quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Perdão?


Copyright © Neale Donald Walsch, 1998



Na véspera do Ano Internacional da Reconciliação, propomos uma viagem: da culpa (em que nos degeneramos, destruimos, paralisamos) à desculpa (em que nos regeneramos e reconstruimos a nossa vida) - conscientes dos erros, corrigimo-los e, desenganados, absolvemo-nos.

Texto Dina Cristo fotografia(*) Frank Riccio (**)


«- No momento em que eu te atacar e atingir, - respondeu a Alma Amiga – no momento em que te fizer a pior coisa que possas imaginar – nesse preciso momento… - sim? – interrompeu a Pequena Alma. –Sim? A Alma amiga ficou ainda mais quieta. - Lembra-te de Quem Realmente Sou»
[1].

Quem nos fere não é mais do que uma alma amiga, perfeita e maravilhosa, como todas, Luz pura que, por amor, acede penetrar na vida física, pesada, e fazer-nos coisas terríveis. São anjos disfarçados, só para que possamos experimentar (ser e sentir) a compreensão e o perdão e perante a escuridão, o que julgamos como mal, lembrarmos que todos somos o Sol.

Nesta parábola para crianças, editada em Portugal pela primeira vez em 2001, Neale Donald Walsch recorda que «(…) para se experimentar o que quer que seja, tem de aparecer exactamente o oposto»
[2]. É assim que da culpa, temos, lembra Louise Hay, o poder, a capacidade, a liberdade e a inteligência, para atingir a desculpa.


Perante circunstâncias adversas que nos fazem sentir dor imensa - raiva, amargura, ódio, rancor, tristeza, arrependimento, desejo de vingança e medo – temos o poder de escolher se nos mantemos como vítimas ou fazemos o nosso caminho até à responsabilidade. Como afirma Louise Hay
[3]: “Você pode escolher continuar preso e amargo ou pode fazer um favor a si mesmo perdoando voluntariamente o que aconteceu no passado; deixando-o; e depois seguindo em frente para criar uma vida alegre e que o faça sentir-se realizado”.

A decisão mais comum é o “primeiro nível”: culpar-se e culpar os outros. No centro está (quase) sempre a dor. Tais feridas vão-se formando ao longo da vida. Ao nível religioso (ao prazer é atribuído um sentimento de culpa), social, cultural, familiar (as críticas por sermos, pensarmos, expressarmos ou actuarmos de dada maneira). Espalhada um pouco por toda a parte, como vírus, a dor, mais cedo ou mais tarde, acaba por se transmitir a outrem, sob qualquer forma de hostilidade. E a ferida, se não curada, agrava-se.

Da culpa…


Sempre que alguém culpa outra pessoa está a assumir o papel de vítima e a dar-lhe poder. Transfere para o outro a responsabilidade que não sabe, pode ou quer assumir. Neste caso o passado mantém-se vivo, recorrentemente ou, até, obsessivamente lembrado, tornando-se mesmo numa prisão ineficaz que paralisa. Por vezes, um preço a pagar para se permitir cometer o mesmo erro: «Os sentimentos de culpa não o ajudam, apenas o mantêm paralisado, mas podem, pelo contrário, fazer aumentar as hipóteses de repetição do comportamento indesejado, isto é, os sentimentos de culpa podem tornar-se a sua própria recompensa, dando-lhe também permissão para que repita o comportamento»
[4].

Vive-se em ódio, raiva, ansiedade, conflito (tipicamente mental), num stress que conduz à doença e à infelicidade. Vivemos ressentidos, com o lado mais negativo da experiência, o pecado, o castigo, o dever de sacrifício. Uma pós-ocupação vã, assente na (auto)rejeição, desaprovação e reprovação inútil. Segundo Wayne W. Dyer, as prisões, tendo em conta as taxas de incidência, são um exemplo de como a instigação da culpa não resulta.
Fase intermédia é aquela que passa pelo reconhecimento, expressão (da dor e da raiva, nomeadamente pelo choro), arrependimento (através da confissão), compreensão e purificação. Neste caso, os erros mais não foram do que vias para o conhecimento do caminho mais correcto e são, pois, motivo para premiar, celebrar e elogiar em vez de condenar, criticar ou castigar. Houve uma evolução, através da experiência (ainda que equívoca), para o conhecimento.

A cura pode ser facilitada através de terapias naturais, como os remédios florais (floral “pine”) ou auro-soma (frasco nº 81) bem como de uma espécie de higiene mental todos os fins-de-semana: ao Sábado, dia especialmente indicado para reparar e perdoar, tratar de assuntos delicados e estar em repouso (sabático) junto da Natureza, e ao Domingo, altura propícia a considerar todas as dívidas pagas, saldadas e ultrapassadas. A visualização e meditação são outras das formas de dissipar a culpa, tratando-a no presente, evitando que se acumule. Marta Cabeza lança as perguntas: “Porque te culpas há tanto tempo? Porque carregas com culpas que não são tuas? Porque tens medo que te culpem? Porquê?”
[5].


[6], que encontrou na culpa uma das causas para várias doenças, definiu sete etapas para o perdão. Já há décadas, Louise Hay havia notado a mesma ligação: «Já descobri que o perdão, o libertarmo-nos do ressentimento, contribui para dissolver inclusivamente o cancro».


… à desculpa

Depois do trabalho psicológico de enfrentar a dor, manifestá-la e aprender com ela, poderá atingir-se o “segundo nível”, aquele em que nos damos ao direito de ter (tido) não só os erros e enganos, com os quais aprendemos, mas inclusive sentimentos negativos, uma vez que nos são úteis; segundo Lise Bourbeau, o medo indica a necessidade de auto-protecção, a raiva a de afirmação e a tristeza a de desapego.

Neste caso desculpamo-nos a nós próprios pela vivência equívoca bem como à outra pessoa, ou seja, assumimos a responsabilidade pelos acontecimentos. E, quando acontece o auto-perdão, perdoar os outros simplifica-se. «Ás vezes é difícil perdoar, mas torna-se ainda mais difícil perdoares a ti próprio»
[8], escreve Marta Cabeza ou, como afirma Luís Simões, "(...) quando não perdoo os outros é só porque não consigo perdoar-me a mim próprio"[9].


Ao isentar de culpa, o que só o coração tem coragem para fazer, por amor e compaixão, o indivíduo liberta-se do passado, esquece-o. E assim, num acto e visão positiva, curamo-nos perante a absolvição de nós próprios e do outro. “Só o perdão”, afirma Bernabé Tierno, “tem o poder de nos libertar das dolorosas amarras do ressentimento e de nos devolver o equilíbrio e a paz interior (…) Perdoar até nos libertarmos por completo do ressentimento e do rancor, aumenta a nossa saúde física, psíquica e mental, beneficia o corpo e o espírito (…) Perdoar é arrancar a raiva, destruir qualquer resquício de rancor, é construir-se a si mesmo, salvar-se a si próprio»

Pacificado, consciente do erro, mas não tolerando a situação que reprova, deixa-a e sai; segue em frente, recomeçando a sua vida. É a grande perda (de um relacionamento, um emprego, uma habitação) e o desapego, a entrega depois de se haver encontrado, o que tanto se procurou. Mas as pessoas, essas, são perdoadas.

O perdão implica uma (auto)aprovação e (auto)aceitação. Errar é humano (cair no mesmo erro é que não) e já mesmo S. Paulo escrevia na Epístola aos Romanos (7:19) «Porque não faço o bem que quero, mas, o mal que não quero, esse faço»
[11] e exortava na carta aos Colossenses (3:13): «Suportando-vos uns aos outros, e perdoando-vos uns aos outros, se algum tiver queixa contra outro; assim como Cristo vos perdoou, assim fazei vós, também».


Em síntese, ou nos culpamos (guerreamos, adoecemos e deprimimos) ou nos perdoamos (pacificamos, curamos e alegramos). Como escreveu José Manuel Anacleto (JMA), promotor do movimento cívico “Ano 2000, Perdão e Reconciliação” e do Dia do Perdão
[12], «Perdoar é começar de novo, quebrar os grilhões que nos aprisionam a um passado tantas vezes doloroso, que nos oprime. Não se trata de um moralismo qualquer mas, sim, de aprendermos a ser felizes, em conjunto. Todos precisamos de todos”.

Motivo de pensamentos, poemas, canções, livros[13], programas de rádio, dias e orações, a amnistia, o indulto é um sinal claro de amor e sabedoria que, aliás, Jesus Cristo veio ensinar há dois mil anos, e nos permite evoluir em bases mais correctas e (re)fundadas. Perdoar, como demonstraram portugueses e timorenses, é quebrar o ciclo infernal de violência. Já Tertuliano confrontava: "Você quer ser feliz por um instante? Vingue-se! Você quer ser feliz para sempre? Perdoe!".

* Imagem reproduzida mediante autorização da editora Sinais de Fogo. ** Copyright das ilustrações © Frank Riccio, 1998.
[1] WALSCH, Neal Donald – A Pequena Alma e o Sol, Ed. Sinais de Fogo, 2001. [2] Idem, Ibidem. [3] HAY, Louise – Eu consigo! Ed. Pergaminho, 2006, pág.31. [4] DYER, Wayne W – As suas zonas erróneas, Ed. Pergaminho. [5] CABEZA, Marta – Dia-adia com os anjos, Ed. Pergaminho, 2005, pág.160. [6] BOURBEAU, Lise - O teu corpo diz “ama-te” – a metafísica das doenças e do mal-estar, Ed. Pergaminho [8] CABEZA, Marta – Dia-adia com os anjos, Ed. Pergaminho, 2005, pág.67. [9] SIMÕES, Luís Martins Simões -Goste de Si, Ed. Pergaminho, p.60 [10] TIERNO, Bernabé – Aprenda a viver, Lisboa, Ed. Presença, 1998. [11] Ou em outra versão: «Porque o que faço, não o aprovo; pois, o que quero, isso não faço, mas o que aborreço, isso faço» Epístola aos Romanos 7:15 [12] No respectivo projecto educativo o mesmo autor afirmava «(…) A fim de evitar traumas, situações de revolta e o desenvolvimento de uma agressividade latente (susceptível de explodir em determinadas circunstâncias), é de capital importância que o jovem saiba conciliar a recusa de atitudes que injustamente o magoaram com a compreensão relativamente aos autores dessas injustiças; que um indispensável processo de maturação e aprendizagem (que também implica conhecer os lados menos bons da vida e do ser humano) não o marquem de forma patológica, levando-o a gerar ódios, bloqueios, alienações ou situações de não integração» in Brochura “Um minuto, uma flor, um mundo melhor!”, JMA, pág.11.
[13]ENRIGHT, Robert – o poder do perdão. Estrela Polar, 2001. JAMPOLSKY, Gerald G. – Perdoar – a melhor de todas as coisas. Sinais de Fogo, 2004. BARROS, José H. - Perdão e optimismo: uma abordagem intercultural. Revista Portuguesa de Pedagogia. Coimbra. Vol.37, nº2. WALSCH, Neale Donald – A Pequena alma e o Sol, Sinais de Fogo, 1º ed. 2001.

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quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

La dernière chance


Nas vésperas de Natal, tornamos público um poema escrito em francês há mais de vinte anos.

Texto e fotografia Dina Cristo


«Pardon, Seigneur
Dans ce monde si corrompu
Si cruel et surtout immonde
Les gens ne se respectent pas une seconde
Ne te donnent pas d`attention
C`est seulement à Noel
Que les gens pensent aux autres
Mais après ces représentations
Ils font la guerre dans leurs actions
Au moment où je pense
“Dans la vie, tous sont amis
Il n`y a plus des limites”
J`ai toujours des désilusions:
C`est mon rêve qui est termine
Et un autre jour a commencé
Dieu,
Pour qu`on ne se suicide pas
Physique et moralement
On ne demande que ta confiance
Soit dans nos coeurs une permanence
On besoin de ta sécurité
Dieu est la dernière chance
On sait qui jamais on ne te mérite
Mais ton pardon est infini
Pére,
On ne pourra jamais acquérir la paix
Car toujours on fait la guerre
Le mensage qui nous a trompés
Et l`injustice qui nous prend exaspere
Jesus est prêt à nous visiter
Quand le monde finira
Vous, ne vous préccupez pas avec cela
Car le paradis será notre habitat
Nous vivrons seulement pour Dieu
Là, nous atteindrons la paix
Nous serons des Hommes sans frontière
Pour une seule raison: nous serons frère»
27/11/1986

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quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Jesus?


Perto do Natal, escrevemos sobre um génio mundial, quase desconhecido e coevo de Jesus, a partir do livro de G. Mead “Apolónio de Tiana - sábio, profeta e renovador dos mistérios".

Texto Dina Cristo

Apolónio nasceu em Tiana[1], actual Turquia, nos primeiros anos da era cristã. Grande instrutor, elogiado por Voltaire, não foi um deus mas estava acima dos homens, um verdadeiro “daemonion”, cidadão do mundo e sacerdote da religião universal. Enigmático, com uma vida secreta e, durante cinco anos, devotada ao silêncio, Apolónio era forte e erecto, mas também suave, gentil, modesto e até charmoso.

Aluno de Euxeno, iniciado em segredos mais elevados do que os eleusinos, Apolónio de Tiana era um profundo estudioso e amante do saber. Dedicava as manhãs a dar e receber instrução sobre as coisas sagradas, e depois da ciência divina, à tarde, ensinava o que sabia sobre ética e vida privada, com frases curtas e exemplos (comuns). Exigente consigo próprio, não impunha aos outros o seu modo de vida.
Despojado e frugal, defendia um sistema de vida que disciplinasse para a aceitação. Andava descalço e só usava linho. Rejeitava o vinho, a lã e tudo o que provinha de animais. Pleno de compaixão, condenou os combates de gladiadores, o sacrifício de sangue, a excitação selvagem nas corridas de cavalos ou a degeneração dos bacanais. Considerava como única comida pura a produzida pela terra: fruta e vegetais.
Ascético, recusava todos os presentes e rogava “Concedam-me ó Deuses, ter pouco e não necessitar de nada”. Com uma vida pura, considerava que era ao não ter nada que se possuía todas as coisas. Meditava três vezes por dia, ao amanhecer, meio-dia e pôr-do-sol, e à noite banhava-se em água fria. A sua conduta pautava-se por “Coração, sê paciente e tu, minha língua, fica quieta”
[2].
Reconsagração internacional

Com uma actividade quase mundial, viajou muito por terras distantes. Alexandria, Atenas, Arábia, Babilónia, Cádiz, Chipre, Éfeso, Espanha, Etiópia, Grécia, Itália, Jónia, Nínive, Pérgamo, Tróia fizeram parte das suas estadias, onde visitava antigos templos, santuários, magos, centros, comunidades e instituições. Não fundou nenhuma escola, antes procurava restaurar os antigos ritos sagrados, purificando-os, explicando-os melhor, ajudando, assim, pela iluminação à sua restauração.
Apolónio viajou, estudou e ensinou muito. Entre os diversos tratados que escreveu contam-se “O testamento de Apolónio”, um resumo das suas obras, “A vida de Pitágoras” ou “Os ritos místicos ou com relação aos sacrifícios”. Instruía, nos seus sermões, sobre temas como a morte - “Ninguém jamais nasce ou morre jamais”
[3] - ou a imaginação - “(…) a imitação só faz aquilo que viu, enquanto a imaginação o que nunca foi visto, concedendo-o na forma em que a coisa realmente é”[4].
Apolónio, que acreditava que o governo monárquico era o melhor para o império, conversava com reis e aconselhava moralmente os príncipes. “Não deveis colocar vossos próprios problemas acima dos deveres públicos”, dizia nos seus sermões. Com influência, a nível moral e político, defendia que “(…) entre os maiores governantes é o melhor aquele que consegue primeiro governar a si mesmo”
[5]. Admirava Palamedes[6], filósofo do período troiano a quem considerava um herói.
Com uma extraordinária memória, lia os pensamentos humanos e podia ver eventos que ocorriam noutro local, “(…) havia aprendido como comunicar-se com eles [sábios indianos] apesar do seu corpo estar na Grécia e os deles na Índia”
[7]. Médico da alma, para Apolónio, “Nenhuma criatura pode ser saudável enquanto a parte mais elevada nele estiver doente”.
Teve como discípulos, ouvintes, Dâmis, Musónio e Demétrio. Orava “Dai-me, ó Deuses, o que me é devido”, lembrava que “O tempo faz cessar o sofrimento” e que “Aquilo que é não cessa jamais de ser”. Teve que deixar Itália depois de um decreto ter banido os filósofos de Roma, onde foi julgado em 93.

[1] Perto de Tarso, onde também nasceu o apóstolo Paulo, seu contemporâneo. [2] MEAD G.R.S. - Apolónio de Tiana – sábio, profeta e renovador dos mistérios, Brasília, Editora Teosófica, 2000, pág. 65. [3] Idem, pág.132. [4] Idem, pág.125. [5] Idem, pág.133. [6] Palamedes, segundo as fábulas, inventou letras, completando o alfabeto de Cadmo. [7] Idem, pág.81.

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quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

S


Neste segundo Inverno, estação mais intimista, sopramos signos significativos, sintonizados em "S".

Recolha e fotografia Dina Cristo


Sã Sabão, Sábado, Sabedoria, Sabonete, Sabor, Sabre, Sabugal, Sacanice, Saco, Sacerdote, Sachar, Saciar, Sacramento, Sacrifício, Sacrilégio, Sacro, Sado, Sadio, Sádico, Safari, Safado, Safio, Safra, Sagacidade, Sagrado, Saia, Saída, Sal, Sala, Salada, Salamandra, Salmo, Salmoura, Saldo, Salgado, Saliva, Salmão, Saloio, Salpico, Salsa, Salsicha, Saltar, Salteador, Salutar, Salvar, Salvador, Salvaguardar, Salvé, Saltimbanco, Sálvia, Samaritano, Sanar, Sanatório Sandra, Sanção, Saneamento, Sangue, Sangria, Sanidade, Sanita, Santarém, Santiago, Santo, Sanatório, Saneamento, Sânscrito, Santuário, Sanzala, Sapal, Sapato, Sapo, Saquear, Sarapilheira, Sarampo, Saraiva, Saramago, Sarar, Sarau, Sarcasmo, Sarcófago, Sarda, Sardenha, Sardinha, Sargaço, Sarilho, Sarjeta, Sarna, Sargaço, Sargo, Sarraceno, Sassafrás, Satélite, Sátira, Satisfação, Saturação, Saturar, Saturno, Saudade, Saúde.
Se, Sé, Seara, Seat, Sebastião, Sebenta, Sebo, Seca, Sector, Século, Secundário, Sedentário, Sedimento, Sedução, Secção, Secreção, Secretariar, Secreto, Suculento, Secundário, Seda, Sede, Segmento, Segredo, Sémola, Segregação, Seguinte, Seguir Segundo, Segunda-Feira, Segundos Segurança, Seidade, Seio, Seis, Seita, Seitan, Seiva, Selecção, Selénio, Selo, Selva, Selvagem, Sem, Semana, Semelhante, Semear, Sementeira, Sémen, Semente, Semestre, Seminário Semita, Sempre, Sêmola, Sena, Senão, Sendeiro, Senha, Sénior, Sensação, Sensatez, Sensibilidade, Senhor, Sencientes, Senso, Sensualidade, Sentença, Sentido, Sentinela, Sentir, Separar, Sepultura, Sequela, Sequer, Sequioso, Ser, Serafim, Seráfico, Serão, Sereia, Serenata, Serenidade, Sergo, Série, Seriedade, Seringa, Sermão, Serotonina, Serpente, Serra, Serralharia, Sertanejo, Servente, Serventia, Servícia, Serviço, Servo Sésamo, Sessão, Sesta, Sestro, Seta, Sete, Setembro, Setenta, Setúbal, Severo, Sexo, Sexta, Sexo, Sexualidade.
Siamês, Siberiano, Sigla, Sigilo, Signatário, Significar, Significado Silêncio, Silente, Silfo, Silúrico, Silva, Sim, Simbiose, Simetria, Similar, Símio, Simone, Simpatia, Simplicidade, Simpósio, Simulacro, Simultâneo, Sina, Sinal, Sinarquia, Sinceridade, Sincretismo, Síncrono, Sindicato, Síndrome, Sinédrio, Sinfonia, Singela, Singular, Sinistralidade, Sinistro, Sino, Sínodo, Sinónimo, Sinopse, Sintaxe, Síntese, Sintoma, Sintomático, Sintonia, Sintra, Sinuoso, Sistema, Sistemático, Sisudo, Situação.
Só, Soalho, Soar, Sobejar, Soberano, Sobra, Sobranceiro, Sobrancelha, Sobranceria, Sobre, Sobredotado, Sobrenatural, Sobreposto, Sobretudo, Sobrevivente, Sobriedade, Sobrinho, Sócio, Social, Sociedade, Socorro, Sodomita, Sofia, Sofista, Sofisticado, Sofrimento, Sogra, Soja, Sol, Soldar, Soletrar, Solicitar, Solidão, Solidariedade, Solidez, Sólido, Solimão, Solipsismo, Solo, Solstício, Solteiro, Solto, Solução, Solvente, Somar, Som, Sombra, Somente, Sonata, Sonda, Sondagem, Sonegar, Soneto, Sono, Sonhos, Sonso, Soldado, Soldadura, Soletrar, Solução, Soprano, Sorgo, Soro, Sorriso, Sorte, Sortido, Sortilégio, Sortudo, Sorvete, Sósia, Soslaio, Sossego, Sótão, Soturno, Sousa, Sozinho.
Suavidade, Subalterno, Subconsciente, Súbdito, Subir/subida, Subitamente, Subjectivo, Subjugar, Sublime, Subliminar, Sublinhar, Submergir, Submersão, Submissão, Suborno, Subscrito, Subscrição, Subsídio, Subsidiário, Subsistema, Subsistência, Substância, Subtil, Subtrair, Substrato, Subversão, Sucessão, Sucessivo, Sucesso, Suco, Suculento, Sucursal, Sudário, Sufi, sufismo, Suficiente, Sufrágio, Sugestão, Suíça, Suicídio, Sujo, Sul, Sulco, Sulcar, Sulfatar, Sumário. Sumiço, Sumo, Súmula, Suor, Superar, Superlativo, Suplício, Suposição, Suprimir, Supremo, Surpresa, Suspensão, Suspenso, Suprir, Susto, Sustenido, Separar, Suicídio, Superar, Superficial, Superfície, Supérfluo, Superior, Superlativo, Superstição, Suportar, Suplemento, Suplicar, Supor, Suportar, Surdo, Surdez Surf, Surgir, Surpresa, Surzir, Susana, Suspender, Suspiro, Sussurrar, Sustentabilidade Sustentar, Sustenido, Susto, Stress, Swing.

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quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Direitos humanos?

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) faz hoje 60 anos. Fazemos um balanço de seis décadas de (des)respeito pela dignidade humana e explicamos porque a Carta está em risco. Também em Portugal.


Texto e fotografia Fernando Sadio Ramos


O Bloco 11, gerido pela Politische Abteilung, era destinado aos prisioneiros políticos e membros da Resistência do campo Auschwitz I. Nesta sala, despiam-se os prisioneiros que iam ser executados por fuzilamento ou enforcamento. Nus, identificados apenas por um número tatuado no braço, nem no acto de morrer se deixava que as Pessoas conservassem alguma Dignidade. Por isso, e para que não se repita, temos o dever de memória, não esquecendo, nem deixando esquecer o que aconteceu.
É com particular agrado que contribuo para este blog com um texto reflexivo sobre os Direitos do Homem. Foi-me solicitado que procedesse a um balanço dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem, referindo em que medida os mesmos constituem um ingrediente de uma cultura e prática quotidiana que os respeite.
Num breve balanço e com a finalidade de situar o ponto de vista que defenderei ao longo do texto, diria que a situação presente dos Direitos do Homem se caracteriza por uma crise, particularmente aguda, na qual a Liberdade do Homem é interpelada de um modo sobremaneira ingente e responsável. As conquistas havidas até hoje estão particularmente fragilizadas e sob ataque feroz por parte de forças para as quais os Direitos do Homem são uma incomodidade e um empecilho a varrer da sociedade humana. Como tal, ser Pessoa e Cidadão hoje torna-nos eminentemente responsáveis por aquilo em que a Sociedade e o Mundo contemporâneos se tornarem, na medida em que nos encontramos perante uma dicotomia absoluta: ou contribuirmos para a criação de uma sociedade que avance na realização dos Direitos do Homem, ou permitirmos a emergência de uma sociedade da qual os mesmos venham a ser erradicados por completo e os torne um capítulo transcorrido num breve lampejo histórico da Liberdade humana. Não há meio-termo, nesta questão. O mais, ou é má-fé cínica, ou abjecta pusilanimidade.
Neste sentido, falar de Direitos do Homem implica falar simultaneamente dos processos de consciencialização para o valor da Dignidade humana e mediante os quais o seu conteúdo se torne integrante da prática pessoal e social quotidiana. Deste modo, o que se pretende de uma sociedade decente é que o respeito pela Dignidade do Homem, assim como pelos Direitos em que a mesma se vai plasmando, façam parte da cultura quotidiana dessa mesma sociedade. Esses processos, diversíssimos quanto às possibilidades que a acção humana comporta, ligam-se inevitável e eminentemente à Formação e à Educação, qualquer que seja o contexto e o modo como as mesmas decorrem, pelo que nesta nota reflexiva aquelas ocuparão um lugar destacado. Sublinho, todavia – e isto é importantíssimo –, que esta afirmação não implica que é à Formação e à Educação que compete a reforma ou a transformação da sociedade por si só. Sem a intervenção política e cidadã, mediante a intervenção dos agentes sociais integrantes das diversas componentes estruturais da sociedade, nada poderá ser alcançado. Se – e isso é o que penso – a Formação e a Educação são transformadoras da sociedade, é no sentido em que as mesmas despertam nas Pessoas a consciência do valor da sua Dignidade e produzem nelas a vontade de a fazer respeitar, em si e – sobretudo – nos outros, a começar pelos mais fracos e desprotegidos.
Cultura de respeito pelos Direitos do Homem
Poderíamos adiantar inúmeras razões justificativas da imperiosidade do respeito pelos Direitos do Homem e da necessidade e premência de consciencializar as Pessoas para a importância de que os mesmos façam parte integrante do quotidiano, do mesmo modo que o ar que respiramos ou a água que bebemos. E tal assume particular urgência na Europa. Digo tal, porque o discurso oficial e cultural que vigora nesta realidade geográfica e política assenta na continuação da reivindicação desse respeito, seja através da ideia de Democracia, como da de Estado de Direito/Império da Lei e da de Direitos e Liberdades fundamentais, podendo gerar em nós uma falsa tranquilidade relativa à permanência e até à perenidade dessas conquistas da Liberdade ao longo de séculos de História, Europeia, em particular. Tal falsa consciência pode tentar-nos, levando-nos a pensar que não é necessário manter viva, constantemente, a chama que ilumina e mantém vivos os Direitos do Homem. O ainda – mas cada vez menor – relativo respeito pelos Direitos do Homem a que se pode assistir no continente Europeu não nos deve distrair do assalto quotidiano que os mesmos sofrem nos respectivos Estados, e que tornam aqueles cada dia apenas mais uma reminiscência de uma idade pretérita. Sobretudo, aqui na Europa, a tarefa de lutar pela existência de Direitos do Homem e seu respeito impõe-se com uma urgência muito especial.
De entre as muitas razões justificativas da necessidade de consciencializar e educar para a importância dos Direitos do Homem na nossa vida individual e colectiva, referiria estas:
a) As violações da Dignidade Humana que têm ocorrido ao longo da História e que tiveram um momento particularmente destacado na II Guerra Mundial e que, como se sabe, justificaram a proclamação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948. Por muito distante que essa realidade pareça estar dos palcos da Europa, tal não corresponde todavia à verdade. O destino da ex-Jugoslávia, por exemplo, está aí bem perto de nós e lembra-nos a imperiosidade do dever de memória de que nos falava Primo Levi
[1]. Noutras partes do mundo, idênticas violações em massa dos Direitos do Homem são também prática frequente – Ruanda, Darfur, Tibete, para indicar genocídios de escala assinalável; China, Iraque, Zimbabué… Um sem número de exemplos se poderiam colocar aqui.
b) As actuais circunstâncias do nosso mundo, das quais destacaria as que se seguem, reforçam ainda mais a ideia da necessidade e premência de uma consciencialização profunda para o valor da Dignidade do Homem e respectivos Direitos:

i) a globalização económica, comandada pela nefasta Organização Mundial do Comércio e pela directiva do Acordo de Investimentos que, por todo o mundo, tudo reduz a mercadoria e tudo quer entregar à iniciativa privada, com a consequente exclusão dos não-possidentes do direito a direitos; pensando, por exemplo, no nosso País, podemos dizer que o direito à Justiça, à Segurança, à Saúde e à Educação já depende fortemente das posses do indivíduo em causa em virtude do desinvestimento e descapitalização das instituições do Estado, assim como da imposição de taxas destinadas a excluir o acesso a esses direitos;
ii) o progresso tecnológico: deste decorrem possibilidades inauditas de intervenção e modificação do mundo, as quais levantam a questão de saber até onde se pode ir (por exemplo, a clonagem humana) e da exclusão dos desfavorecidos relativamente aos seus benefícios; este último ponto é particularmente relevante, pois o acesso aos benefícios do progresso tecnológico não se traduz numa mais justa e efectiva repartição dos mesmos pela Humanidade;
iii) as migrações, cada vez mais acentuadas, protagonizadas por refugiados políticos, económicos, demográficos ou ambientais; várias ordens de questões se podem colocar a propósito deste fenómeno, das quais destacaria o empobrecimento dos países de onde são originárias as populações (quer porque, muitas vezes, os emigrantes são as pessoas mais qualificadas dos mesmos, quer porque perdem população que lhes faz falta ao seu desenvolvimento), as questões de integração nos países de acolhimento e a proliferação da escravatura que acompanha este fenómeno;
iv) os desafios presentes colocados pela multiculturalidade e a questão do relacionamento entre as distintas comunidades e populações que integram países com maior desenvolvimento económico, mas numa profunda crise que, entre muitas outras consequências, gera um renascimento em força dos racismos e possibilita o surgimento de populismos de forte pendor fascista, como é o caso da Itália com o governo do actual Consulado;
v) o retrocesso dos Direitos do Homem em virtude de dois fenómenos:
· o terrorismo e a guerra ao mesmo (o ímpeto controleiro a autoritário dos Estados é insane – e nisso, infelizmente, Portugal está na linha da frente, como podemos ver pelo cartão único, o chip nos automóveis, o “super-polícia”, o culto da personalidade de que alvo o “menino de ouro”, o hugo-chavismo da propaganda governamental, a censura governamental por intermédio do controlo dos media auxiliado por uma “Entidade Reguladora da Comunicação” (ERCS)
[2], enfim, há que parar de enumerar, mas não por falta de exemplos…);
· o capitalismo desenfreado, que se assenhoreou dos Estados e Governos, levando-os a legislar no sentido de servir os seus interesses lucrativos, o que tem como corolário inevitável a evacuação dos Direitos do Homem – principalmente, e para começar, os Direitos Económicos, Sociais e Culturais –;
c) De igual modo, as actuais questões levantadas pela construção da Cidadania Europeia tornam imperiosa a Educação para os Direitos do Homem:

i) O alargamento europeu, com a necessidade de aprofundar a democracia em países saídos recentemente de longas ditaduras e que passam – ainda hoje – por dolorosos processos de estruturação democrática, nos quais a tentação de regresso ao passado é grande e a ameaça do antigo colonizador Russo
[3] continua bem patente;
ii) a imigração e a integração das 2.ª e 3.ª gerações de descendentes dos imigrantes originais, assim como as questões relacionadas com o comunitarismo – uma outra forma de racismo, o racismo diferencial –, o racismo de extrema-direita e o proselitismo fanático do Islão;
iii) a exigência de motivação e de aprofundamento crítico da participação dos cidadãos nos processos sociais com que se deparam as democracias representativas;
iv) a questão da verdadeira sede do poder das democracias representativas se estar a deslocar rapidamente para organizações económicas transnacionais (com particular destaque para a nefanda Organização Mundial do Comércio (OMC), para as companhias transnacionais, mas igualmente para o polvo constituído por teias de interesses privados ou de regimes totalitários e cleptocratas – como o de Angola –, fenómenos que corrompem os poderes e as organizações integrantes dos Estados, em particular os Europeus), relegando assim para segundo plano o papel do Estado nacional e do voto do povo como fonte de legitimidade;
v) a integração social e política da juventude, arredada da possibilidade de participação social em virtude do contínuo ataque aos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, do qual decorre a precarização e a manipulação dos jovens que integram o mercado de trabalho; entre nós, um exemplo relevante deste fenómeno encontra-se ao nível dos jovens jornalistas – deveria dizer “jornalistas” – que trabalham nas empresas de comunicação social Portuguesas, submetidos a contratos precários e, consequentemente, incapazes de exercer a função de jornalistas, analisando, reflectindo, criticando e mediando a interpretação da realidade em que o acto jornalístico consiste essencialmente;
vi) o combate às forças responsáveis pela situação proto-fascista que se vive em países da União Europeia e consequente eliminação de Direitos, Liberdades e Garantias fundamentais de que o processo da chamada “Constituição” Europeia – através de todos os seus avatares, incluindo a farsa do Tratado de Lisboa – é exemplo assinalável; com efeito, a proto-ditadura burocrática com sede em Bruxelas e o seu projecto de reconstituição do carolíngeo Sacro Império Romano-Germânico, por intermédio do eixo Paris-Berlim, são hoje um elemento que nos deve manter alertas para a necessidade de conservar a Liberdade dos povos
[4].
A Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu a necessidade de consciencialização para o valor da Dignidade humana ao instituir a década de 1995-2004 como a Década das Nações Unidas para a Educação para os Direitos Humanos. Pensamos que deveria tê-la prolongado, mantendo esta preocupação continuamente na agenda educativa e política. Desse modo, não seria tão fácil a equipas governamentais, como a do actual Ministério da Educação Português, evacuarem a preocupação com a dimensão cidadã do currículo. Outras proclamações, como a deste ano de 2008 como Ano Europeu para o Diálogo Intercultural, decorrem do mesmo tipo de reconhecimento a que nos vimos referindo. Neste sentido, coloca-se-nos constantemente a particular exigência de efectuar um balanço da situação dos Direitos do Homem e de decidirmos o que fazer a seguir para prosseguir a tarefa de dar sentido à nossa praxis colectiva de humanização e, em particular, à praxis educativa.

Indiscutível nos parece concluir que temos que continuar a agir, em cada dia, com cada vez com mais energia pois, não só os progressos efectuados estão longe do que seria desejável e exigível, como os retrocessos havidos colocam em causa muito do que entretanto se alcançou. Relembramos o ataque feroz e raivoso que o capitalismo selvagem vem fazendo aos Direitos Económicos, Sociais e Culturais e à sede do poder da democracia representativa.
Para o Conselho da Europa é também fundamental a Educação para os Direitos do Homem. Toda a actividade desta organização internacional, de carácter europeu, tem-se pautado pela defesa dos Direitos do Homem, enquanto traço essencial definidor da identidade Europeia. Dela, destacamos em particular a instituição do Programa de Educação para os Direitos Humanos integrado no Programa para a Juventude da Direcção de Juventude e Desporto do Conselho da Europa, lançado em 2000, aquando da comemoração do 50.mo aniversário da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. No que interessa ao assunto destas reflexões, refiro com particular destaque a iniciativa de publicar Compass. The Manual on Human Rights Education with Young People, em 2002
[5]. É com base na estratégia e trabalho dessa organização, assim como nos fundamentos que se materializam nessa obra e actividades que aí se propõem, que vimos desenvolvendo, desde 2002, na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra, um Projecto de Educação para a Cidadania e Direitos do Homem.


[1] Levi, P., (1997). O Dever de Memória. Porto: Livraria Civilização. [2] É forçoso referir aqui a coragem cidadão de Eduardo Cintra Torres e das suas intervenções nas crónicas que subscreve no jornal Público. Em terra de anões de cócoras na sua subserviência, é de assinalar quem se agiganta desta forma. [3] Como se depreende, os nomes “União das Repúblicas Socialistas Soviéticas” e a sua forma abreviada “União Soviética”, não passavam de um disfarce para designar o Império Russo nesse seu avatar. [4] Ultrapassa o âmbito destas reflexões, mas não se deve deixar de referir o perigo de implosão em que a Bélgica se encontra – facto cuidadosamente censurado na comunicação social Portuguesa, e não só –, do qual podem derivar consequências desastrosas para o Continente Europeu. [5] Existe tradução Portuguesa: Farol. Manual de Educação para os Direitos Humanos com Jovens.

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(In)dignidade humana


Muro (reconstruído) no qual se fuzilavam os prisioneiros políticos e os resistentes de Auschwitz


Nesta segunda parte[1] detemo-nos, além dos conceitos e realidades, na evolução dos Direitos Humanos: dos valores da liberdade aos de solidariedade (última geração) - caso da petição por um 31º artigo sobre o acesso a água potável. Perguntamos se, nestes 60 anos, tem a educação cumprido o seu papel.




Texto e fotografia Fernando Sadio Ramos



Os Direitos do Homem aparecem como concretizações efectivas de algo que constitui a sua razão de ser: a Dignidade do Homem. A ideia fundamental que subjaz a qualquer referência a Direitos do Homem é a de que o Homem, por ser Homem, é dotado de Dignidade. Esta assume-se como sendo a fonte de todos os valores plasmados nos Códigos de Direitos do Homem, a fonte inexaurível de novas formas e criações da Liberdade no decurso da praxis constitutiva de uma sociedade regida por aqueles e respeitadora dos mesmos. Ter Dignidade significa que se transcende a mera factualidade do ser-objecto integrante da Natureza. Transcendente à factualidade, a Dignidade diz-se de muitas maneiras e concretiza-se de inúmeras formas. Nesse sentido, a História, a Cultura e a Civilização permitem-nos ver de que modo se vai dando conteúdo concreto a essa Dignidade fundamental, que varia temporal e espacialmente, assumindo sempre novas formas mediante a intervenção da praxis. Supondo que se vai progredindo – por muito pouco que seja e por mais retrocessos que se verifiquem – no advento da Dignidade humana, poderemos ver na História um crescendo de concretizações dessa fonte do valor do Homem. Os Códigos específicos e concretos em que se plasma a Dignidade do Homem, as culturas e respectivos valores informantes, são momentos num processo permanentemente in fieri de humanização do Homem.
Naturalidade


A noção de “Direitos do Homem” implica a afirmação de uma exigência que estou autorizado a fazer precisamente por ser membro da espécie humana, e que não necessita de qualquer referência a uma possível concessão por parte de terceiros. Nesse sentido, podemos dizer que os Direitos do Homem são naturais, isto é, fazem parte da natureza ou do ser do Homem. Como tal, não dependem de atribuição ou benesse da parte de quem quer que seja. A sua naturalidade (no sentido em que a definimos) não significa que estejam dados automaticamente, de uma vez por todas e que os seres humanos deles estejam conscientes. A alienação relativamente à Dignidade que nos constitui é possível; já a alienabilidade não é aceite em termos de Direitos do Homem, como veremos brevemente. A mesma naturalidade não implica, igualmente, que os Direitos do Homem não sejam históricos. Com efeito, foi através da praxis humana que os mesmos advieram à realidade, constituindo aquilo a que, em termos kantianos, se chama o Reino da Liberdade. Do mesmo modo que os Direitos do Homem se constituem historicamente pela intervenção da Liberdade, podem regredir ou ser anulados na sua realidade efectiva se a consciência do valor da Dignidade do Homem se perder ou se reduzir.


A naturalidade dos Direitos do Homem significa que ninguém pode outorgar o direito à dignidade e à integridade física e psíquica das vítimas da violação daqueles. É evidente que o dever de respeito desses direitos pode ser infringido por outrem – seja ele um indivíduo, o Estado ou uma corporação mercenária –, mas essa violação não anula o facto de que a condição humana implica, por si mesma, o direito ao respeito desses direitos.
Igualdade, Universalidade, Inalienabilidade e Interdependência


Da naturalidade dos Direitos do Homem, decorre que todos os seres humanos, por o serem, têm os mesmos direitos. Assim, surgem como características essenciais dos Direitos do Homem a Igualdade, a Universalidade, a Inalienabilidade e a Interdependência. Todos os seres humanos são iguais em dignidade, pelo que os Direitos do Homem são universais. Ninguém pode ser destituído deles, nem pode abdicar deles, mesmo que dê o seu consentimento, pelo que são absolutamente inalienáveis. A interdependência é outra das suas características fundamentais. Um Direito do Homem implica os outros de modo que não podemos retirar um sem colidir com os outros. O direito à vida não se pode exercer plenamente sem liberdade. O direito à liberdade não é pleno sem educação e sem segurança, por exemplo. A pobreza não permite a participação política na vida da sociedade, o acesso à justiça e assim sucessivamente. Destes valores e direitos decorrem outros, entre os quais destacamos a não-discriminação, a tolerância, a justiça, a responsabilidade.


Todos os Direitos do Homem são, consequentemente e como referimos anteriormente, uma declinação do valor essencial da Dignidade Humana. Assentam numa concepção antropológica e ontológica de raiz aristotélica e nominalista, que dá o primado ao ser individual, isto é, à Pessoa humana concreta, enquanto verdadeiro sujeito de valores, direitos e fonte dos mesmos. Só é possível falar em direitos dos Povos e das Colectividades, por exemplo, se se tiver em conta que o que realmente existe é a Pessoa humana individual e concreta, e que o termo geral com que se designa um qualquer colectivo humano tem apenas o estatuto de um vocábulo, de um instrumento de pensamento lógico e, por conseguinte, é dotado de uma existência meramente ideal. É importante sublinhar este ponto pois, em nome da “Humanidade”, milhões de pessoas têm sido mortas e torturadas pelos zelotas/ fariseus/ iluminados/ beatos e outras encarnações da pretensa superioridade moral de que o ser humano tende a padecer. Protejamo-nos dos zelosos defensores da “Humanidade” que, de tão ofuscados pelo seu brilho inteligível, a não conseguem reconhecer no seu Próximo.
Gerações Os Direitos do Homem definiram-se historicamente de modo sucessivo, ao longo de várias etapas marcadas pela predominância de uma certa dimensão dos mesmos. Ao resultado desse processo, convencionou-se designá-lo de “gerações”. A apresentação do processo segundo uma sequência de Gerações de Direitos do Homem tem o perigo de, por um lado, poder fazer-nos perder de vista a interdependência essencial dos Direitos do Homem e, por outro, de nos fazer esquecer do seu carácter de permanente conquista histórica e de realidade frágil e em risco constante. No entanto, se tivermos estas advertências em mente podemos, por uma questão pedagógica, utilizar essa ordenação.
1.ª Os Direitos da Liberdade – Civis e Políticos


Deste modo, podemos encontrar uma 1.ª Geração – os Direitos Civis e Políticos –, que são essencialmente os Direitos da Liberdade. Temos, assim e por exemplo, a liberdade de expressão e de associação, o direito à vida, a um julgamento justo, à participação na vida política da sociedade.


Estes direitos definiram-se sobretudo ao longo dos séculos XVII e XVIII e na origem da sua conquista estão sobretudo preocupações políticas que visavam limitar o poder do Estado relativamente ao indivíduo. Têm, consequentemente, como ideias centrais a defesa da liberdade pessoal e a protecção do indivíduo face à prepotência do Estado. A actualidade Portuguesa tem apresentado um conjunto de factos que mostram à saciedade o carácter precário das garantias da Pessoa face ao poder do Estado a propósito de um processo judicial muito mediático, que se arrasta há vários anos
[2], e quão errados andam aqueles que falam, em nome da segurança, em “excesso” de garantias legais de protecção dos direitos e liberdades fundamentais.

2.ª Os Direitos da Igualdade – Económicos, Sociais e Culturais


Existe uma 2.ª Geração de Direitos do Homem – a dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais –, os “Direitos de Igualdade”. A título de exemplo, refiram-se os direitos ao trabalho, à saúde, à educação.



É ao longo dos séculos XIX e XX que estes direitos se conquistam. Têm como principal preocupação a vida em sociedade, o trabalho e a satisfação das necessidades básicas da vida. As ideias de base são a igualdade e a garantia de acesso aos bens essenciais (sociais, económicos, coisas, serviços e oportunidades).
3.ª Os Direitos da Solidariedade – Colectivos


Podemos falar de uma 3.ª Geração – a dos Direitos Colectivos (das Sociedades e dos Povos) – os “Direitos de Solidariedade” –. Chamam-se, também, “Direitos emergentes”, na medida em que estamos em pleno processo da sua definição e promulgação. Podemos dar como exemplos deles o direito ao desenvolvimento sustentável, à autodeterminação dos povos, à paz e ao ambiente saudável.


Estes direitos têm uma ideia central, a de solidariedade. Efectivamente, nas presentes circunstâncias do mundo, ninguém pode pretender ficar imune a questões como as da pobreza pelo facto de beneficiar de boas condições de vida na sua sociedade ou de viver num condomínio fechado numa cidade rodeada de favelas. Mais cedo ou mais tarde, o carácter precário desse bem-estar pode tornar-se bem patente com os excluídos a baterem-lhe à porta, para usar uma linguagem eufemística. Tudo se repercute em tudo, tudo está estreitamente inter-relacionado, globalizado e, nesse sentido, os problemas – onde quer que se situem, por mais distante que seja o local onde ocorram – são sempre assunto de todos e partilhados por todos, quer nas suas consequências, quer nas soluções a adoptar para os mesmos.


Esta Geração de Direitos do Homem tem um carácter particularmente problemático. Por um lado, como a sua definição é uma tarefa em curso, esses Direitos caracterizam-se por uma indefinição mais ou menos acentuada, o que nos permite ver como os Direitos do Homem não nos foram dados ou outorgados por nenhum benemérito ou filantropo, mas afirmados pela acção e luta da liberdade e da crítica. Por outro lado, a seu propósito coloca-se a questão de poderem ou não manter a designação de “Direitos do Homem” ao serem atribuídos a entidades colectivas, quando a essência destes é serem, primordialmente, direitos da Pessoa individual e concreta.


Dois exemplos podem ilustrar a dificuldade. Não é inconcebível a possibilidade de, em nome da segurança de uma comunidade ou de um povo, se instituir uma ditadura que prive os seus cidadãos dos direitos e liberdades fundamentais. Considerem-se os casos ocorridos historicamente ou, na actualidade, a embrionária incubação do ovo da serpente na actual Itália consular. Existe ainda a questão da responsabilidade – quem deve ser responsabilizado por uma violação dos Direitos do Homem é, à luz da doutrina que preside a estes, alguém individualmente tomado, e não povos ou comunidades. É Eichman quem responde por crimes contra a Humanidade, não o povo Alemão, e assim sucessivamente para qualquer exemplo que queiramos dar. Quem deverá ser responsabilizado pelo efeito de estufa e suas consequências?


Todavia, alguns direitos colectivos já foram definidos, nomeadamente o Direito à Autodeterminação dos Povos (em 1948, na DUDH) e o Direito ao Desenvolvimento, declarado em 1986 pela Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas. Em curso, está a definição de direitos em áreas particularmente relevantes nos nossos dias, nomeadamente no que diz respeito às questões colocadas pelo progresso científico e pela biotecnologia.


Fala-se também numa 4.ª geração de direitos – os “Direitos de Qualidade de Vida”, os quais implicam uma cidadania de qualidade (direito ao lazer e ao acesso a bens culturais, por exemplo) –, mas estes direitos podem ser considerados como estando já incluídos nos direitos de 2.ª geração e dependendo da realização do conteúdo puro e duro destes.
Alguns documentos fundamentais Os Direitos do Homem podem ser encontrados em inúmeros documentos de todo o tipo e em legislação da mais diversa. Por exemplo, na Constituição da República Portuguesa (CRP). Deixo, por isso, apenas as seguintes referências mais gerais:

· Carta Internacional dos Direitos Humanos, que é constituída pela Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948, Organização da Nações Unidas), pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (1966) e pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (1966). · Convenção dos Direitos da Criança (1989). · Convenção Europeia sobre os Direitos do Homem (1950/1998).
Educação para os Direitos do Homem
Falámos por diversas vezes na importância de consciencializar as Pessoas para a sua Dignidade e respectivos direitos. O Conselho da Europa, organização à qual já nos referimos anteriormente, entende por Educação para os Direitos do Homem os “programas e actividades educacionais centrados na promoção da igualdade na dignidade humana, em conjunção com outros programas tais como os que promovem a aprendizagem intercultural, a participação e a capacitação das minorias.”[3]

Esta definição dá corpo ao que se diz da Educação na Declaração Universal dos Direitos do Homem: “A Educação deve estar dirigida para o desenvolvimento integral da pessoa humana e para o reforço do respeito pelos direitos e liberdades fundamentais. Deve promover a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações, grupos religiosos e raciais, e apoiar as actividades das Nações Unidas na manutenção da paz.”
[4]


A partir destes pressupostos fundamentais, podemos dizer que a finalidade essencial da Educação para os Direitos do Homem será a de contribuir para o advento de uma cultura onde eles sejam parte integrante da vivência e da acção dos seus membros, que os devem tomar como algo a ser preservado como condição primeira e essencial para a promoção da Dignidade Humana e de uma vida que valha a pena viver. Tal cultura implica que o respeito pela Dignidade Humana deve enformar profundamente a prática social e individual, quer no sentido da manutenção das conquistas entretanto efectuadas, quer no da promoção de novas dimensões de realização dessa Dignidade através da crítica às situações de facto e da inserção de novos valores na realidade.


A Educação é, pela sua própria natureza, um terreno particularmente relevante para este desiderato e tem, assim, um forte componente de cidadania política. Pelo facto de estarmos ligados a ela, estamos sempre a contribuir de uma ou outra forma para o respeito ou – esperemos que não – desrespeito pelos Direitos do Homem.


Os conteúdos fundamentais da Educação para os Direitos do Homem poderão ser, sem exclusão de outras propostas e formulações, os seguintes:


a) o conhecimento e a prática dos Direitos do Homem, do valor da Dignidade Humana e dos valores democráticos;
b) a consciencialização para a liberdade constitutiva da humanização do Homem, para a identidade e a diferença antropológica;
c) o desenvolvimento de competências interpessoais e intelectuais, bem como de competências pragmáticas da linguagem;
d) a capacitação para uma cidadania activa e participativa.


Nesta prática, ao agir localmente, nos grupos de cuja responsabilidade estamos incumbidos, introduzimos mudanças na realidade que, pelo seu concurso recíproco, acabam por ter implicações na mudança global.


Fundamental neste processo é a consciencialização dos agentes para esses valores e para reconhecerem as suas violações, bem como a sua capacitação para intervir na promoção do seu respeito nas diversas circunstâncias em que decorra a sua acção e intervenção na sociedade.
Responsabilidade actual


Chegado ao fim destas reflexões, gostaria de sublinhar a importância do exercício de uma cidadania crítica, activa e participativa que diga “não” às violações dos Direitos do Homem que, de uma forma inadmissível, continuam a pautar a nossa época e que se empenhe corajosamente em promover o seu respeito em toda e qualquer circunstância.


Assim, poderemos estar à altura do privilégio único do nosso tempo. Com efeito, as violações dos Direitos do Homem que se verificam actualmente resultam particularmente ultrajantes precisamente porque nunca época alguma da História da Humanidade teve ao seu alcance as possibilidades que a nossa tem de transformar o mundo para melhor. E, paradoxalmente, nenhuma terá feito tanto para desperdiçar a oportunidade de introduzir um verdadeiro progresso no mundo, a saber, o progresso na Dignidade, Igualdade e Liberdade.

A pior servidão é aquela em que não se tem consciência de que se é servo e não se consegue sonhar com a ideia de uma outra realidade possível além da que nos rodeia. Tem já muitos séculos esta advertência, tantos quantos os da escrita do Fédon platónico
[5]. Traço característico dos dias de hoje é o facto de muitas forças concorrerem para nos retirar a capacidade de conceber outros mundos possíveis além daquele em que nos encontramos mergulhados, assim como de os produzirmos mediante a praxis e a Liberdade.

À Educação compete – como sempre competiu e como ela sempre cumpriu – manter desperta essa não-aderência do Ser Humano ao imediato e promover o desenvolvimento da capacidade de, pela palavra interna e externa, pelo diálogo e pela dialéctica, desvelar o (ainda) não-existente que é condição do futuro que poderá vir a existir através da praxis transformadora do ser.


Esta é uma responsabilidade nossa, que não podemos alijar e pela qual devemos estar preparados para responder perante os nossos vindouros.

[1] Seguirei de perto o texto de Compass, que contém úteis indicações bibliográficas sobre a questão dos Direitos do Homem e da Educação para os Direitos do Homem. [2] Refiro-me ao Processo da Casa Pia. [3] Compass, p. 17. [4] Artigo 26.º [5] 83c.

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quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Terrorismo mediático

Noam Chomsky faz este Domingo 80 anos. Altura para relermos um dos seus livros editados em Portugal*: a história de como se incitou uma população pacífica ao ataque militar.

Texto Dina Cristo

Como se consegue, em democracia, fazer com que as massas consintam políticas que vão contra as suas opiniões e interesses? Como, em liberdade e sem força física, se leva o público a aderir a ideias contrárias às que defende? Como é possível, enfim, viver numa espécie de totalitarismo auto-imposto? Para Chomsky a resposta é clara: através da propaganda, veiculada pela indústria das relações públicas.
A estratégia, com quase um século, está em enterrar a verdade e os problemas que a todos preocupam (interesse comum) num monte de mentiras. Como explicou em entrevista, a propaganda não é totalmente falsa (daí a sua eficácia) - há pedacinhos de verdade nos jornais - mas estão misturados com tanta desinformação massiva que precisam de ser decifrados, coisa que o “rebanho tolo” não faz.
A par da invenção de factos (a imagem do mundo tem uma relação muito remota com a realidade) e da falsificação da história (veja-se o caso do Vietname), a propaganda investe no controlo da massa. A domesticação faz-se em várias frentes: em termos físicos, mantendo-a parada e retida (em frente à televisão), distraída (com os jogos desportivos, as séries televisivas); em termos emocionais, aterrorizando (com toda a espécie de males), assustando e apavorando-a com todo o tipo de medos e, em termos mentais, inculcando a aprovação da força militar e da guerra como legítima e aceitável, mesmo quando as sondagens dizem precisamente o contrário: a população é habitualmente pacifista e prefere a ajuda humanitária à crueldade.
O controlo do estado de espírito, a instigação do medo e da incitação à guerra, através da criação de monstros inimigos, resulta numa tremenda passividade, isolamento social e dependência mediática. São assim criadas as condições para o círculo vicioso da sujeição à manipulação. Entretido (entre ter um produto hoje e obter mais um outro amanhã), distraído, afastado de si próprio (alienado), descuidado e desatento aos (seus) reais problemas, convencido de que a vida é aquilo que vê no televisor, o público facilmente se ilude. Enquanto se (dis)trai não pensa, não põe em causa os princípios do sistema no qual assenta a (sua) vida. Deixa-se levar.
Ignorando o que se passa, por mais que tenha a sensação de estar a ser bem informado, não sente, portanto, a necessidade de reflectir, discutir, partilhar, agir ou associar-se. Desta forma, não é preciso proibir os ajuntamentos e a livre discussão. A massa, assim apática e atomizada, obedece: ainda que em alguns míseros intervalos a sua consciência a questione, pelo facto de não comunicar (por mais que fale com os outros), terá tendência a considerar loucas essas ideias, politicamente incorrectas, que por vezes tem. Na verdade, o público está preso, mas pouca consciência tem da tortura mental no seu cárcere doméstico.

Força da união

Há mais de 25 anos que o inimigo deixou de ser o russo e passou a ser o terrorista. Contudo, o conceito tem sido aplicado apenas aos outros países: “Só é terrorismo se for contra nós. Quando lhes fazemos muito pior a eles, não é terrorismo”, cito o autor. Na verdade, quem quer a paz não vende armas e se o conceito norte-americano fosse tomado seriamente os EUA seriam invadidos e bombardeados, nomeadamente por violação dos direitos humanos.
É a elite dos profissionais especialistas, activos, que manipula e domestica o público. Fazem-no ao serviço dos “Senhores”, a comunidade empresarial que administra os “media”. Se, a par do controlo do sistema mediático, houver o domínio do sistema educacional e o conformismo académico, está garantida a fabricação do consentimento de políticas agressoras.
Contudo, e apesar dos investimentos na indústria de controlo dos espíritos, há uma via alternativa e esta depende da atitude de cada cidadão: está em si o poder de decidir se pretende viver numa sociedade totalitária, com meios de comunicação controlados a desinformarem, num mundo governado pela força ou, então, numa sociedade livre, com meios de comunicação social abertos, que informem e num mundo governado pelo Direito.
A solução é simples: a expressão, partilha, discussão de ideias e sentimentos, a participação; a associação aos movimentos de paz, por exemplo, assumindo as convicções de uma vida comum de respeito, harmonia e liberdade. Basta a coragem, que muitas vezes os “media” não têm, de dizer “o Rei vai nu” além da época natalícia.
É difícil mas não impossível passar da apatia e da marginalização à descoberta que não se está só, o que aumenta a força e vontade de expressão. Dessa forma, é possível evitar mais guerras, por um lado, e a não ser discriminado, por outro, por ter a opinião errada. Não mais a massa poderá tão facilmente ser posta “na linha” porque deixará de depender da aprovação dos seus Senhores: doravante terá os seus concidadãos em que se possa rever, identificar e apaziguar. Talvez a sua auto-confiança, segurança e satisfação sejam então notícia de primeira página num qualquer jornal de Marte.


* publicado pela Inquérito em 2003.

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