocorrida por suicídio, trágica e controlada, é, talvez, a mais intensa e difícil de aceitar, mas «não há nenhuma sociedade ou micro-cultura, qualquer que seja o período histórico considerado, onde não exista suicídio, embora gerido em cada uma delas de forma diferenciada, conforme a sua mentalidade e ideologia específica sobre a vida e o seu valor social simbólico, sobre a morte e o significado após a morte»[15].

[1] OLIVEIRA, Abílio – Ilusões. Na Idade das Emoções (representações sociais da morte, do suicídio e da música na adolescênci). Lisboa. FCT/Fundação Calouste Gulbenkian, 2008, pág. 417. [2] Idem, ibidem. [3] Idem, ibidem.[4] Idem, pág.416. [5] Idem, pág. 409. [6] Idem, pág. 412. [7] Idem, pág. 93. [8] CASTELLS, Manuel – A sociedade em rede. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, pág.583. [9] ARIÈS, Philippe – Essais sur l `histoire de la morte en Occident du Moyen-Age a nos jours. Ed. Seuil, Paris, 1975, pág. 28. [10] A demografia do Antigo Regime e a família – temas de história 3, Edições Sebenta, s/d., pág.85. [11] A demografia do Antigo Regime e a família – temas de história 3, Edições Sebenta, s/d., p.85. [12] Idem, ibidem. [13] OLIVEIRA, Abílio – Ilusões. Na Idade das Emoções (representações sociais da morte, do suicídio e da música na adolescência). Lisboa. F.C.T./Fundação Calouste Gulbenkian, 2008, pág.410. [14] CASTELLS, Manuel – Op.cit.,pág.585. [15] FERREIRA, Olga – Representações sociais do suicídio na imprensa escrita, tese de Mestrado. Lisboa. ISCTE. 1995, pág.120.

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quarta-feira, 12 de março de 2008

Barrar a água?


Barragem de Vilarinho da Furna

Depois da comemoração, há oito dias, da luta dos atingidos pelas barragens, esta Sexta-Feira é dia internacional contra estas construções. Bruxelas suspendeu o Sabor e dá ordens para economizar energia, mas Portugal, com um consumo irracional, avança para a construção de nada menos do que… dez barragens.

Texto e fotografia Dina Cristo

O Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico (PNBEPH) tem previsto a construção de uma dezena de novas barragens em Portugal, sobretudo na bacia hidrográfica do Douro. São elas Almourol, Alvito, Daivões, Foz do Tua, Fridão, Girabolhos, Gouvães, Padroselos, Pinhosão e Vidago, cujo custo económico total estimado de execução é 2,278 milhões de euros, além dos anuais de exploração que são, ao todo, mais cerca de 12 milhões de euros.
Pronunciaram-se contra este programa entidades como a Quercus, o GEOTA, a LPN ou os “Verdes”. Referem, entre outros, o facto de a verdade técnica e científica contrariar argumentos (emocionais) apresentados pelo Governo. Alguns deles são a independência energética de Portugal, a criação de mais empregos, o desenvolvimento económico das regiões. Os especialistas lembram que, por exemplo, em termos de União Europeia a estratégia é de poupança e eficiência energética, estando em curso um plano para a redução, até 2020, de 20% do consumo.
Os danos da construção de barragens têm sido contestados, no Brasil, em Espanha e agora também em Portugal. Se olharmos para o passado podemos recordar as consequências para a comunidade humana e natural da edificação da barragem em Vilarinho da Furna, há 40 anos, e de Alqueva, com os efeitos sobre a Aldeia da Luz: foram centenas de portugueses que se juntaram aos cerca de 80 milhões de deslocados em todo o mundo devido a estas obras.
O PNBEPH prova que há alternativas à construção da barragem no Sabor - como defendeu a Plataforma Sabor Livre, chumbada pela União Europeia, motivo pelo qual foi excluída das 25 hipóteses iniciais. Como refere a Quercus no seu parecer «Se a opção Baixo Sabor tivesse sido incluída neste programa seria mais que evidente que os seus custos ambientais seriam inaceitáveis e seria, em sequência disso, uma das 15 opções excluídas (…)».
Efeitos destrutivos
Cada khw produzido custa 10g de CO2, sendo mais de dois terços correspondentes à construção dos empreendimentos. É sabido que as barragens diminuem a qualidade da água, destroem ecossistemas, alteram o clima, agravam a erosão costeira, levam à perda de diversas espécies, à submersão de floresta e, além destes e outros custos ambientais, cujos benefícios de imediato não ultrapassam algumas décadas, possuem também preços sociais, como o abandono territorial progressivo. Em 2007, o “Público”
[1] defendia que «O Governo (…) deve obrigar as empresas que explorarem as barragens a pagar impostos nas regiões onde produzem os bens que comercializam».
Contra a vontade das populações e os pareceres técnicos, que privilegiam a pequena hídrica em detrimento das grandes, por todo o mundo continuam-se a construir mega-barragens, que desafiam o equilíbrio ecológico, do qual dependemos. A vantagem lucrativa, particular e imediata esmaga o interesse público, humano, de médio e longo prazo. É contra esta exploração de comunidades e habitats que, também à escala internacional, emerge uma nova cultura da água, a favor da vida dos rios, do seu livre curso, da fluência das suas correntes.
Da água (cujo dia mundial se irá comemorar daqui a dez dias), base de toda a existência, depende o futuro da Terra e da humanidade. Se, como diz o povo, parar é morrer, qual será, pois, o nosso destino se optarmos por bloquear hoje o livre curso das águas dos rios? Que espécie de liberdade nos iludimos ter quando prendemos um dos nossos bens mais preciosos? Estaremos, de facto, a evoluir quando paramos o curso das correntes de água? E que qualidade de vida podemos ter com base em águas estagnadas? Ao abusarmos destas barreiras estaremos a ser humanos, racionais e a proteger os direitos das gerações futuras e dos seres vivos, para um desenvolvimento efectivamente sustentável? E como reagiríamos nós se alguém detivesse o impulso vital de nos movimentarmos?.

[1] 8/3/2007

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terça-feira, 11 de março de 2008

Canções


Antecipamos o renascimento da Natureza e o canto das andorinhas com a edição de músicas. Eis alguns exemplos de homens e mulheres que, em todo o mundo e nas mais diversas épocas, cantaram e tocaram temas como o amor.

Selecção e fotografia Dina Cristo

Aliança - Nasce selvagem:

Hair - Aquarius:
Deolinda - Clandestino:
Michael Jackson - You are not alone (1997):
Joe Dassin - Salut:
Michael Jackson - Heal the world (1993):

Maria Bethânia - Fera ferida:

Pólo Norte - Asa livre:

Vanessa da Mata e Ben Harper - Boa sorte/Good luck:


José Augusto - Aguenta coração:
Four non blondes - What's up:
Emanuel Soares - Chuva:
Toquinho - Aquarela:
Tribalistas - Velha infância:
Simone - Começar de novo (2007):
Eric Clapton - Tears in heaven:
Carlos Paião - Os namorados:
Maria Bethânia - Tá combinado:
André Sardet - Foi feitiço:
Luís Represas - Feiticeira:
Denise Emmer - Alouette (1979):
John Lennon - Imagine:
Scorpions - Still loving you:
Fafá de Belém - Abandonada:
Daniela Mercury - Você abusou (2008):
Pedro Abrunhosa - Viagens:
Carlos do Carmo - Estrela da tarde (1976):
Joanna - Amanhã talvez:
Sarah Brightman e Andrea Bocelli - Time to say goodbye:
Extreme - More than words (1992):
Adriana Calcanhotto - Fico assim sem você:
Celine Dion - My heart will go on:
Pink Floyd - Wish you were here:
Elvis Presley – My way:
Paulo Gonzo - Dei-te quase tudo:
Pedro Abrunhosa - Eu não sei quem te perdeu:
Sérgio Godinho - Primeiro dia:
Bonnie Tyler - Total eclipse of the heart (2005):
Mafalda Veiga - Cada lugar teu:
Peter Frampton - Baby I love your way:
Vários - Acreditar:
Marisa Monte - Amor I love you (2001):

Yann Andersen - Song for Nadim:

Bryan Ferry - Slave to love (1985):
Laura Pausini - Strani amori:
Fafá de Belém - Memórias (1998):
Roupa Nova - Dona:
Julio Iglesias - Hey:
Sade - By your side:
Paco de Lucia - Cancion de Amor (2006):
Mariah Carey – Hero (1993):
Nana Mouskouri - Only love:
Enya – Only time:
Art Sullivan - Petite demoiselle:
Jennifer Rush: The power of love:
Rosana - Custe o que custar (e medley com Roberto Carlos em 1988):
Beverley Craven - Promise me (1991):
Armando Gama – Esta balada que te dou (1983):
Trovante - Perdidamente:
João Gilberto - Eu sei que vou te amar:
Katie Melua – Nine million bicycles:
Jose Alberto Reis - Amo-te:
Eurythmics - The miracle of love:
Plain White T`s - Hey there Delilah (2007):
Peninha - Sozinho:
Everly Brothers - All I have to do is dream (1958):

The Tremeloes - Silence is golden:
The Beatles – Baby it`s you (1963):
Yes - Soon (2002):
Mark Knopfler - Brothers in arms:
James Blunt - You`re beautiful:
Toni Braxton - Unbreak my heart:
Elis Regina - Fascinação (1978):
Righteous Brothers - Unchained Melody:
Alcione - Estranha loucura:
Manuel Freire - Pedra Filosofal:
Voces Unidas - Cantare cantaras:
Everything but the girl - I don`t want to talk about it (Marretas):
Gloria Gaynor - I will survive:
Gal Costa - Índia (1973):
R.E.M. - Everybody hurts:
Tim Maia - Dia de Domingo:
Elvis Presley - Love me tender (1968):
Maria Bethânia - Grito de alerta (1988):
Joe Dassin - Et si tu n'existais pas (1973):
Holly Johnson (Frankie Goes To Hollywood) -
Juan Luis Guerra - Burbujas de amor:
Ritual Tejo - Nascer outra vez (2007):


Fábio Júnior - Pai herói:
Leo Sayer- When I need you:

Anne Murray - You needed me:

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