quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Souvenir de Portugal


Foi um dos nomes mais importantes da música ligeira portuguesa dos anos 80. Chama-se Carlos Paião e faria dia 1 de Novembro 50 anos.


Texto Dina Cristo fotografia EMI - Valentim de Carvalho


Fruto de uma “História Linda”, faleceu em 1988, num acidente de viação, a caminho de um espectáculo. Tinha 31 anos e havia concebido centenas de canções. Além da sua capacidade de produção, criatividade, inovação, simplicidade e versatilidade, ficou conhecido pela sua crítica, sátira e humor, qualidades hoje reconhecidas.

Defendendo que “o difícil é trabalhar o simples sem dar cabo dele”, Carlos Paião tinha, segundo João Gobern, “(…) um raro sentido de oportunidade e a difícil escola da simplicidade nas melodias que arquitectava revelava um invulgar domínio da língua portuguesa quando escrevia os seus poemas (…)». David Ferreira escreveu mesmo que “Aqui e ali, a cavalo num trocadilho que parece inocente, ressalta a capacidade de observação dum verdadeiro cronista de tiques, clichés e costumes”. Já Miguel Azevedo apreciava, no “Correio da Manhã”, que desde o “(…) fado à canção infantil, da balada de amor à composição burlesca escreveu de tudo para todos».
Depois de em 2003 ter sido editado pela EMi, Valentim de Carvalho, um CD duplo assinalando a sua morte, denominado “15 anos depois – Carlos Paião letra e música”, em 2006 foi editado um outro comemorativo do início da sua carreira, em 1981, com “Play-back”, tema vencedor do Festival RTP da Canção. Este CD reúne canções interpretadas pelos mais diversos artistas para os quais escreveu, entre os quais Herman José e Amália Rodrigues.
Carlos Paião nasceu em Coimbra e formou-se em Medicina. Nos anos 60 aprendeu música, nos anos 70 já havia escrito dezenas de canções, mas foi durante os sete anos de profissionalização, entre 1981 e 1988, que somou centenas de criações. Foi instrumentista e letrista, fazia os arranjos musicais, era compositor, intérprete e produtor. Deixou-nos num “Intervalo”, tendo vivido de mãos limpas e podendo gritar bem alto que viveu, como escreveu nesse último ano da sua vida.

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quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Jornalistas pela paz


Próximo da comemoração do Dia Mundial dos Jornalistas pela Paz, este Sábado, dia 27, apresentamos um livro que nos fala de um novo paradigma (d)e agenda mediática. Organizado por José Manuel Pureza e editado pela Quarteto, a obra reúne comunicações apresentadas durante um curso realizado pela Comissão Nacional da Unesco, na Universidade de Verão, na Arrábida, em 2000, Ano Internacional da Cultura da Paz.

Texto Dina Cristo

É urgente implementar uma agenda de paz, que promova o diálogo intercultural, a protecção das minorias, a cidadania global, de solidariedade, integração, adopte uma perspectiva menos alinhada com a violência e valorize o grande desvio: as iniciativas, actores e métodos pacíficos. A própria sustentabilidade informativa depende de uma agenda reestruturada, que inclua não apenas o crescimento mas também o desenvolvimento económico, social e ambiental (“profit”, “people” e “planet”). A paz, condição para transformar os conflitos de forma criativa e construtiva, é também urgente nos “media”, porque corresponde a um interesse da comunidade, a uma necessidade verdadeiramente colectiva.
A guerra (substituída pelo eufemístico “intervenção militar”) é dispensável e politicamente irracional; ela desenrola-se hoje, sobretudo, no teatro... informativo – fluxos e conteúdos que a elite no poder controla, para preservar o “status quo” que tem dominado: uma cultura política conflitual, baseada numa ideologia conservadora que só admite o “preto” e o “branco”, quando a realidade é um espectro de várias cores.
A pós-nacionalidade implica um novo paradigma de comunicação, de respeito, conhecimento mútuo e solidariedade cosmopolita e, portanto, de superação das diferenças de forma a atingir uma visão global. A globalização é cada vez mais multicultural. A intolerância informativa será suicidária e desfocada em relação às novas propostas de construção social de um mundo matizado e, assim, rico, pacífico, partilhado e unido pelos interesses realmente comuns, redescobrindo uma identidade plural.
Um novo contrato social
Este novo contrato assenta na co-habitação, no pluralismo de culturas, no direito/dever de informação, participação e respeito mútuo para uma cultura de solidariedade e cooperação humana, transnacional e uma paz positiva, global, com uma comunidade humana integrada e harmónica. A cultura de paz implica não apenas a paz negativa (a ausência de violência directa/pessoal), mas também a inexistência de violência estrutural (repressão, exploração, imposição, segmentação e marginalização) como também a cultural - transmitida pelos “media” – substituída pela liberdade, equidade, diálogo, integração, solidariedade e participação.

A informação que (ainda) utiliza a dualidade e reproduz um discurso bipolar do mundo (o “Outro”, sobretudo o culturalmente diferente, visto com valor e intenção negativa, o “Mau”, e “Nós”, os “Bons”) não reproduzindo de forma séria e equilibrada o(s) argumento(s) do inimigo e transportando para os relatos políticos, sociais e desportivos uma linguagem bélica, tem dado mais importância à guerra do que à solução pacífica.
Mudança de paradigma
Com o nuclear, os custos da guerra, o “soft power”, a mediação internacional, surge uma deslegitimação quer da violência clássica quer da emancipadora. São então apontados factores como a sua ineficácia e ontologia, moralmente condenável e estrategicamente inadequada. Assim, as guerras entram em desuso nos anos 90, depois de inconclusivas nos anos 80. Hoje, as forças armadas têm mais missões humanitárias (e até ambientais), o pacifismo que é considerado eficaz, realista e racional, como escreve Luís Mota, professor catedrático de Sociologia das Relações internacionais.
Verifica-se actualmente uma mudança da natureza do Estado e uma nova lógica, pós-nacional – um modelo de cidadania internacional, um projecto de sociedade solidária, inclusiva, dialogante, participativa, tolerante e intercultural – o que implica um novo contrato social, no qual as fronteiras são vistas como práticas de exclusão de grupos. É um novo sistema pós-estatal da sociedade civil, de uma cidadania voluntária e responsável, baseada na informação a todos acessível - a sociedade de informação - tal como nos direitos de cidadania política (mesmo a nível externo), culturais, de identidade e participação de todos os membros da sociedade num debate aberto e numa pressão política ascendente, vinda da acção dos movimentos sociais, pela consciencialização dos riscos e interesses comuns.
A cultura conflitual, de divisão de Estados (fruto da herança positivista e realista - etnocêntrica, ideologicamente fundamentalista, estrategicamente redutora e que deu prioridade aos factos em detrimento dos valores) era baseada na territorialidade, na lealdade de proximidade e no sistema estatal. A guerra baseou-se numa legitimidade clássica, que mobilizava os cidadãos para dar a vida pela pátria, e emancipadora, como instrumento de libertação dos povos. Neste contexto, o pacifismo foi visto como ingénuo, irreal, ideal e utópico.
As tentativas de construção de uma Cultura para a Paz (tanto humanistas como socialistas) vêm desde o final do Séc.XIX (com a restauração dos Jogos Olímpicos, as Exposições Mundiais) e continuam com a criação da Cruz Vermelha, Prémio Nobel da Paz, Conselho Mundial da Paz, Sociedade das Nações Unidas, em 1919, ONU, Governo mundial para ser capaz de garantir a paz, passando por Gandhi, que provou a sua eficácia, até aos movimentos pacifistas dos anos 60 e 70.
Durante o Séc.XX houve uma investigação científica sistemática, sobretudo entre a I e a II Guerra Mundial e, depois da Guerra Fria, sobre o imperialismo e a relação entre os gastos militares e as necessidades sociais. A investigação alterna-se entre estudos de segurança e estudos de paz, pois a atenção desloca-se para a segurança ambiental (dada a crise) e humana (devidos aos desalojados e refugiados). A democracia e a liberdade passam a ser consideradas necessidades básicas fundamentais - é a emergência de um novo paradigma científico, em evolução, com uma marca mais holística e ética.

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quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Reconhecer, Relativizar, Relaxar…


Uma semana após se assinalar o Dia Mundial da Saúde Mental, evocamos a utilidade do reconhecimento das emoções. O medo, por exemplo, dá-nos informações sobre o perigo (real ou imaginário) e torna-nos prontos para fugir ou lutar. Perante ele, podemos deixar-nos dominar ou procurar formas pacificas de o acompanhar.

Texto Laura Bettencourt


Gostaria de partilhar convosco um aspecto interessante das nossas emoções. Elas permitem-nos reagir a situações concretas, é certo, de forma rápida e muitas vezes eficaz. Mas ao tomarmos consciência delas, isto é, como nos fazem agir, sentir, pensar, como fica o nosso corpo, dão-nos oportunidade de (re)conhecer quais as situações que nos perturbam, o que nos faz exaltar, quem nos deixa ternos e felizes, que palavras gostamos, que tons não suportamos.
O Medo
Hoje, lanço-vos o desafio da descoberta do Medo. O Medo assusta-nos tanto que nem queremos falar dele. Faz-nos saltar o coração, deixa-nos brancos como a cal e gela-nos as mãos. Queremos afastá-lo e nem ouvir pronunciar o seu nome. Mas…, e se quanto mais falarmos dele mais o compreendermos? E se descobrirmos que ele tem uma utilidade própria? De facto, esta emoção alerta-nos para a existência de um perigo, e deixa o nosso corpo astuto e capaz de enfrentar o mais feroz dos perigos! Isto não é maravilhoso?
O medo mostra-nos, de modo imediato, que algum perigo está na eminência de acontecer, ajudando-nos a reagir de modo rápido e adequado e munindo o nosso organismo de um conjunto de respostas (tais como o aumento da força, da frequência cardíaca e dos ciclos respiratórios, a dilatação das pupilas, as alterações hormonais e metabólicas, entre outras) que me permitem fugir ou lutar.
Por outro lado, essa mesma emoção pode tornar-se exagerada quando é determinada, não por aspectos de perigo real, mas antes, por inúmeras preocupações que antecipo, imagino ou amplifico geralmente de natureza social. Nessa medida, existe uma grande diferença entre sentir medo por algo que, de facto, coloque em perigo a minha sobrevivência, como por exemplo ser ameaçada de morte por qualquer agressor, ou sentir medo de situações às quais atribuo um significado negativo, sejam elas de natureza física (por exemplo, medo de morrer, de adoecer) ou social (medo de desiludir os outros, de falhar, de ser humilhado, de ser abandonado, de perder alguém, de ficar desempregado).
Porém, o nosso cérebro responde da mesma maneira em ambos os casos: os nossos pensamentos disparam com a possibilidade de consequências catastróficas e o nosso corpo reage da mesma maneira que perante um perigo real. A este tipo de modificações rápidas e involuntárias que acontecem no nosso organismo dá-se habitualmente o nome de Resposta de Stress. Quando a situação que gerou esta resposta termina, o organismo tende a voltar ao seu estado normal. Contudo, se as situações perturbadoras forem prolongadas e frequentes podemos alterar o nosso estado de equilíbrio e facilitar o aparecimento de problemas físicos e psicológicos, particularmente, de estados de ansiedade, sentimentos de pressão e de mau estar geral.
Os três "R"
Deste modo, poderá ser importante (re)conhecer os sinais do corpo que funcionam como que mensagens e que nos podem ajudar a perceber que talvez esteja na hora de “dizer não” a determinadas situações, que podem existir formas alternativas de as enfrentar ou que, simplesmente, devemos pedir ajuda seja a amigos, familiares ou a profissionais. Ou, ainda, que talvez seja necessário relativizar e “resignificar” a importância de algumas situações que tanto nos incomodam, isto é, olhar para o problema de forma diferente, dar-lhe novas cores, novas imagens, novos começos e novos fins, novas soluções. Se todas as situações têm muitas facetas, de certo beneficiaremos se olharmos para elas de forma diversificada.
Alguns meios naturais podem ainda ajudar-nos a prevenir ou a melhorar a resistência às respostas de stress, tais como a actividade física, as actividades de relaxamento, uma boa respiração, a realização de actividades de lazer. Da mesma forma que falámos de uma resposta de stress, podemos falar de uma resposta de relaxamento que actualmente tem sido considerada como uma poderosa ferramenta na gestão da tensão física e emocional.
Esta resposta pode ser definida como um estado de profundo repouso e descontracção e a sua prática regular traz diversos benefícios, fisiológicos e psicológicos, implicados na redução dos efeitos cumulativos das reacções de stress: reduz significativamente o ritmo cardíaco e o ritmo da respiração, diminui os níveis de lactato no sangue (os quais parecem estar também relacionados com níveis elevados de ansiedade); acalma o curso dos pensamentos, tornando-os mais claros e menos conturbados, produz sensações de bem-estar e de repouso e verifica-se uma tendência para a melhoria das relações interpessoais, da empatia e da criatividade.
O relaxamento pode ser praticado de muitas formas pois é uma experiência muito pessoal, mas existem algumas mais sistematizadas, tais como a respiração abdominal, o relaxamento muscular progressivo (ou outros), técnicas de visualização, a meditação, a prática regular de Ioga, Tai Chi, de Chi Kung, etc. Ao experimentar vários métodos, poderá percebendo em si e por si, quais as diferenças entre cada um, sem contudo, esperar resultados imediatos. Quanto mais frequente for a prática destas técnicas, melhores serão os resultados.
Paz

Para terminar, deixo-vos com um conto sobre a Paz: «Certa vez um rei teve de escolher entre duas pinturas, qual melhor representava a paz perfeita. A primeira era um lago muito tranquilo, este lago era um espelho perfeito onde se reflectiam algumas plácidas montanhas que o rodeavam e sobre elas encontrava-se um céu muito azul com nuvens brancas. Todos os que olharam para esta pintura pensaram que ela reflectia a paz perfeita.
Já a segunda pintura também tinha montanhas, mas eram escabrosas e não tinham uma só planta, o céu era escuro, tenebroso e dele saíam faíscas de raios e trovões. Tudo isto não era pacífico. Mas, quando o rei observou mais atentamente, reparou que atrás de uma cascata havia um pequeno galho saindo de uma fenda na rocha. Neste galho encontrava-se um ninho. Ali, no meio do ruído da violenta camada de água, estava um passarinho calmamente sentado no seu ninho.
O rei escolheu essa segunda pintura e disse: “Paz não significa estar num lugar sem ruídos, sem problemas ou sem dor. Paz significa que, apesar de se estar no meio de tudo isso, permanecemos calmos e tranquilos no nosso coração”».

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quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Imprensa regional de parabéns

O “Trevim”, uma das publicações mais estruturantes do jornalismo de proximidade nacional, está a comemorar 40 anos de existência. Eis um olhar sobre a história da alma de um povo: o lousanense.

Texto e fotografia Susana Nunes

No centro da vila, tocam os sinos da igreja. Terça-feira. Do outro lado da rua, num antigo edifício, procura-se terminar os últimos pormenores para se fechar a edição. E o telefone vai tocando, interrompendo a música que habitualmente acompanha a movimentada jornada de trabalho. É o dia mais complicado da semana. Os cigarros vão-se sucedendo, uns após os outros. O fumo paira no ar. No entanto, o espírito de entreajuda e de camaradagem é uma constante. É este o ambiente vivido no edifício do jornal Trevim, um jornal local, ou “de proximidade”, como João Silva, um dos fundadores e actual director, gosta de referir. Um jornal cuja longevidade não o envelheceu. Muito pelo contrário. Tem rejuvenescido ao ritmo dos tempos: “Uma voz nova, para uma Lousã renovada”, sendo uma referência constante nas vivências da sua terra, a Lousã. E sempre “de caneta em riste”. Se existem histórias cuja profundidade não pode ser alcançada através de meras palavras e factos, a do Trevim é uma delas.
Sonho
Tudo começou nos finais da década de 50, quando um grupo de jovens, Pedro Malta, João Silva, José Duarte, António Ribeiro, Fortunato de Almeida, José Redondo e Rui Fernandes, cansados da pobreza cultural, da rotina e da monotonia local, e procurando trazer uma “lufada de ar fresco” para a sua terra, idealizaram um novo jornal. Segundo Pedro Malta, um dos fundadores e o primeiro director do Trevim, pretendiam “abordar os problemas da Lousã noutra perspectiva, numa vertente mais independente, isenta de ligações políticas, religiosas” e “falar com as pessoas, cobrir o concelho e arranjar correspondentes em cada freguesia, portanto, dar uma maior abordagem aos problemas da terra”. Desejavam, também, fomentar o debate e a discussão pública, a defesa dos interesses do povo lousanense e a divulgação cultural.
Mas, passar do sonho à realidade não foi fácil. A ideia levou alguns anos a concretizar. Por um lado, nenhum deles tinha experiência, nem verdadeira consciência da dificuldade da sua concretização, tanto a nível burocrático, como a nível económico. Por outro, tratava-se de uma época em que a divulgação da informação e a liberdade de expressão eram bastante controladas. A censura era algo muito presente.
Concretização
Apesar das evidentes dificuldades, a determinação e o idealismo próprios da juventude foram mais fortes, o sonho não morreu. Para a sua concretização, foi fundamental a ajuda de João Fernandes de Almeida, que, através da sua empresa, garantiu a fiança bancária exigida pela Lei, a boa-vontade do Presidente da Câmara da altura, Henrique de Figueiredo, que acelerou o processo burocrático, e a colaboração e a solidariedade de Joaquim Duarte, simpaticamente apelidado de “Ti Joaquim da Gráfica”, proprietário da Gráfica da Lousã, indispensável para a impressão dos primeiros números do jornal.
Passo a passo, o projecto inicial ia ganhando forma, tornando-se uma realidade. Mas havia ainda um importante aspecto a definir: a sua denominação. Inicialmente, tinham pensado em “Arunce” ou “Arouce”, designações bastante ligadas às raízes, às origens da sua terra. No entanto, como é referido na edição nº 447 deste jornal, “uma noite já em época de exames, encontrando-nos no café Tropical em Coimbra, aparece-nos o Pedro Malta com um ar feliz, justificando e propondo «TREVIM» para cabeçalho do novo órgão da imprensa regional que estava para sair”. Segundo o autor da ideia, “tratava-se de um nome mais significativo, porque representava, no cume mais alto da montanha, o ponto de encontro de povos vizinhos, comungantes da mesma cultura de uma serra, onde só o génio de porfiar do Homem seria capaz de rasgar e contornar os agrestes alcantis e arrotear as courelas conquistadas a pulso, procurando, ao mesmo tempo, manter as costas rijas para suportar torrentes de injustiça séculos adiante”. Para além disso, significava “uma amplidão de horizontes susceptíveis de poderem vir a receber a mensagem dos nossos ideais, generosos mas firmes nos seus objectivos”.
Primeiros Anos
As dificuldades não se ficaram apenas pela concretização inicial do jornal, que começou por ser quinzenário. Os primeiros anos foram bastante complicados, sobretudo no que diz respeito à sua relação com o poder instituído. Como é referido na edição do Trevim inicialmente mencionada, “a não aceitação do jornal por alguma da elite socio-política local, levou mesmo esta à denúncia junto dos membros da Censura distrital de falsas acusações sobre os membros do jornal”. Segundo João Silva, esta “era uma situação um pouco embaraçosa porque o jornal, muitas vezes, era censurado e censurado de uma forma extremamente exagerada. Por vezes, havia cortes quase brutais, o que implicava que se tivesse de refazer os textos cortados e, também, uma despesa bastante grande”.
Para além disso, “a partida de alguns fundadores, quer por motivos militares, quer por razões profissionais, implicou igualmente dificuldades administrativas que o Pedro Malta soube suportar, realizando essa missão com esforço e sinceridade”. Não existia uma administração profissional, o jornal era feito em regime de voluntariado, nas horas vagas, “por 'amor à arte', sem estar à espera de qualquer compensação material”. Foi Pedro Malta quem, durante muito tempo, tratou da parte administrativa, os recibos, as cobranças. E, desta maneira, como o próprio o comenta, “lá foi andando”.
No entanto, a situação financeira foi-se agravando, cada vez mais, até ao ponto de, em Março de 1970, a edição ter de ser suspensa. A dívida à gráfica atingiu uma dimensão complicada para a época, portanto, “teve de se fazer a paragem, para se pensar o que se iria fazer”. A solução encontrada foi a mudança de gráfica: o jornal passa a ser composto e impresso em Coimbra, pois esta era mais acessível financeiramente.
Quatro meses depois da sua suspensão, o Trevim regressa, afirmando a continuidade e a renovação das suas intenções e dos seus objectivos, evidenciando um notável amadurecimento: “porque deixámos em aberto algumas promessas que a nossa consciência teima em obrigar-nos fazer cumprir ou a lutar por isso. Para darmos realização a um corpo de ideais que encontram na via jornalística o meio mais apropriado para a sua exteriorização. (...) Trata-se de um novo tempo de intervenção, baseado num novo conceito de jornalismo regional, que se quer cada vez mais menos pessoal, virado na sua totalidade, para o conjunto dos problemas da grei, quer a nível de zona, quer à escala nacional. (...) Exigimos a crítica – aplauso ou discordância – ou a sugestão. Desejamos manter bem vivo o diálogo que sempre soubemos travar com todos os que têm acreditado na sinceridades das nossas palavras, na autenticidade dos nossos actos”. O reconhecimento de que se pode fazer sempre mais e melhor, de que foram cometidos alguns erros foi um grande sinal do seu amadurecimento. A 1 de Outubro de 1970, no seu terceiro aniversário, chega-se mesmo a publicar o seu próprio de Ipiranga: “Transformação ou morte”.
Pós 25 de Abril
A Revolução dos Cravos foi vivida com bastante empolgamento por todos os que se dedicavam a este jornal. O entusiasmo foi tal que incentivou a chegada de novos colaboradores, o que foi bastante positivo. Havia um longo trabalho pela frente, pois, com a implantação de novos ideais, era necessária uma revolução e uma renovação a nível de mentalidade. O fim da censura abriu “novas perspectivas à projecção do jornal”, o que se materializou num aumento do número de notícias, tanto nacionais como internacionais.
A 1 de Novembro de 1978, “por conveniência redactorial e necessidade de melhoria gráfica”, o jornal passa a ser composto e impresso novamente na Lousã, mas, desta vez, na Tipografia Lousanense.
Em Agosto do mesmo ano, como forma de ultrapassar as dificuldades que continuamente colocavam em causa a sobrevivência do jornal, anuncia-se a intenção de se constituir uma Cooperativa. Graças ao esforço dos seus promotores e à significativa adesão de amigos do jornal, a 3 de Março de 1979, é registada a escritura da constituição da Cooperativa Editora e de Promoção Cultural Trevim (SCARL), no Cartório Notarial da Lousã. Esta assume, alguns meses depois, o direito de propriedade e a administração do jornal, tendo como objectivo a sua produção e gestão. Para além disso, tinha também a finalidade de editar outras publicações e de realizar eventos culturais. Os sócios fundadores da Cooperativa foram: Pedro Malta, António Ribeiro, João Silva, José Casimiro, José Simões, José de Almeida, Paulino Tavares, José Reis, António Rodrigues e José Duarte.
Em Novembro é criado o conselho de redacção, mas dificuldades continuam a ser uma constante. O 25 de Abril não foi premissa para o fim da conturbada relação entre este jornal e o poder local, o que foi bastante notório quando, existindo a necessidade de novas instalações, “a Câmara Municipal – dispondo na ocasião de outros espaços vagos – concedeu apenas a utilização de uma sala na então arruinada escola do regueiro, de onde se teve de 'fugir', por causa da constante permissividade de assaltos”. Em alternativa, e “à custa de sacrifícios financeiros”, optaram pelo aluguer das actuais instalações (embora, inicialmente, não tivesse sido na sua totalidade).
Em Novembro de 1985, Carlos Henggeler Antunes assume o cargo de director-adjunto interino.
Novas Tecnologias
Segundo José Orlando Reis, “o Trevim foi dos primeiros jornais de âmbito regional que procedeu à reconversão tecnológica. O Governo, reconhecendo a importância do papel da Comunicação Social, estabeleceu um programa de financiamento para a modernização tecnológica de jornais (...) Nós concorremos, apresentámos um projecto e conseguimos apoio. Na altura, esse projecto foi liderado pela Cooperativa Trevim, mas foi em conjunto com o jornal de Poiares e com o de Miranda. O equipamento que veio foi repartido pelos três jornais”, refere.
Para haver um melhor aproveitamento destas novas tecnologias, o jornal passa, a partir de 1992, a ser impresso na Tipografia Comercial, em Coimbra.
A renovação tecnológica torna-se uma preocupação constante da Cooperativa, “é um desafio a que, como é óbvio, não podíamos (nem devíamos) furtar-nos, pois é na sua superação que assenta, em grande parte, a sobrevivência do 'Trevim' como órgão de informação moderno. O futuro aponta, cada vez mais com mais força, a implantação de novas tecnologias como arma decisiva a favor do combate a que a Imprensa desde sempre se devotou”, salienta Orlando Reis. A Cooperativa procura, assim, uma melhoria a nível da qualidade do jornal e o alargamento do número de assinantes, tal como a continuação do trabalho de animação cultural.
Declaração de Utilidade Pública
A 12 de Julho de 1988, a Cooperativa Trevim é declarada instituição de Utilidade Pública, por despacho do primeiro-ministro da época, Cavaco Silva. Segundo João Silva, “ser de utilidade pública é sempre um benefício para a própria instituição porque, perante as pessoas que a consideram como tal, se manifestou de um grande interesse para a comunidade”. Para além disso, existem algumas vantagens a nível económico.
Mais tarde, este jornal viria a ser também distinguido pela Câmara Municipal da Lousã, na comemoração do seu 32º aniversário, a 23 de Outubro de 1999, com a atribuição da Medalha de Mérito do Município.
Em Abril de 1989, Pedro Júlio Malta demite-se da direcção do jornal, a seu pedido, sendo substituído por José Ricardo de Almeida.
Em Novembro de 1990, este também abandona, a seu pedido, as funções de director do Trevim, “cargo que desempenhou com a dedicação e empenho” que sempre consagrou ao jornal, “particularmente desde a criação da cooperativa que ajudou a fundar”.
Casimiro Simões, profissional que trabalha na Agência Lusa, e que já era colaborador do jornal, é convidado para o cargo: “nessa altura fazia de tudo: escrevia textos, fazia notícias, programava, fazia noitadas aqui, às vezes sozinho, para o jornal sair, ia à tipografia...”.
Processos Judiciais
Em Março de 1992, Horácio Antunes, presidente da Câmara, acusa judicialmente o Trevim de abuso de liberdade de imprensa, devido a um artigo publicado alusivo ao processo de licenciamento da rádio local, em que se afirmava como falsa uma declaração autenticada com o selo branco da autarquia. Segundo Casimiro Simões, que viveu este processo como director, autor, co-autor e defensor, este foi um momento que marcou bastante a vida do jornal e que foi vivido com muita preocupação, no geral. Na véspera do julgamento, Horácio Antunes volta a apresentar outra queixa, relativa a um texto opinativo de Casimiro Simões, em que o título era “Câmara abre vagas apenas para inglês ver”, pois denunciava um processo fictício de abertura de vagas para cantoneiros.
A 2 de Novembro de 1993 é criado o Conselho Editorial.
Só em Dezembro deste mesmo ano é que, finalmente, “pára a chuva de processos” contra o jornal, tendo este sido absolvido do primeiro e Horácio Antunes desistido incondicionalmente do segundo, já que “as eleições autárquicas estavam outra vez à porta”.
Renovação
Na edição de 5 de Outubro de 1995, nº 642, o Trevim surge com uma nova concepção gráfica e com um novo cabeçalho, concebido por Manuel Vieira. Esta renovação, “apesar de singela”, visava uma melhor qualidade do projecto informativo, “aproximando-o ainda mais do leitores”.
Em 18 de Dezembro de 1999, as instalações do jornal são parcialmente destruídas por um incêndio, que terá deflagrado por causa de uma avaria num aquecedor eléctrico. São perdidos alguns documentos irrecuperáveis e parte do material de escritório e equipamento da sala da administração.
A 20 de Junho de 2002, o jornal passa a ter uma periodicidade semanal.
A 5 de Setembro do mesmo ano, Casimiro Simões pede a demissão de director: “cabe-me informar os leitores, todos os colaboradores, anunciantes e amigos do jornal que, a meu pedido, formalizado junto da direcção da Cooperativa Trevim, o meu nome figura no cabeçalho pela última vez nesta edição. Não foi fácil esta decisão, sobretudo numa altura em que o jornal já trilha o seu caminho como semanário”, sendo substituído por João Silva. Este, na edição de 12 de Setembro, afirma que procurará dar continuidade ao projecto com dedicação e manter a atitude habitual do Trevim, citando a directriz da primeira edição do jornal: “critica, construindo, informa, formando”. Para além disso, reforça o apelo à colaboração, sobretudo no que diz respeito aos jovens.

Na edição de 1 de Abril de 2004, nº 904, é declarada a aprovação da criação do cargo de Provedor de Leitor do Trevim: “teria de ser alguém bom profissional e bom conhecedor da profissão, que pudesse analisar textos dentro do contexto do jornal”, como afirma Pedro Malta.
Defesa da Cultura Local
Desde o seu nascimento que o Trevim se declarou de imediato um órgão de divulgação de cultura. E isso não foi esquecido com o tempo. Ao longo das suas muitas edições, não é difícil depararmo-nos com os mais diversos programas culturais. A Cooperativa Trevim foi, muitas vezes, protagonista na organização de exposições, de debates, de sessões de caricatura, de concursos, de passeios, de palestras, entre outros, podendo-se dizer que em muito tem contribuído para o fim do “marasmo cultural” por terras lousanenses.
Outra das preocupações deste jornal, foi mostrar que a Imprensa local, ou de proximidade, não tem de ser necessariamente “pobre”, nem tem de estar dependente de qualquer tipo de poder, procurando ser uma prova “viva” disso mesmo.
Para além disso, procurou participar activamente no esclarecimento dos seus leitores sobre o que é a Imprensa local e qual é o seu verdadeiro papel, realizando congressos, palestras, cursos e publicando notícias e artigos alusivos a esta temática: “um jornal regional, ou local, é como um coração. Dirige as pulsações das entradas e saídas de ar. E é, também, como uma espécie de fotografia: por ele podem conhecer-se os rostos reais que estão por detrás de cada notícia, de cada nome, de cada página impressa em velhas tipografias que cumpriam a reprodução de notícias e de lamentos, recordações, euforias, desenganos. (...) Os jornais regionais, ou locais, informando e publicando as suas notícias directamente relacionadas com a sua região, com o bairro de cada assinante, de cada leitor que a um determinado dia da quinzena procura no seu jornal o reconhecimento do seu próprio mundo – esses jornais, dizia eu, cumprem outra função essencial: a da comunicação directa, que rareia hoje nos grandes órgãos de comunicação social, nos diários nacionais, nos semanários de grande informação. (...) São obras de vontade, mais do que dinheiro. São produto de entusiasmo e de empenhamento”.
Apelo à Colaboração

Frequentemente se apelou à colaboração, sobretudo dos mais jovens. Segundo Casimiro Simões, “se não temos jovens, não temos futuro”. O mesmo é salientado por Pedro Malta, “antes de tudo, temos de olhar para a gerações que vêm. Um jornal tem de estar sempre a par do seu público leitor. As gerações vão-se sucedendo, o jornal tem de estar sempre a acompanhar as gerações que se seguem. Embora já tenhamos discutido muito sobre arranjar assuntos que possam interessar a estas gerações mais novas, nem sempre se tem conseguido, mas é importante. É tão importante ter jornalistas jovens, como é importante fornecer a informação que os leitores jovens estejam à espera de receber”.
Segundo José Orlando Reis, administrativamente, o Trevim é um jornal que desde sempre funcionou em regime de voluntariado, o que não permitiu ainda o avanço para um departamento comercial, vivendo muito na base dos assinantes, “cerca de 40 a 60% das receitas assenta nos assinantes, o que, à partida, nos dá uma certa autonomia e independência, não estamos dependentes dos anunciantes. Mas, hoje em dia, de facto, é fundamental ter uma boa carteira de publicidade. E esse é um dos problemas que temos para resolver actualmente”, refere.
Segundo João Silva, na Lousã de hoje, o papel desempenhado pelo Trevim, que ultrapassa as 3500 assinaturas e tem uma redacção profissional com dois jornalistas a tempo inteiro, “continua a ser um papel de defesa dos interesses da nossa terra, da comunidade. Continua a ser um papel de dar voz às pessoas, para se manifestarem, em relação àquilo que não concordam, e um papel de natureza cultural, de levas a cultura às pessoas. A função deste tipo de jornais é ser um transmissor, um veículo de cultura para a comunidade. Penso que o jornal Trevim tem cumprido, dentro das suas limitações, das suas dificuldades, esse papel”, comenta. Quanto à motivação existente, João Silva não tem dúvidas em afirmar que “é óbvio que os tempos são outros. Há 37 anos, havia um entusiasmo muito grande para termos na Lousã um jornal que nos permitisse defender a nossa terra, participar na defesa dos seus interesses e no seu desenvolvimento cultural e levar um pouco às pessoas o conceito de liberdade, que, efectivamente, era importante. Hoje, noutros contextos, o entusiasmo continua. É claro que as dificuldades também (...) Mas eu penso que, mesmo assim, nós continuamos com o mesmo entusiasmo que existia. Até porque também temos aqui jovens, que têm sempre mais entusiasmo. E, enquanto o houver, penso que o jornal Trevim continuará”.

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quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Condicionar o ar?


Mais importante do que o dinheiro, o amor, ou mesmo a água. O ar. Existe naturalmente, mas nós condicionamo-lo. O seu abuso agrava a poluição.

Texto e fotografia Dina Cristo

Não há nada de mais precioso. Venerado como um dos principais elementos da Vida, em sociedades antigas, onde os Silfos, elementais do Ar, eram respeitados, o ar é hoje desvalorizado. Além de respirarmos superficial, rapidamente e sem consciência, também já pouco exalamos ao ar livre e menos ainda ao ar puro. No entanto, é do ar que depende a nossa qualidade de vida. Literalmente. É dele que dependemos, desde que nascemos. Sem ele, nada do que consideramos mais importante resistiria. Sobre o ar deveria recair, então, a nossa maior e melhor atenção. É um dos nossos direitos mais básicos. Mas também um dos deveres primordiais, ao nível de um comportamento sustentável, de responsabilidade para com as gerações vindouras. Deixar-lhes, ao menos, ar puro e livre, para poderem não apenas sobreviver, mas também viver condignamente. Ao invés da preocupação com esta herança fundamental, nem sequer nos atendemos a nós próprios. Como tudo o que é realmente importante, é discreto, invisível e gratuito. Mas nós desbaratamo-lo. Depois de desequilibrarmos a Natureza, refugiamo-nos em autênticas redomas de vidro para não vermos o resultado das nossas acções. Fechamos janelas, acendemos a luz e, já quase automaticamente, ligamos o ar… condicionado. Condicionamo-lo à nossa comodidade. Esquecemos o resto: as causas e as consequências.
Os efeitos ambientais
Porque preferimos nós respirar ar condicionado? Fará melhor? Será melhor? Sentir-nos-emos uma espécie de Pavana, o antigo Senhor do Ar, que o regula à mercê dos seus desejos? Só que esse poder, ilegítimo e mal usado, virar-se-á contra o seu usuário. É o que está a acontecer. Num momento em que o país tem de economizar recursos, tanto económicos quanto energéticos e ambientais, usamos mal e/ou abusamos do ar que condicionamos. Deixamo-lo ligado horas a fio já sem dele necessitarmos, depois de ‘lá fora’ se ter atingido a temperatura que nós, ‘aqui dentro’, consideramos ideal. Numa altura em que a palavra de ordem é economizar, nós desperdiçamos. Sem o resolver (apenas mascaramos) agravamos o problema: consumimos mais energia. Para a repor entramos num ciclo vicioso: mais gastos, mais necessidade de recursos, mais depauperação, mais alterações climáticas, mais abuso… O que leva a mais necessidades artificiais e ao consumo de mais energia, para a qual se delapidará ainda mais património natural desgastando assim a natureza que, um dia, mais cedo ou mais tarde, manifestará o desequilíbrio criado. Outra consciência ambiental já comum é a necessidade de evitarmos os gases que destroem a camada de ozono, que nos protege dos raios ultravioletas. Pois bem, o ar condicionado é um dos principais responsáveis pela utilização desses gases compostos de síntese à base de cloro, bromo e flúor.
Os efeitos no Ser Humano e social
Além dos efeitos económicos e ambientais, há outros (mais) imediatos, visíveis e audíveis. A tosse, a irritação da garganta, olhos, nariz, as dores de cabeça, as alergias, as constipações. Enfim, cada um reage de acordo com sua parte mais sensível. É sabido que a falta, escassez ou deficiência na manutenção dos aparelhos de ar condicionado são campo para o desenvolvimento de fungos e bactérias, transmissão de infecções respiratórias, tal como para a
acidificação do sangue. A causa está na deficiente presença de oxigénio e na falta de oxigenação em proporções naturais. Tal resulta do desgaste do organismo devido ao ácido láctico que é descarregado na circulação sanguínea, por graça da decomposição da glucose que origina a produção de ácido pirúvico. A acidez no sangue por sua vez causará, entre outros efeitos, deficiência imunológica, aumento dos radicais livres e fungos, envelhecimento prematuro, problemas hormonais, cardiovasculares, de bexiga; pedra nos rins, diabetes, osteoporose, obesidade, fadiga crónica, rápida exaustão, tendências depressivas, digestão lenta, úlceras, gastrite; dores musculares, de cabeça e de dentes, inflamação da córnea, pálpebra e gengivas, pele seca e unhas e cabelos quebradiços.
Um dos problemas é a falta de alternativa. Para quem sofre os efeitos do ar artificial no organismo, sente uma opressão social, pois ele é hoje presença obrigatória em quase todos os estabelecimentos, públicos e privados, que nem as mercearias escapam. Trata-se de uma verdadeira questão de saúde pública. Enquanto em relação ao tabaco já há um aumento da consciência quanto aos malefícios, um retrocesso no que toca à imagem socialmente favorável de quem puxava pelo cigarro, uma onda de apoio crescente em termos legislativos e cada vez mais locais reservados a não fumadores, no que diz respeito ao ar condicionado tal não acontece. Ainda se está na maré de opinião pública crescente em que se usa sem conhecer as consequências. Por outro lado, enquanto nos elevadores é fácil para o consumidor verificar a manutenção feita, no caso dos aparelhos de ar condicionado não há como confirmar o estado dos filtros. A única coisa a que os utilizadores forçados têm acesso é, muitas vezes, ao aspecto pouco higiénico dos cabos e contentores. Algumas vezes nem sequer se limpa o espaço, no mais básico que a limpeza tem, mas há sempre um moderno aparelho de ar para se ligar. Não custa quase nada. Aparentemente e no curto prazo, apenas. Sacrifica-se o saber bem, a sensação de um desejo hedonisticamente cumprido, de parecer bem, ao fazer bem à saúde. Consideramos então muito “in” andar de mangas curtas em pleno Inverno e, no Verão, de mangas cumpridas. Rejeitamos o clima que a natureza tão graciosamente nos oferece, para desejarmos quase sempre o contrário. Vivemos, assim, numa insatisfação permanente, querendo quase sempre o contrário da temperatura que temos de forma natural. Mas haverá prazer maior que desfrutar o ar quente do Verão e, depois, o frio do Inverno, ou vice-versa? O quente e o frio é tão natural e importante como o dia e a noite, o homem e a mulher. Sem um deles, a vida seria absurda e impossível.
Neste momento, o ar condicionado corre o risco de se juntar a uma lista de dependências (sociais), como o tabaco ou o café. Primeiro o organismo rejeita e reage, depois habitua-se e a dependência instala-se. Os estragos virão mais tarde, até um dia a doença se manifestar.
A ilusão técnica
Tudo o que fazemos é uma expressão daquilo que somos. Ao condicionar o ar não estamos mais do que a auto-limitar a nossa essência vital. Prendemos o ar, como a água. A acção incauta e ambição humana parece tocar a consciência, levando o Ser Humano a necessitar de compensar com reservas para o futuro os recursos que, consumidos de forma frugal, seriam mais que suficientes no presente. A técnica, porém, dá-nos a ilusão de que podemos continuar a poluir o ar natural e que deste haverá sempre forma de o filtrar. A fantasia de viver quase permanentemente em ar artificial, ainda que uma vez por outra lá se tenha de enfrentar as quatro estações naquelas poucas vezes em que ainda saímos à rua e nos confrontamos com o sol, a chuva, a terra ou o ar. Às vezes, já sob a forma de ondas de calor, inundações, tremores de terra ou incêndios. Esquecendo os nossos gestos, limpamos daí as mãos, a nossa responsabilidade, individual e colectiva. A ideia de que podemos poluir à vontade, que depois haverá uma qualquer técnica que nos dará os elementos básicos à nossa sobrevivência, limpos e puros, pode ser muito cómoda mas é insustentável. Tudo aquilo que fizermos à Natureza e aos seus elementos, mais cedo ou mais tarde, ela nos devolverá. Em “feedback”. Aqui, agora, ou ali, depois. Mas inevitavelmente. Cada vez que optamos por ligar o ar condicionado estamos a agravar o problema das alterações climáticas. É como lançar ainda mais lenha para a fogueira. E o que se quer é apagá-la. A continuar assim, somos muito mais condicionados pelo ar do que o condicionamos, na verdade. Quem o vê, em janelas e prédios em toda a parte, parece que não tem concorrentes. Mas eles ainda existem e são mais eficazes, baratos e saudáveis. Tudo começa pela qualidade da construção dos prédios, o uso de persianas no Verão, e as velhinhas ventoinhas. Podemos ainda optar por uma via mais ecológica: a sombra de uma árvore, no calor, ou o uso de roupas mais quentes, durante o frio.
Um uso adequado, controlado da nova técnica pode ser, no entanto, legítimo na defesa de vidas humanas. Tratar-se-ia de um uso racional, pontual, em vez de um abuso emocional, quotidiano.

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