Quando se realiza a 80ª cerimónia dos Óscares, inauguramos a publicação (com a introdução) de "Cinema, televisão e jornalismo - um olhar sobre a realidade e a ficção", uma monografia escrita há 15 anos.
Texto Dina Cristo
Pela forma dedicada
como orientou e acompanhou a elaboração de toda a monografia; pelas indicações,
absolutamente fundamentais, desde a ideia inicial aos últimos reparos, o meu
reconhecido agradecimento ao professor Jorge Campos, sem o qual este trabalho
teria sido impossível.
Aos funcionários da
Cinemateca Nacional e da Escola Superior de Jornalismo do Porto a minha
gratidão pelas facilidades concedidas e todo o apoio prestado.
À solidariedade
demonstrada pelos meus colegas de trabalho – Guilherme Osswald, Jorge Simões,
Victor Teixeira e Virgílio Ferreira – o meu muito obrigado.
Uma palavra ainda
para Fernando Pinto Basto, a quem se deve, em última análise, as origens mais
remotas deste trabalho: a minha paixão pelo cinema.
Tema
Há três anos, cinema
era apenas uma palavra. Não conhecia e, portanto, desprezava aquilo a que ouvia
chamar de “sétima arte”. Descobri por acaso. Amiga de um cinéfilo, tornei-me
aprendiz da arte cinematográfica. Do entusiasmo inicial ao fascínio foi um
passo.
De repente, salas de
cinema, cineclubes, clubes de vídeo passaram a ser o meu “habitat” normal.
Afastada da tela desde sempre, quis, como se de uma só vez, mergulhar naquele
mundo desconhecido. E o salto foi profundo. Preenchi dias-a-fio, vendo, lendo e
ouvindo cinema.
Num desses dias, “caíram-me”
nas mãos dois filmes de Frank Capra: Mr.
Deed goes to town e It happened onde
night – estava aberto o caminho que me lançaria no universo dos filmes de
jornalistas.
O ciclo sobre “Cinema e Jornalismo” realizado na Cinemateca Nacional foi o ponto alto da cultura
cinematográfica que pretendia explorar. Subitamente, encontro-me num meio de
especialistas, conhecedores a fundo de uma arte de que eu era apenas estreante.
Durante um mês, foram horas de visionamento e consulta, muitos livros e
revistas (em média, pelo menos, duas revistas estrangeiras sobre cada filme) a
tentar entender as 48 fitas sobre os “newspapermen”.
A maior parte dos
filmes não era legendada, a minha intimidade com a linguagem cinematográfica
era nula e as dúvidas sobre o trabalho dominavam-me. Mas, uma conversa com João
Lopes serenou-me; as suas palavras de estímulo e coragem incentivaram-me a
prosseguir.
De regresso ao Porto,
as salas de cinema tomaram outro sabor, com um encanto único e um fascínio
irresistível. Voltei a frequentá-las vezes sem conta. Até que as ideias foram
surgindo: eram histórias verdadeiras ou baseadas em casos reais, argumentos
ancorados na realidade… ? “e então é isto tomado por ficção?” – perguntava-me.
A resposta, essa, ia
surgindo com as leituras. De início as crónicas de João Lopes no “Expresso”,
depois a visão de McLuhan e de André Bazin sobre a identidade do cinema iam
pintando um quadro que me inspirava cada vez mais interesse e curiosidade: a
problemática da realidade e da ficção.
Por outro lado, Broadcast News, que já tivera visto três
vezes antes de o rever na Cinemateca, ganhou no grande écran e após o
visionamento dos 47 filmes uma nova dimensão. “É este” – disse - “É este que
mais tem a ver comigo, que levanta as questões que me preocupam e que mais está
de acordo com o contexto actual”.
Num momento em que a
concorrência entre as televisões privadas prima pelo espectacular, comecei a
questionar-me sobre as “habilidades” que se fazem para tornar uma imagem mais
atraente. Não estaremos nós a ver verdadeiras ficções sob o rótulo de
reportagens?
As ideias iam
surgindo, a bibliografia consolidava-as e eis que era chegada a hora de
enfrentar o desafio. Demasiado arriscado talvez, além das minhas capacidades,
com certeza, mas serena de que não se trata de uma tese que procura demonstrar
algo, mas de uma monografia que apenas pretende expor alguns traços da proximidade
do jornalismo televisivo ao cinema, nomeadamente quando aquele nos apresenta
uma realidade construída.
E o trabalho aqui
está, com a “ajuda” destas palavras de Miguel Esteves Cardoso: “Os limites só
se começam a conhecer quando são ultrapassados”.
Objectivo
Não pretendo afirmar
que o cinema é eminentemente real e o jornalismo ficcional até porque em última
instância admito que a característica essencial do cinema é a fantasia (pelo
menos assim é assumido pela indústria e pelo público consumidor) e do
jornalismo televisivo a transmissão de factos reais (é esse pelo menos o seu
objectivo).
Não procuro fazer uma
análise comparada entre o cinema e o jornalismo televisivo mas antes olhar (com
tudo o que o olhar tem de subjectivo) sob um ponto de vista específico: o de
que o cinema constrói o real com a ficção e o jornalismo praticado na TV
fabrica a ficção com a realidade. Trata-se pois de uma perspectiva e não de um
estudo dos dois “mass media” na sua componente total.
É um olhar (incluo
aqui uma alusão implícita à câmara de cinema e de televisão) no ponto exacto em
que o cinema se aproxima do jornalismo televisivo e este do cinema, uma vez que
ambos encenam casos reais. Na
prática, os objectivos que estes meios de comunicação de massa assumem
perseguir são adulterados.
Pelo menos em parte
(e é dessa que me ocupo), o cinema acaba não só por abordar a realidade do
dia-a-dia como também por ser um reflexo de uma determinada época, um dado contexto
histórico, como o testemunham os cenários naturais em filmes antigos. Por outro
lado, o jornalismo televisivo acaba não só por transmitir pseudo-acontecimentos
e meias-verdades (dada a fragmentação das notícias e o pouco espaço de tempo
disponível) como por fazer verdadeiras encenações de que os cenários, a
maquilhagem e o jornalista-actor são puros exemplos.
Estes dois aspectos
(a realidade no cinema e a ficção no jornalismo televisivo) constituem a base
deste trabalho. Denominei-o “Cinema, Televisão e Jornalismo – um olhar sobre a
realidade e a ficção” pelo espaço que nele ocupa a indicação de alguns dos
principais filmes que abordam a personagem jornalista e que de alguma forma ‘agarram’
o mundo do jornalismo.
Broadcast
News
é o exemplo da imagem que ao longo dos anos o cinema projectou do jornalista e
de como a arte cinematográfica testemunhou a evolução da actividade com o
aparecimento da televisão. O filme levanta questões tão importantes como a
espectacularidade e a encenação de factos (no caso, emoções) – a construção de
uma realidade.
Um maior controlo
democrático das redacções e uma maior consciência do jornalista para o papel
fundamental que desempenha na construção da imagem do mundo podem ser a chave
que venha a devolver a dignidade ao jornalismo televisivo.
Etiquetas: Dina Cristo, Ensaio, Jornalismo (e) audiovisual I