quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Terrorismo mediático

Noam Chomsky faz este Domingo 80 anos. Altura para relermos um dos seus livros editados em Portugal*: a história de como se incitou uma população pacífica ao ataque militar.

Texto Dina Cristo

Como se consegue, em democracia, fazer com que as massas consintam políticas que vão contra as suas opiniões e interesses? Como, em liberdade e sem força física, se leva o público a aderir a ideias contrárias às que defende? Como é possível, enfim, viver numa espécie de totalitarismo auto-imposto? Para Chomsky a resposta é clara: através da propaganda, veiculada pela indústria das relações públicas.
A estratégia, com quase um século, está em enterrar a verdade e os problemas que a todos preocupam (interesse comum) num monte de mentiras. Como explicou em entrevista, a propaganda não é totalmente falsa (daí a sua eficácia) - há pedacinhos de verdade nos jornais - mas estão misturados com tanta desinformação massiva que precisam de ser decifrados, coisa que o “rebanho tolo” não faz.
A par da invenção de factos (a imagem do mundo tem uma relação muito remota com a realidade) e da falsificação da história (veja-se o caso do Vietname), a propaganda investe no controlo da massa. A domesticação faz-se em várias frentes: em termos físicos, mantendo-a parada e retida (em frente à televisão), distraída (com os jogos desportivos, as séries televisivas); em termos emocionais, aterrorizando (com toda a espécie de males), assustando e apavorando-a com todo o tipo de medos e, em termos mentais, inculcando a aprovação da força militar e da guerra como legítima e aceitável, mesmo quando as sondagens dizem precisamente o contrário: a população é habitualmente pacifista e prefere a ajuda humanitária à crueldade.
O controlo do estado de espírito, a instigação do medo e da incitação à guerra, através da criação de monstros inimigos, resulta numa tremenda passividade, isolamento social e dependência mediática. São assim criadas as condições para o círculo vicioso da sujeição à manipulação. Entretido (entre ter um produto hoje e obter mais um outro amanhã), distraído, afastado de si próprio (alienado), descuidado e desatento aos (seus) reais problemas, convencido de que a vida é aquilo que vê no televisor, o público facilmente se ilude. Enquanto se (dis)trai não pensa, não põe em causa os princípios do sistema no qual assenta a (sua) vida. Deixa-se levar.
Ignorando o que se passa, por mais que tenha a sensação de estar a ser bem informado, não sente, portanto, a necessidade de reflectir, discutir, partilhar, agir ou associar-se. Desta forma, não é preciso proibir os ajuntamentos e a livre discussão. A massa, assim apática e atomizada, obedece: ainda que em alguns míseros intervalos a sua consciência a questione, pelo facto de não comunicar (por mais que fale com os outros), terá tendência a considerar loucas essas ideias, politicamente incorrectas, que por vezes tem. Na verdade, o público está preso, mas pouca consciência tem da tortura mental no seu cárcere doméstico.

Força da união

Há mais de 25 anos que o inimigo deixou de ser o russo e passou a ser o terrorista. Contudo, o conceito tem sido aplicado apenas aos outros países: “Só é terrorismo se for contra nós. Quando lhes fazemos muito pior a eles, não é terrorismo”, cito o autor. Na verdade, quem quer a paz não vende armas e se o conceito norte-americano fosse tomado seriamente os EUA seriam invadidos e bombardeados, nomeadamente por violação dos direitos humanos.
É a elite dos profissionais especialistas, activos, que manipula e domestica o público. Fazem-no ao serviço dos “Senhores”, a comunidade empresarial que administra os “media”. Se, a par do controlo do sistema mediático, houver o domínio do sistema educacional e o conformismo académico, está garantida a fabricação do consentimento de políticas agressoras.
Contudo, e apesar dos investimentos na indústria de controlo dos espíritos, há uma via alternativa e esta depende da atitude de cada cidadão: está em si o poder de decidir se pretende viver numa sociedade totalitária, com meios de comunicação controlados a desinformarem, num mundo governado pela força ou, então, numa sociedade livre, com meios de comunicação social abertos, que informem e num mundo governado pelo Direito.
A solução é simples: a expressão, partilha, discussão de ideias e sentimentos, a participação; a associação aos movimentos de paz, por exemplo, assumindo as convicções de uma vida comum de respeito, harmonia e liberdade. Basta a coragem, que muitas vezes os “media” não têm, de dizer “o Rei vai nu” além da época natalícia.
É difícil mas não impossível passar da apatia e da marginalização à descoberta que não se está só, o que aumenta a força e vontade de expressão. Dessa forma, é possível evitar mais guerras, por um lado, e a não ser discriminado, por outro, por ter a opinião errada. Não mais a massa poderá tão facilmente ser posta “na linha” porque deixará de depender da aprovação dos seus Senhores: doravante terá os seus concidadãos em que se possa rever, identificar e apaziguar. Talvez a sua auto-confiança, segurança e satisfação sejam então notícia de primeira página num qualquer jornal de Marte.


* publicado pela Inquérito em 2003.

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1 Commentarios:

Anonymous Anónimo disse...

Não sei se poderemos viver sem sermos manipulados, pelos que podem e assim o fazem. Numa altura em que se vivemos num mundo de sérias e rigorosas regras os média apenas emergem como mais uma classe para este efeito, e por ser aquela que mais exposta está eis que muito se fala da manipulação. Se os média noticiam aquilo que lhes pede então que dizer das marcas brancas que por aí andam. Quem as fabricam são muitos (até mesmo aqueles que apenas os deveriam comercializar apenas), mas quem as consomem são os mesmos.

Pascoal Carvalho

quarta-feira, 03 dezembro, 2008  

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